– Por que ele é tão calado? – Adélia suga a bebida pelo canudo enquanto aguarda Joana respondê-la.
– Eric é assim mesmo – responde. – Às vezes parece um monstro que está prestes a te engolir, mas é muito gentil.
Não é isso que parece, penso me lembrando de todas as grosserias que já me disse. O observo de canto de olho à distância, sentado no chão com as pernas dentro da piscina.
– Pergunto isso porque sempre que Suz tenta se aproximar, ele a enxota para longe.
Reviro os olhos. Tenho a impressão de que Adélia está mais interessada em minha relação com Eric do que eu mesma, ainda assim, não reclamo. Afinal, espero que Joana possa me ajudar com isso e se Adélia está fazendo tantas perguntas é para meu bem.
– Na verdade, eu acho que há uma falha de comunicação – Joana pondera.
– Acho que ele não gosta mesmo de mim – comento e minha voz soa um pouco dengosa. – Só que nunca fiz nada contra ele. Quer dizer, posso ter dito algumas bobagens, mas já pedi perdão milhões de vezes.
Joana balança a cabeça indicando que o problema não sou eu. Ela e Adélia estão tomando drinques sem álcool, enquanto eu seguro um pratinho de salgados e comemos em pé, poucos metros de distância da piscina. O barulho da música está mais alto do que no início da festa e eu me pergunto se Xavier não tem algo a ver com isso, embora tenha certeza que sim. Já tem gente caída nos cantos, totalmente incapaz de se manter de pé. Espero que o anfitrião esteja lúcido.
– Juro que ele é um amor – Joana continua seus argumentos a favor de Eric. – O conheço desde, sei lá, os dez anos e ele só age assim quando se sente ameaçado com alguma coisa, mas isso não é sua culpa.
Concentro-me mais no que ela está dizendo, como se fosse sair algo sério de sua boca. Mas ela não fala. Joana abre a boca, porém a fecha novamente, creio que pensando bem antes de pronunciar em voz alta as vozes em sua cabeça.
– A vida de Eric não é fácil – diz olhando para o amigo. – Não que isso justifique algo, mas ele precisa ser forte o tempo inteiro, então creio que agir assim acaba esgotando suas energias.
– Hm – eu murmuro. – Quero tentar falar com ele, mas estou sem coragem – sorrio meio envergonhada.
Joana dá uma risadinha e se dirige à mesa, onde pega uma garrafa de vodca e despeja a bebida até o meio do seu copo. Ela me oferece.
– Eu não bebo – explico recusando.
– Não precisa tomar tudo, só o suficiente para criar coragem – insiste.
Olho para Adélia que suga seu drinque e sorri assentindo. Penso mais um pouco antes de pegar o copo das mãos de Joana e tomar um gole, fazendo a maior careta possível e tendo uma leve convulsão. A vodca desce em minha garganta queimando tudo, rasgando por onde passa e me fazendo tossir algumas vezes. Mal lembro de quando foi a última vez que coloquei uma gota de álcool na boca e agora estou fazendo isso por um garoto...
Por pontos, Suzane. Por pontos!
– Agora vai lá e arrasa – Adélia me dá um empurrãozinho.
Sigo até Eric com relutância, pensando nas várias respostas prontas que devo ter para retribuir as patadas. Ele não percebe que estou me aproximando e me sinto tentada a desistir. Suas costas são largas e os braços são meio grossos, dando a impressão de que malha faz um tempo.
Sento ao seu lado na piscina.
– Precisamos falar sobre o sistema de pontos do Instituto e que se você continuar agindo assim, vamos reprovar – falo tão rápido que não permito que ele se recupere do susto que levou. – Ganhamos pontos em tudo e no final, precisamos ter mil pontos. Nada menos que isso. Se ficarmos entre 500 e 600, estaremos na média, eu nunca fiquei na média. E abaixo disso, seremos reprovados. A primeira semana não é nada comparada ao que vem pela frente, então, a partir da próxima precisamos nos portar como verdadeiros alunos do Instituto Artístico e Educacional Joaquim Morais.
Engulo em seco, com a boca completamente amarga. Eric me olha como se eu fosse maluca e tenho vontade de me jogar dentro da piscina, tão envergonhada estou. Desvio o olhar dele porque meu rosto começou a enrubescer.
