9. NA CÂMARA CEREBRAL

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Um frio corre dentro de meu corpo quando Kol volta seus olhos para meu rosto. Coro um pouco, tentando não mergulhar em distração. Seus cabelos são tão escuros quanto seus cílios longos, projetando uma sombra suave em suas bochechas e dando destaque ao azul no olhar. Talvez eu esteja errada sobre ele quanto a achar que é igual aos outros do 1º Eixo. Igual a Brendolf.

- Então, já decidiu para onde quer ir? – eu digo.

- O quê? – diz Kol, distante.

- A Câmara. – aceno para a porta dupla. – O tempo está passando.

- Não, você tem que decidir. – fala Kol. – Você que me carregou nas costas.

Não quero desperdiçar o tempo relembrando o desafio ou descartar o tempo que temos na Câmara, então comprimo os lábios e aceno, concordando.

Fecho os olhos e tento pensar em um lugar que eu gostaria de ir. Ao longo dos anos, sempre me senti como um pássaro em uma gaiola, impedido de sua capacidade de voar. Apenas conhecia os lugares através das páginas dos livros, imaginando todas as características que ele poderia ter. Lembro de quando eu costumava ler o livro que tinha escondido e rabiscar em um mapa todos os lugares que eram citados. Lembro bem do último lugar que circulei. E é exatamente para lá que quero ir.

- Já sei. – eu sussurro.

Com um impulso, toco nas portas e elas se abrem automaticamente. Ainda estou com os olhos fechados e caminho para o lugar em que pensei. Quando ouço a porta se fechar, abro-os e observo a expressão no rosto de Kol.

- Uau! – ele sibila.

Estamos em cima de um prédio, aparentemente não tão alto quanto o Pentágono. Kol me fita e noto a alegria em seus olhos. Ele caminha até a borda e surpreende-se ao olhar para baixo, onde é possível ver as luzes em vermelho, azul e amarelo, além do trânsito constante. Olho para trás e as portas não estão mais lá, como se tivessem sumido em um passe de mágica.

- Nova York. – eu falo, um sorriso entre meus lábios.

Fico na extremidade e abro os braços, sentindo o vento tocar meu rosto. Kol solta um grito, mas não de pavor ou dor, mas de alegria. É como estar livre, assim como um pássaro migrando durante o inverno.

Eu sento na borda do prédio, balançando as pernas no ar. Kol me acompanha, sentando-se ao meu lado.

- Por que escolheu Nova York? – ele pergunta, ainda sorrindo.

- Li sobre ela em um livro da minha mãe. – falo. – Nunca saí do 2º Eixo, mas sempre tive curiosidade de vir aqui.

Fito o movimento agitado de Nova York por um momento. Todas as construções parecem peças de LEGO lá embaixo, encaixadas em diversos formatos incrivelmente lindos e repletos de luzes e alegria. Observo os prédios ao nosso lado seguirem em uma linha reta, alguns mais altos, outros menores. Vejo um enorme outdoor da Coca-Cola ao longe. Agora sei muito bem que se trata de uma marca de refrigerante.

- Os Estados Unidos não foram subdivididos? – pergunta Kol, franzindo a testa.

- Foram. – respondo, puxando da memória o conhecimento que aprendi em História e Formação Social dos Eixos Mundiais, na escola. – Não sei em que Eixo devemos estar, mas provavelmente no 1º.

Ter mencionado o 1º Eixo faz com que Kol trave ligeiramente, como se estivesse preste a rebater algo. Ele fica em silêncio e tenho medo de quebrá-lo. Ele provavelmente está inserido em uma nuvem de lembranças que por mais que sejam boas ou ruins, o mantém indiferente. Seu pomo de Adão sobe e volta a descer e constato que ele resolveu mudar de ideia.

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