Xavier

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Estou muito nervoso. Nervoso demais. Então deixo Suz para trás e corro para o banheiro com meu estômago se revirando, causando um enjôo insuportável. Ponho tudo para fora com a cabeça enfiada no vaso. Me sinto mal por não estar com Suz agora, mas se tivesse demorado mais um pouco, vomitaria em cima dela.

A minha cabeça está girando em um turbilhão de imagens borradas, e sinto como se a qualquer momento eu fosse desmaiar ou vomitar novamente. Vou até a pia e lavo a boca, depois tomo um gole de whisky. A merda da noite acabou de chegar ao fim. Ver a forma como todas aquelas pessoas olhavam para nós, como se fôssemos os órfãos que precisam da compaixão deles... como se nosso pai não existisse mais. E estão errados, afinal? Porque todos os meus amigos e conhecidos estavam com suas famílias aqui em suas mesas. A noite de hoje é a mais comentada em todos os sites, revistas e programas de fofoca de São Paulo – talvez do país.

Mas o meu pai, o Senhor Governador Super Ocupado, não compareceu.

Inferno, inferno, inferno. Milhões de vezes inferno!!!

Atiro o cantil na porta do banheiro quase acertando a cabeça de alguém. É Israel Brandão de novo. Reviro os olhos.

– Tudo bem aí?

– Estou ótimo, não está vendo? – abro os braços para que ele olhe melhor.

– O que está fazendo aqui?

– Quantas coisas eu poderia fazer em um banheiro, Pastorzinho?

Israel olha para o cantil no chão. Eu balanço a cabeça e arqueio as sobrancelhas.

– Isso não é da sua conta, ouviu? Não venha me dar lições de moral ou tentar me converter ou seja lá o que for que vocês fazem.

– Aqui é o banheiro, Xavier. As pessoas usam a hora que quiser. Por que acha que estou aqui por você? – ele junta as sobrancelhas. – Eu não me importo com você.

Dou uma gargalhada alto o suficiente a ponto de fazê-lo balançar a própria cabeça em desaprovação. Minha vontade é de socar a cara dele até que fique irreconhecível.

– Então por que não parava de me olhar enquanto eu cantava?

– Porque era seu número e eu fazia parte da plateia – responde após pensar por um minuto.

Eu só quero que ele me deixe em paz. A única coisa que eu queria era ficar sozinho até que essa maldita noite chegasse ao fim. Viro as costas para ele e lavo meu rosto com a água fria da torneira, ainda sentindo meu estômago embrulhado. Desejo que quando abrir os olhos Israel tenha saído dali, mas o vejo pelo reflexo parado no mesmo lugar como uma estátua. Passo por ele e apanho o cantil do chão. Me tranco em um dos compartimentos até ter certeza de que se foi. Acendo um cigarro.

Permaneço pelo menos uma hora e meia ali dentro, em silêncio, aguardando o tempo passar. Sinto meu celular vibrando no bolso da calça, mas não atendo. Júlio surge no banheiro e chama pelo meu nome, mas não respondo nada.

– Estou sentindo o cheiro do cigarro – ele fala dando leves batidinhas na porta do compartimento. – Sei que está aí – não respondo nada. – Suzane está preocupada.

Penso em respondê-lo, mas não o faço. Continuo calado e espero que ele também saia e quando tenho certeza que se foi, apago o cigarro e saio da cabine.

– Ah, vai se ferrar!

Israel sai da cabine ao lado ao mesmo tempo.

– Por que ainda está aqui, cara?

– O banheiro não é seu, sabia? Também pago para usá-lo.

– Está aqui porque pensou que eu ia me suicidar...? Você é patético.

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