– Pare de me olhar assim – digo.
– Assim como?
– Você está me encarando como se eu fosse uma louca.
Ouço um sorrisinho sarcástico vindo dele.
– Deve ser porque está agindo exatamente assim – responde.
Suspiro e o encaro.
– Até onde eu sei, você entrou no Instituto para conseguir ser alguém na vida, então faça por merecer – sibilo. – Se não está disposto a lutar por isso, eu estou. Apenas não me atrapalhe.
– E por acaso eu não sou ninguém?
Levo as mãos à testa. O que acabei de dizer?
– Não foi isso que eu...
– Pare, está bem – me interrompe. – Eu sei que meu lugar não é com vocês e que sou um Zé Ninguém. Mas se fui selecionado com um dos prodígios, é porque sou capaz, mesmo que vocês não achem.
– Eu nunca falei isso, ok.
– Mas acha.
– Pare de agir como se me conhecesse! – Estou ficando muito irritada, e imagino que possa ter sido aquele único gole de vodca. – Desde que nos conhecemos você me trata como um pedaço de lixo porque está infeliz com alguma coisa. E eu não me importo com o que, só não desconte em mim.
Eu quero chorar. E quero dar um tapa na cara dele, pois estou tentando ser gentil e Eric age feito um babaca estúpido toda vez que tento dar um passo adiante e ser sua amiga, ou apenas colega de grupo.
– Não gosto de vocês – ele confessa e seu tom de voz me parece sincero. – Odeio ter que estar rodeado de gente rica, privilegiada, enquanto tem pessoas que precisam de comida ou um teto para não se molhar na chuva quando estão dormindo. Enquanto vocês gastam mares de dinheiro com futilidades. Estou no Instituto para poder crescer e ajudar outros a crescerem dignamente, sem ter passagem pela polícia por ter roubado um pão na padaria da esquina.
– Eu não tenho culpa por ter nascido em um mundo diferente do seu, se quer saber. Não escolhi em qual família nascer.
– Se pudesse escolher, qual escolheria: família rica ou pobre?
Fico calada. Seu questionamento me pegou de surpresa. Estou bem na sua frente com muita vontade de dizer que escolheria uma família pobre, mas nem eu acreditaria se falasse. O meu peito parece que vai explodir.
– Foi o que pensei – ele diz quando não respondo. – Não precisamos nos falar todos os dias e em todas as ocasiões por que estamos no mesmo grupo. Só o que temos que fazer é trabalhar juntos para conseguir uma boa nota.
Ainda quero esbofeteá-lo por estar me fazendo sentir como a pior pessoa do mundo. O Eric gentil de Joana se esconde muito bem. Observo sua calça enrolada até os joelhos, um pouco molhada por conta da água da piscina, incapaz de falar mais nada.
De fato, Eric está certo. Não há como sermos amigos, porque ele não quer. Embora o trabalho tenha a ver com o desenvolvimento interpessoal com pessoas de realidades distintas, eu acho que vamos ter que encontrar outra forma de adentrar em cada uma das três envolvidas. Ele já sabe muito da minha. Todo mundo sabe, na verdade.
– Uma hora ou outra iremos ter que mudar isso – digo baixinho.
– O quê?
– Seu comportamento comigo – minha voz soa um pouco chorosa, mas seguro as lágrimas porque não quero demonstrar fraqueza. – Independente do que pense sobre mim, você não me conhece. Sei que pode parecer que sim, mas o que a mídia fala a meu respeito não sou eu.
– Seu Instagram é uma vitrine de roupas, sapatos e bolsas caras – ele argumenta. – O que devo pensar?
Ouvi bem ou ele me stalkeou?
– Aquilo não é metade de mim. Nenhuma parte, na realidade. Todo mundo sabe que redes sociais não mostram quem você é de verdade – fico de pé me preparando para sair. – Tente conhecer a pessoa por trás dessa vitrine antes de julgá-la.

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Herdeiros
Roman pour AdolescentsSuzane é doce, simpática, calma e uma garota de coração gigante. E, embora seu coração esteja em pedaços, ela sabe que tem que ser forte, mas às vezes não consegue isso e depende do irmão para se manter de pé. Xavier é o completo oposto da irmã. Tem...