— E então, Victor, o que tinha de tão urgente pra me contar?
— É um assunto muito delicado e você tem que me prometer que ouvirá minha história até o fim.
— Sim, é claro que prometo! Pode começar! — Victor não sabia por onde começar. Estava com medo de que Jéssica pensasse que ele ficara doido. Passara a noite toda sem dormir, imaginando uma maneira de lhe falar, procurando as palavras certas, para o momento exato, mas agora as lembranças da explanação que preparara lhe faltavam. Respirou fundo, para criar coragem, e começou.
— Vou começar lhe fazendo uma pergunta. O que você sabe sobre a antiga civilização maia?
— Civilização maia? Você quer dizer, além dos meus estudos sobre o codex — Victor meneou a cabeça — Eu já ouvi falar um pouco sobre eles nos meus tempos de estudante, mas não me aprofundei no assunto. Sei que eram mestres na minha área, isto é, Astronomia. Também construíram cidades fantásticas, na Guatemala, sul do México e Honduras, estou certa? Foram extintos depois da chegada dos espanhóis?
— Extintos? — riu o padre. — Não foram extintos! Ainda vivem seus descendentes lá pros lados do México. Já vi que há muitas coisas que você não sabe.
— E o que eu deveria saber? Por acaso você descobriu que sou alguma deusa maia lendária, ou alguma sacerdotisa? Não vão me sacrificar, não é? — ironizou bem humorada.
Ao ouvi-la, Victor teve certeza de que seria muito mais difícil do que ele imaginara fazê-la entender o que sucedia. Ele teria que ser forte agora, ou estragaria tudo.
— Por favor, não brinque — pediu. — Eu fui ordenado padre aos 22 anos. Sonhei com aquele dia durante toda a minha infância. Meu pai era contra, não queria que seu filho fosse para um seminário porque tinha medo que todos pensassem que eu era homossexual. Enquanto estudava Teologia, meu maior sonho era chegar um dia a ver as Escrituras Sagradas, os textos originais da Bíblia Sagrada. Eu queria traduzi-los para ter certeza de que tudo o que constava na bíblia que nós conhecíamos e a qual sempre cultuamos, era verdade. Mas quando entrei no confessionário do bispo, já em Roma, contei-lhe da minha desconfiança e fui declaradamente chamado de herege. Mas eu nunca fui um herege. Eu ainda amo meu Deus sobre todas as coisas, como fiz durante toda a minha vida. Depois daquele dia, mandaram-me embora do Vaticano. Fui enviado pra cá, América do Sul. Assim ficou ainda mais difícil estudar antigas linguagens e assuntos que me ajudariam a desvendar os mistérios das escrituras. Logo que cheguei ao Brasil, juntei-me a um grupo de estudiosos, cientistas e astrólogos. Eles iriam se encontrar com alguém no México, que traria o livro sagrado dos maias, Chilam Balam, que para eles é considerado como uma bíblia. O problema é que teriam de traduzi-lo, fielmente. Tinham medo, porque sabiam que os historiadores podiam ter ocultado a verdade conhecida pelo povo maia. Os descendentes precisavam ser avisados da verdade toda e...
— Que verdade? — interrompeu ela, curiosa.
— A verdade sobre a profecia.
— Profecia? Você quer me contar sobre a profecia maia? Victor, você se esquece de que esta bobagem tola era para o ano de 2012? Pensei que já estivéssemos chegando a 2020...
— Sim, sim, há um grande engano nas questões referentes às datas. Você prometeu que me ouviria até o fim, então me deixe continuar. O povo maia, como você mesma já sabe, tinha um vasto conhecimento em astronomia, bem como um calendário mais preciso do que o nosso calendário atual. E é aí que entra o erro na contagem do tempo que você descobriu. Eu sei disso com absoluta certeza. A data da profecia foi alterada irresponsavelmente para 2012, usando na verdade, os textos originais sempre se referiram a 2020. O que ninguém sabe é como eles conseguiram adquirir tanto conhecimento numa época em que não dispunham de nenhuma tecnologia. Esse é um mistério que nunca mais conseguiremos desvendar. Como as construções das pirâmides no Egito, só existem teses até agora, mas nada que prove “cientificamente” sua origem. O povo maia foi massacrado com a chegada dos espanhóis. Mais de 90% da população foi morta. Naquela época, a Igreja Católica era o maior símbolo de poder mundial. Todos os que não se convertessem à religião eram mortos, acusados de heresia. Foi assim com os maias, como aconteceu também com os índios aqui do Brasil. Você deve ter estudado essa história também. — Jéssica fez que sim, com a cabeça — Mas ainda não sei o que meus estudos tem a ver com essa tal profecia. Ok, o codex sugere um erro na contagem dos anos e na conversão dos números, em geral, só que as minhas pesquisas estão diretamente relacionadas às condições climáticas. Descobri o codex quase que por acidente enquanto estudava a idade de um vulcão adormecido no México. Imaginei que poderia ser útil e por acaso, me deparei com esse erro infeliz. — Jéssica suspirou — Eu nem deveria ter falado sobre isso na minha palestra, talvez por isso tenham me descartado...
VOCÊ ESTÁ LENDO
2020 - A Revelação (Degustação)
General FictionA cientista Jéssica Salles não parava de remoer mágoas, ainda mais depois que a sua descoberta foi anunciada como mérito de seu ex-professor. Não era fácil admitir que a academia de ciências a ignorara. Apenas o padre Victor, escorraçado por Cornéli...