No tatame

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Eu não sentia nada, era como se meu cérebro tivesse sido arrancado da minha cabeça, nem pensamento residual havia ali, durante o trajeto eu fiquei igual a uma estatua olhando para frente, desci do ônibus e me arrastei até em casa por puro instinto, a porta estava recolocada, com certeza André mesmo que cuidou disso, quando abri a porta eu vi que a bagunça da nossa briga também estava arrumada, tinha até uma vassoura nova. Eu voltei ate a porta e comecei a passar a mão nela, como se quisesse que a mão de Drezão se materializasse ali e tocasse a minha, quando finalmente a fechei percebi um pedaço de papel fixado na parte de dentro.

"Gil, o que nós sentimos um pelo outro é muito forte e descontrolado, aqui dentro de mim eu sei que é eterno, mas estamos despreparados agora, a cada passo tenho medo de fazer algo errado e acabar tendo seu ódio eterno. Por isso agora vou tomar a decisão mais difícil da minha vida, vou aceitar um treinamento que me ofereceram há algum tempo em outro país, ele pode demorar meses ou até anos, durante esse tempo quero que você continue sua vida, continue saindo e aproveitando, eu não consigo imaginar outro homem na sua cama, mas eu não quero que você se prive disso também, você é meu e quando nossos caminhos se cruzarem novamente espero estar mais seguro de mim e pronto para nos dar tudo que merecemos. Consertei sua casa, não quero lembranças minhas aqui quando você voltar, agora vou ver você na faculdade e logo mais meu avião vai partir, vou me livrar do meu celular, não porque tenho medo de você me ligar, mas porque tenho medo de ser fraco, não me tire do seu coração, você será sempre dono do meu.

André"

Eu fiquei horas ali, sentado no chão com as costas na porta, olhando para o pedaço de papel na minha mão, tentando achar linhas secretas escritas nele que me dissessem que aquilo tudo era uma piada, eu passei por três fases naquela tarde, negação (aquilo era um sonho e eu iria acordar), raiva (aquele filho da puta pulou fora na primeira briga real, na primeira crise, eu devia ter espancado ele com o cabo de vassoura), desespero (como ele queria apagar a imagem dele da minha casa, se todo lugar que eu olhava lembrava ele? E agora, o que eu ia fazer, estava sozinho ali), otimismo (eu sou jovem, cada porta que se fecha outras se abrem, é só ter paciência) e etc.

Mas a verdade era que ele tinha ido embora do país, e num país cheio de gente, eu me sentia abandonado e só. Respirei fundo e me levantei, meu minuto de desespero tinha passado, era hora de seguir em frente, e nada melhor do que começar com um banho.

Não tive estomago para almoçar, só olhar para a cozinha me causava revolta no estomago, pelo menos eu tinha algo para me concentrar, a aula de Reforço que tinha marcado com Wes. Sai de casa e peguei um ônibus, é estranho como quando eu quero afastar o meu pensamento de alguém qualquer besteira me faz lembrar dela. Decidi afastar esse pensamento e liguei para Natty.

"Hey, dona do lar, capricha na janta hoje, vou almoçar em casa."

Ela soltou um riso cínico. "Contente-se com macarrão instantâneo, você é o melhor cozinheiro aqui em casa, melhor chegar mais cedo para cozinhar."

"Pff, não entendo porque casar se a esposa nem cozinhar sabe..."

"Ele não casou comigo pelos meus dotes culinários, babaca."

"Sua puta, sem comentários sobre sua vida sexual sem graça." Dito isso desliguei na cara dela, pode não ter parecido, mas isso não foi uma briga, silenciosamente ali dissemos um ao outro como nos amávamos, eu acho.

Quando desliguei o telefone respirei fundo, nada como uma animada conversa com quem realmente te ama para te lembrar que o mundo continua girando mesmo quando seu coração parece parar (sim, eu estava na fase na qual achava que André nunca me amou).

BrutalidadeWhere stories live. Discover now