Os seus pais olharam para ele, sem saberem bem o que fazer. Quando John esticou a mão para mudar de canal, Theo abanou a cabeça freneticamente, obrigando-os a continuarem a ver o canal. A imagem de Cherry Bates foi substituída por uma compilação de vídeos de Theo – de Levi Saint -, em entrevistas, passadeiras vermelhas, concertos, na rua. Ao fundo, conseguia ouvir-se o primeiro single que ele tinha lançado, algo que o fez começar a soluçar mais violentamente. Theo sabia perfeitamente porque é que estava a reagir daquela maneira ao ser confrontado com a realidade que tinha criado para ele próprio.
Durante os últimos cinco anos, apesar do pânico, da paranoia, ele tinha sido bem sucedido em ignorar toda a sua vida anterior.
Lembrava-se perfeitamente do dia em que tinha decidido terminar com a sua vida. Era o seu vigésimo-quinto aniversário e marcava também os cinco anos e meio do primeiro contrato com uma produtora. Theo tinha começado por publicar simples vídeos de musicais originais na Internet e, meses depois, sem saber bem como, tinha-se tornado numa sensação digital. Entre os seus dezanove e vinte anos, fora quase perseguido por produtoras a quererem fazer um contrato com ele, e finalmente decidira naquela que lhe parecera a melhor. Durante quase quatro anos, a sua vida parecera-lhe quase um sonho mas, embora os seus problemas com a ansiedade ainda não tivessem começado, ele sentira sempre que aquilo seria sempre efémero.
Quando as digressões se tornaram internacionais e ele acabava a passar meses sem ir a casa, os ataques de pânico começaram. Em palco, ele era Levi Saint, o nome de artista escolhido para ele no início da sua carreira: um cantor popular e carismático que conseguia manipular multidões de milhares de pessoas a cantarem com ele e por ele as músicas que ele tinha escrito. A sua carreira sempre fora uma espécie de montanha-russa, com altos e baixos constantes, mas o bom superava definitivamente o mau. Theo aguentava facilmente todas as viagens, o jet-lag e não comer a comida caseira da sua mãe porque sabia que, no fundo, estava a viver o seu sonho.
Antes de Theo se tornar famoso, os seus pais não eram, de todo, ricos. Samantha era mais velha que Theo três anos e, pela altura em que ele completara os dezoito anos, grande parte das poupanças da família tinham sido dirigidas para pagar os estudos de enfermagem. Theo não se importara, porque na realidade nunca tinha tido planos académicos, mas sabia que isso lhe cortava grande parte das suas opções. Portanto, começara a publicar vídeos na Internet, na esperança de eventualmente ficar famoso e ganhar patrocínios ou qualquer coisa do género, mas o que acontecera estava completamente fora de qualquer uma das suas esperanças.
Com a carreira crescente de Theo, também a sua conta bancária e a dos seus pais crescera exponencialmente. Ele compara-lhes carros, roupas, pagara todos os empréstimos que alguma vez tinham feito e ainda vivia plenamente confortável. Comprara a casa – praticamente uma mansão – em que viviam agora, e tudo o que podiam querer mais. Infelizmente, o dinheiro deixara de ser suficiente quando a vida de Theo passou a ser exposta em todo o lado. A adrenalina que cantar em palco lhe dava foi substituída por ansiedade e ele mal conseguia sair à rua sem ser praticamente derrubado por jornalistas que queriam infiltrar-se na sua vida.
No dia do seu aniversário, ele decidira finalmente que a sua vida não valia a pena. Ingerira todos os comprimidos que lhe tinham sido receitados para a ansiedade de uma só vez e esperou que a sua consciência partisse. Quando acordou, estava num hospital, com toda a sua família à sua volta, a chorar, abraçados uns aos outros. Ele chorou também, mas por razões completamente diferentes das deles. Opostas, até. Mas, no momento em que viu a dor que causou à sua família, a ideia mais louca que ele já tivera passou-lhe pela cabeça.
«E se fingirmos que eu morri?»
Ele lembrava-se das expressões horrorizadas da sua família na perfeição, mas quanto mais pensara no assunto, mais gostara da ideia. Para o mundo, a tentativa de suicídio teria sido bem sucedida; a sua carreira terminaria e, com ela, também todos os ataques de pânico diários que ele andava a ter no último ano. O mundo lembrar-se-ia dele como mais um artista que não aguentou a pressão de estar no centro das atenções mas, para a sua família, para ele próprio, para quem importava realmente, ele estaria vivo e bem de saúde. Ninguém precisava de saber, além de quem se preocupava com ele. Theo estava rodeado de falsos amigos, de falsas namoradas, de pessoas que só o queriam por ele ser famoso. Uma morte falsa serviria também para acabar com aquilo.
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Equilibrar a Verdade
RomanceArden Kallis é a melhor jornalista do seu país e sabe-o. Sabe como encontrar uma história, encontrar o melhor ângulo e contá-la da melhor forma. Fez da sua vida contar as histórias e os segredos das outras pessoas mas, quando persegue uma história e...