— Precisa pedir autorização médica, antes de entrar — dizia a enfermeira na recepção. A mulher alta tinha uma voz irritantemente infantil, aliada a um metro e noventa de altura e uns cem quilos, calculou. Perguntou-lhe onde estava o tal médico, mas a mulher nem se deu ao trabalho de responder. O detetive se aproximava, parecia ter acabado de sair do quarto de Victor, tinha nos lábios um sorriso discreto, sem deixar cair o cigarro da boca.
— Senhorita Salles! Há quanto tempo! Por onde andou? — perguntou, observando a roupa suja de Jéssica, dos pés até a cabeça.
— Fazendo pesquisas de campo, detetive. Você também deveria tentar ao invés de perder o seu tempo vigiando um homem em coma. Tenha certeza de que ele não poderá escapulir! — respondeu ela, irritada.
— Não tenha tanta certeza assim. Vai que Deus opere um milagre e faça-o sair levitando daquela cama?
— Não brinque com as coisas que não entende, detetive! — disse ela completamente irada com o policial. Não admitiria que o homem fizesse chacotas com a religião de Victor, ainda mais dentro de um hospital. — Você não pode brincar assim com a fé das pessoas! Por acaso é católico? Não tem medo de ser castigado?
— Nossa, você me surpreendeu! Pensei já ter lido algumas entrevistas suas declarando-se abertamente cética! Não imaginei que por trás desta “casca” de cientista dedicada houvesse uma católica fervorosa! — o tom de voz do detetive soou menos irônica agora. Ela sabia que as entrevistas que ele lera haviam sido publicadas em diversas revistas do meio científico. Ela não era muito famosa como os renomados professores com quem aprendera, logo fora esquecida pela imprensa e deixada em paz. Para que o jovem policial tivesse aquelas informações, só havia duas hipóteses: ou ele era mesmo fã de astronomia, ou investigara a vida dela de cabo a rabo!
— Na verdade sempre fui católica. Fui batizada, comungo sempre aos domingos, se quer saber! Aquelas revistas não significam nada, foram editadas logo após a minha formatura. Digamos que eu estava passando por uma fase menos espiritual — mentiu ela — naquele momento. Agora, se me permite, preciso ir ver como está o meu amigo.
A enfermeira atrás do balcão correu para impedi-la, mas o detetive a conteve, fazendo um sinal para que deixasse Jéssica passar. A mulher imediatamente saiu do caminho.
Jéssica espiou pelo vidro antes de adentrar no quarto. Mal acreditava no que acabara de ver, Victor estava consciente de novo! Ela chegara a pensar que ele não sobreviveria aos ferimentos. “Graças a Deus!” pensou, e riu no mesmo momento com a frase que lhe viera à cabeça. O pobre padre havia passado por uma cirurgia no cérebro há menos de quarenta e oito horas e já estava acordado! Sofrera ainda uma fratura no fêmur e muitas escoriações pelo corpo todo, o que não seria um agravante em uma pessoa jovem, mas que na idade dele faziam toda a diferença.
— Minha filha! — sussurrou ao vê-la. — Você está bem? O que houve com suas roupas? — Ela não respondeu. Estaria tão ruim assim a ponto de chamar a atenção de um velho quase inconsciente? Baixou os olhos para si mesma. Suas calças estavam em frangalhos, rasgadas e muito sujas de terra. Suas mãos ainda sangravam um pouco, depois das várias tentativas de subir na árvore, na noite que se passou.
— Sim, eu estou bem, mas e você? Aquele homem ali fora, o que está fazendo? Por acaso ele acha que você é o assassino que ele está procurando? Isso é uma tremenda falta de respeito! — desabafou.
— Não ligue para ele, minha filha, ele só está cumprindo ordens. É o trabalho do pobre coitado. Eu preciso muito lhe contar o resto da história...
— Não fale nada, Victor — interrompeu. — Você não pode se esforçar demais. Deixe isso pra lá. Agora precisa repousar para recuperar as forças. Teremos muito tempo para conversar a respeito.
— Não sei se teremos, filha. Temo que sua vida esteja correndo perigo. Eu tenho uma missão, mas não posso sair daqui ainda. Não teria forças para chegar até o fim. Por isso, preciso da sua ajuda.
— Victor, eu não quero participar de nenhuma conspiração religiosa ou profética, ou seja lá o que for...
— Não estamos falando de conspiração! Estamos falando da verdade! Uma verdade suprema e inimaginável! As pessoas precisam saber da verdade para poderem se preparar para ela! Não irá demorar a chegar a hora! Não temos mais tempo, você compreende?
— Não. Eu não compreendo! Mas seja o que for, eu não posso me envolver mais nesse assunto!
— Mas é preciso! Creio que você já esteja sabendo demais. Quando descobrirem, irão matá-la! Você precisa completar a missão, antes que seja tarde! Jéssica calou-se. Sabia que Victor tinha razão. Talvez o próprio Cornélio tenha inventado aquela fuga maluca para dar um fim nela, afinal, ele nunca gostara de Victor e certamente eles estavam em lados opostos.
— Por favor, filha, eu imploro! Este pode ser o último pedido de um padre agonizante... — apelou. Mediante um argumento desses, embora ele não estivesse agonizando, ela não poderia recusar.
— Está bem, Victor. Você me convenceu. O que quer que eu faça?
Obrigada por acompanhar!
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2020 - A Revelação (Degustação)
Ficción GeneralA cientista Jéssica Salles não parava de remoer mágoas, ainda mais depois que a sua descoberta foi anunciada como mérito de seu ex-professor. Não era fácil admitir que a academia de ciências a ignorara. Apenas o padre Victor, escorraçado por Cornéli...