Ela abriu no primeiro capítulo o livro que encontrara nas coisas de Victor. Comprara um dicionário de espanhol na livraria ao lado do hospital antes de voltar para casa. Ricardo insistiu em passar mais uma noite ao seu lado, mas desta vez ela achou melhor recusar. Precisava ficar sozinha para tentar entender o que significava aquilo tudo. Algumas das anotações retiradas do criado-mudo do padre também tinham sido escritas em espanhol e em inglês, entre outras línguas que Jéssica não compreendia. Trouxera também uma bíblia com várias páginas dobradas em um dos cantos, marcando alguns textos em especial, principalmente no livro do apocalipse. Victor estava mesmo convicto de que existia alguma ligação entre a profecia maia e as profecias da bíblia.
Jéssica também era católica, porém há algum tempo deixara de ser praticante. Quando era menina, ia à igreja todos os domingos com seus pais e às vezes aos sábados à noite também. Aprendera a doutrina desde cedo, fora batizada e crismada. Ainda se lembrava de algumas coisas mencionadas na Bíblia, como aquela passagem que falava dos cavaleiros do apocalipse, que quando ela leu na catequese, ficou mais de uma semana sem conseguir dormir, assustada e com medo de que eles viessem buscá-la.
Claro que não fora apenas por esse motivo que ela resolvera se tornar uma cientista, estudiosa dos astros, ela queria provas de que Deus existe, queria saber se há mais no céu do que julga nossa vã filosofia. No início dos seus estudos, ficara um tanto chateada por não ter encontrado nada surpreendentemente religioso entre as estrelas, mas depois, além de ir perdendo a fé, ela descobriu que cada um daqueles astros que ela contemplava e que a contemplavam de longe, era um pequeno milagre, não de Deus, mas um milagre da natureza. Descobriu a harmonia de todas as coisas e que tudo, absolutamente tudo, faz parte de um único todo, seja chamado de Deus, ou simplesmente de vida. E que a sobrevivência desse todo depende de todos os seres, do cuidado que temos ou não com o meio ambiente, pois qualquer átomo de poluição, qualquer centelha de maus tratos com a nossa casa, é refletido por uma lente de aumento gigantesca no universo, nosso verdadeiro Pai Celestial.
Quanto mais estudava, mais ela tinha a certeza de que todo o mal que fazemos ao nosso Planeta voltará para nós mesmos em forma de aquecimento global, terremotos e maremotos ou até mesmo com a extinção definitiva da espécie humana. Jéssica formulara uma frase que sempre usava e que dizia tudo: “Se maltratarmos a Terra, ela se livrará de nós”.
O livro falava da cultura dos antigos maias. Suas crenças, seus costumes e hábitos e também os rituais sagrados. Ela estava espantada com a sabedoria astronômica que conseguiram acumular, coisas que eram difíceis de explicar, mesmo com auxílio das mais modernas ferramentas de hoje em dia.
Em menos de três horas já havia devorado o volume inteiro. Até aí não encontrara nada de mais. Com certeza Victor era apenas um apaixonado por História Antiga, o que não justificava a conspiração citada pelos padres da casa paroquial. Tinha de haver algo mais, algo que estava sendo escondido também há muitos anos das pessoas. Mas como encontrar? Torcia para que Victor acordasse logo e pudesse lhe esclarecer a respeito da verdade da qual lhe falara antes do incidente. Ela jamais conseguiria fazer alguma coisa sozinha, sem seu auxílio e sua proteção.
O celular tocou, tirando-a de seus pensamentos. Ela receou atendê-lo, mas finalmente tirou o aparelho do bolso, afinal, que mal lhe poderiam fazer pela linha telefônica?
— Alô? — disse apenas, a voz que era familiar.
— Jéssica Salles falando, pois não?
— Jéssica, aqui é Cornélio. Eu preciso falar com você, mas não pode ser por telefone. E sei que Victor andou lhe contando umas besteiras e agora a sua vida está correndo perigo! Precisamos nos encontrar o mais breve possível. Onde você está?
— Eu estou no meu apartamento. Mas o que...
— Eu estou indo pra aí agora, não saia daí! — disse ele e desligou em seguida. Jéssica não teve tempo ao menos de perguntar do que se tratava.
Em cinco minutos a campainha tocou. Cornélio não poderia ter chegado tão rápido, era óbvio. A portaria não lhe avisara que alguém estivesse subindo. Um frio latejante percorreu seu corpo inteiro de uma só vez. Talvez fosse a mesma pessoa que invadiu e revirou seu apartamento no dia anterior. Teriam vindo buscar o que não encontraram naquele dia, ou era ela que eles queriam? Escondeu-se embaixo da escrivaninha no escritório. Ela sempre se imaginara se escondendo ali em possível assalto. Levou consigo apenas as inscrições e a bíblia marcada de Victor e não teve tempo de pegar mais nada. Ouviu quando a porta foi forçada e aberta. Os passos e as vozes eram de pelo menos três homens diferentes. Ouvia-os chamando seu nome o tempo todo. Certamente a viram entrar no prédio mais cedo e esperaram Ricardo ir embora, antes de invadirem. Estava suando frio, tentando manter a cabeça no lugar e não fazer nenhuma besteira. Tentou espiar por uma pequena fresta na lateral da escrivaninha. Viu um rosto conhecido e outros homens todos vestidos com roupas pretas, calças e camisas de mangas longas, apesar do calor, e não usavam gorros ou máscaras para esconder seus rostos.
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2020 - A Revelação (Degustação)
Fiksi UmumA cientista Jéssica Salles não parava de remoer mágoas, ainda mais depois que a sua descoberta foi anunciada como mérito de seu ex-professor. Não era fácil admitir que a academia de ciências a ignorara. Apenas o padre Victor, escorraçado por Cornéli...