O líquido escuro desceu do bule de vidro, enchendo a xícara de café e criando ondas cheirosas de vapor no ar. Saulo mirava a janela aberta por onde espiava o lado de fora e ignorava o clima frio da manhã lhe congelando a face. Cortinas seguiam o movimento da brisa, moldando a visão do jovem com vultos em tons de bege. Bocejou, largando a peça de cerâmica sobre o pires e enfim, pôs-se de pé.
Olhos fechados completaram o alongamento por meio de braços esticados ao alto e, um sutil estalo no pescoço o relembrou dos dedos do escrivão apertando a região — apesar de as marcas estarem quase imperceptíveis; ao contrário do rosto.
O ato lhe fez avistar, ali embaixo da cama, o cabo negro de energia, o qual há dias retirou de dentro da impressora e nem se lembrava mais. Íris amarelas se moveram até a mochila, esta no chão, ao lado da porta. "Já que não tenho nada melhor para fazer..." Nem hesitou, apanhou a pequena faca lisa, limpou o resto de manteiga no guardanapo e tratou de descascar os pequenos fios, os quais primeiro foram livrados da capa preta. Sem demora, tirou o rádio antigo da mochila, abrindo-o sem muita dificuldade. Após uma rápida análise na placa de circuito à procura de alguma danificação visível, na qual achou somente amontoados de poeira, tratou de criar uma emenda no cabo de alimentação, a qual julgou bem porca; mas, não tinha meios para fazer melhor.
"Fabrício, não faz isso!", meneou a cabeça, tentando não pensar no porquê dessas palavras tanto surgirem em sua mente para evitar a angústia que elas lhe traziam, embora do coração disparado não pôde se esquivar.
Analisou de maneira breve a área sobre o painel, deslizando os dedos naquele triângulo feito no tecido em linha clara; mais especificamente, em cima dos números em cada ponta do tal triângulo. 3, 6, 9. "É só coincidência." Plugou o cabo na tomada.
De imediato, um fraco chiado soou da pequena caixa de madeira. Saulo girou os botões, sempre mexendo no fio estreito referente à antena e às costas do aparelho, à espera de que o rádio encontrasse alguma estação nas redondezas ou quaisquer outras ondas eletromagnéticas.
— "É uma aeronave?"
— "Não. É um carro... Automóvel, modelo 2043."
— "2043 é relacionado à potência? Número de série?"
— "Ano de lançamento. Vim do futuro."
Saulo voou para longe do rádio como se estivesse em um tiroteio a céu aberto. Seu coração batia tão rapidamente, junto à respiração descontrolada, que em segundos já ofegava. Levou a mão ao peito, sentindo estar a ponto de enfartar aos 21 anos. O susto nem fora pelo diálogo em inglês entre os chiados vindos dos alto-falantes, mas sim por uma daquelas falas ter soado na...
— Minha voz.
-
Se não fosse pelos esporádicos sons de spray, espirrando óleo lubrificante sobre a peça preta e coberta de pó escuro, o silêncio teria invadido por completo aquela pequena sala nos fundos da delegacia. A porta aberta contando com uma caixa pesada na frente, impedindo que o vento a fechasse, permitia ao delegado ouvir todo e qualquer passo que viesse a tocar o piso velho daquela unidade de polícia. Com a ponta da flanela cinza que um dia fora branca, retirava todo resíduo da queima de pólvora e, portando o olhar distante, inalou o cheiro de fundo doce e característico do lubrificante, este impregnado no ar e tornando o apertado ambiente, uma área mais agradável e tranquila devido à calmaria.
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Órbita do Destino - 2043 [COMPLETO]
Mystery / ThrillerLivro vencedor do prêmio The Wattys 2020 em Mistério e Suspense 💡 O ano é de 2043 e despertar misteriosamente em uma cidade desconhecida é o menor dos problemas de Saulo. Primeiro, esse estudante de Física precisa saber o que os números e a pomba b...