Ela estava decepcionada pelo desinteresse de seus mestres pela forte e irregular atividade solar. Tinha se convencido de que havia algo estranho acontecendo, mas não podia provar. Todos lhe diziam que as mudanças que ela percebia no comportamento solar, fato este relacionado intimamente com as datas expressas no codex, não eram nada demais, como se esquecessem de que ela era uma estudiosa dedicada.
Sua palestra fora um desastre e depois disso tinha plena certeza de que não seria convidada a fazer parte da Academia tão cedo. O único membro do conselho que permanecera no local ficou apenas por pena dela. E o diretor... Nem era necessário pensar nos motivos que o levaram a permanecer no local até o fim. Ricardo só ficou porque tinha de levá-la para casa depois daquele enorme desastre e ainda assim, ela o viu cochilando em uma das poltronas depois de ter terminado de organizar seus slides. A única coisa que queria era sair daquele lugar. Imediatamente. Interrompeu a apresentação, desculpou-se e desligou seu computador.
Victor e o acadêmico aplaudiram.
O padre jamais imaginou, mas o que ela acabara de falar fazia todo o sentido do mundo para ele. Essa era a evidência concreta de que realmente a profecia era verídica, uma certeza que guardava consigo mesmo quando o dia 22/12/2012 terminara, sem nada demais acontecer. Ele prometeu para si mesmo que contaria a verdade a Jéssica antes que a noite acabasse. Assim que ela se retirou para trás do palco, arrumando seus equipamentos, Victor dirigiu-se a ela, com o propósito de contar-lhe toda a verdade. Ela estava abatida e lágrimas escorriam dos seus olhos, molhando a face cansada.
— Obrigada pelo apoio, meu amigo. — foi só o que ela disse quando o viu. Segurou as mãos do homem e levou-as até sua boca, dando um beijo carinhoso. Desde a morte de seu pai, dois anos antes, Victor era quem ocupava esse espaço no coração de Jéssica. Sua família estava muito longe, moravam no interior do Rio Grande do Sul, a mãe e o irmão mais novo. Victor abraçou-a. Decidiu não dizer nada, pelo menos esta noite.
Ricardo, que cochilava na terceira fila, acordou de supetão. Notou que Jéssica já não estava no palco e correu para os bastidores. Ele se lembrava da última vez em que ela o deixara a pé. Foi em uma apresentação num colégio estadual, ligado a projetos da universidade. Ricardo dormira e Jéssica foi embora sozinha, deixando-o para trás. Ainda se recordava bem dos sete quilômetros que teve de percorrer e dos calos que seus sapatos apertados fizeram nos pés, causando uma dor quase insuportável. Teve vontade de matar Jéssica quando a encontrou esperando por ele à porta da casa, rindo da cara dele. Mas quando pôs os olhos naquele rosto que estampava aquela alegria infantil, foi como se a dor sumisse por completo. Acabaram jantando juntos naquela noite. Ele adorava quando ela o convidava para passar a noite em sua casa. Os dois alugavam filmes e documentários, faziam pipocas doces e tomavam guaraná até altas horas da noite. Achou melhor encontrá-la logo, antes que o deixasse sozinho de novo. Ao entrar na pequena sala nos fundos, viu Jéssica e Victor abraçados. Percebeu que ela soluçava e ficou em silêncio, apenas observando-os. Ela logo levantou o olhar e se afastou de Victor, fazendo um sinal para que Ricardo se aproximasse.
— Meus parabéns, querida! Você foi maravilhosa!
— Você só pode estar brincando, não é? Estava num sono tão profundo que não percebeu o tamanho do desastre que foi a apresentação?
— Desastre? Aqueles caras é que são uns idiotas! Será que eles não perceberam a importância da sua descoberta?
— Oh! Ricardo, obrigada pelo incentivo, mas acredite, foi horrível! Ninguém está interessado em atividade solar ou em codex mais. Parece que a importância desse assunto morreu exatamente no mesmo dia em que o mundo deveria ter acabado e não acabou. Além do mais, é mais do que normal que o Sol se comporte de maneira mais ativa durante alguns períodos. Eu fui uma idiota em pensar que tais explosões fossem de grande interesse científico, afinal, todos as observaram de diversos pontos em volta do mundo. Devia ter preparado uma apresentação inédita se queria impressionar os acadêmicos.
— Não se aflija, minha menina! — disse Victor — Suas informações foram mais úteis do que você imagina. De um ponto de vista... digamos... Victor resolveu parar. Certamente ela não estava em condições de compreender o que ele tinha para lhe dizer, nesse momento. Esperaria até que ela estivesse mais calma.
— Um ponto de vista religioso? Teológico? — Ricardo quis saber.
— É. De um ponto de vista religioso. Eu iria dizer que nada escapa aos olhos do Senhor e que ela será recompensada pelo seu esforço e dedicação à profissão que escolheu, honrando o dom que Ele lhe deu.
— Vamos embora. Está ficando tarde e eu preciso descansar. Ricardo, você pode me levar agora? — pediu ela, e em seguida dirigiu-se a Victor. — Até amanhã. Venha me visitar, para que possamos conversar e planejar uma nova apresentação para o ano que vem.
— Sim, eu irei — respondeu apenas. Esta era uma das qualidades de Jéssica que Victor mais admirava: a perseverança. Ela acabara de sair de uma situação delicada, que para muitos seria o fim da carreira, mas já estava se preparando para levantar-se e começar novamente. Esperaria até o próximo ano e prepararia uma apresentação surpreendente, ele tinha certeza! Seus fracassos nada mais eram do que degraus, os quais ela fazia questão de subir um a um. E ele estaria ao seu lado, quem sabe a apresentação do ano que vem não fosse feita pelos dois juntos, anunciando para toda a humanidade sobre a profecia, com provas científicas contundentes? Ele mal podia esperar por esse dia, mas ele haveria de chegar.
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2020 - A Revelação (Degustação)
General FictionA cientista Jéssica Salles não parava de remoer mágoas, ainda mais depois que a sua descoberta foi anunciada como mérito de seu ex-professor. Não era fácil admitir que a academia de ciências a ignorara. Apenas o padre Victor, escorraçado por Cornéli...