Victor rezava com as duas mãos atadas em um rosário de contas de plástico. Fora uma das enfermeiras do setor que o trouxera carinhosamente, atendendo a um pedido do padre. Rezava por Jéssica, para que conseguisse alcançar seu objetivo, completar a missão tão ansiada por ele. Rezava por Ricardo, para que conseguisse dar a proteção de que ela tanto necessitava e que ele próprio já não podia lhe oferecer. Rezava por todos os colegas, que assim como ele, queriam fazer reinar o amor e a paz e, acima de tudo a verdade soberana entre as criaturas, que alcançassem a sabedoria capaz de livrá-los do fim tão próximo. E também pedia bênçãos aos inimigos, que ao contrário de Victor, não acreditavam que a vida era uma sucessão de fatos interligados em um grande e único organismo vivo chamado Universo, e que o maltrato a esse meio ambiente como um todo nos levaria à destruição, gradativamente, como já estava acontecendo.
Pedia iluminação a todas as mentes ignorantes, que não queriam acreditar nos fatos concretos que se viam e se ouviam todos os dias. Mas principalmente, pedia a Deus que abrisse as mentes dos seres humanos e nos proporcionasse uma nova chance, uma única fagulha de esperança que fizesse com que nossos olhos se abrissem para a vida, para o amor. E que nos fizesse entender que só através desse amor poderemos permanecer na nossa Terra, que só através do respeito e da preservação da nossa casa é que se tornará possível a perpetuação da espécie humana, o eterno ciclo, prestes a recomeçar de novo e em seguida mais uma vez, e então outra, para toda a eternidade.
Terminou e disse "amém" em voz alta. Uma velha senhora, posta em um leito ao seu lado, repetiu, "Amém!". Victor encarou-a, imaginando como não reparara naquela figura antes. Ela era branca, muito alva mesmo, como um anjo encarnado. Tinha olhos azuis, de uma clareza que quase deixava transparecer sua alma através de tais olhos. Quando falava, sua voz era suave, como uma melodia. Inspirava puro amor e era como se emanassem raios desse amor que atingia a todos a sua volta e enchia de luz o triste quarto de hospital.
— Sua bênção, padre — pediu, encarando Victor nos olhos.
— Deus a abençoe, minha filha — respondeu ele, encantado. Era difícil parar de olhar para ela. Os olhos de Victor ficaram vidrados por um bom tempo. A mulher desviou o olhar para o teto branco e sem vida, mas ele a desconcentrou. — Por que a senhora está aqui?
— Eu tive uma deficiência de vitaminas. Não procurei um médico a tempo e o problema acabou se agravando. Foi quando sofri um desmaio súbito e as irmãs me trouxeram para cá, embora eu preferisse nunca ter deixado o convento.
— Convento?
— Sim. Quando me disseram que um padre tinha sido internado aqui neste hospital sob tais condições, eu dispensei o apartamento particular no qual queriam me colocar, e pedi para ficar perto do senhor. Eu queria rezar pela sua recuperação. Achei que seria melhor ficar por perto.
— Muito obrigado, irmã. Devo- lhe confessar que ainda não tinha visto a senhora aí. Talvez meus velhos olhos não possam mais enxergar com clareza.
— Acho que seus olhos estão muito bem, padre. É a sua cabeça que não está. Não, eu não estou falando da cirurgia. Desculpe a intromissão, mas eu não pude deixar de ouvir o que o senhor e aquela moça conversaram. Pude perceber que está muitíssimo preocupado com ela e que lhe conferiu uma missão.
— Sim. Eu tive de pedir-lhe um grande favor — respondeu ele, um tanto quanto constrangido.
— Então vamos rezar juntos. Para que ela consiga completar essa missão e cumprir o seu destino — a irmã sorriu repentinamente para Victor e foi como se o quarto inteiro se iluminasse. Ele olhou para ela mais uma vez e em seguida fechou os olhos e retornou às suas orações, sabendo que ela estava fazendo o mesmo.
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2020 - A Revelação (Degustação)
Ficción GeneralA cientista Jéssica Salles não parava de remoer mágoas, ainda mais depois que a sua descoberta foi anunciada como mérito de seu ex-professor. Não era fácil admitir que a academia de ciências a ignorara. Apenas o padre Victor, escorraçado por Cornéli...