18. DE VOLTA À ROTINA

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Dois dias depois, recebi alta. A partir de então, aprendi a dividir meu tempo entre as sessões de fisioterapia e os treinamentos. Kol e eu nos beijamos várias outras vezes, o que provocou sorrisos de Kim e comentários maldosos de Kelly e Michelle. Mas não me importei e apenas continuei a preparação.

Voltei a atirar. Algumas vezes errava o alvo, mas com a prática fui retomando a experiência. Kol me levou até a floresta, onde tive aulas de escalada em escadas de cordas; um treinamento indicado por Henry. Em outras situações, deslizava o corpo por baixo de arcos de madeiras fincados no chão, o que me fez ganhar uma série de novos uniformes.

Gaia permitiu que eu usasse a Câmara Cerebral para aprender a dirigir – tanto carros, quanto motos – e retomei as práticas na academia. Amanhã será o grande dia e posso dizer que eu estou preparada.

***

Aumento a velocidade da esteira. Kim está na esteira ao lado, limpando o suor com uma toalha branca. Ignoro o líquido que escorre por minha testa, grudando os fios, e apenas corro. Imagino que a taça do desafio coletivo está em minha frente e faço o possível para alcançá-la.

Kim diminui a velocidade e retira sua chave de segurança, parando aos poucos.

- Você está mesmo determinada.

- Eu falei que ia recuperar o tempo perdido. – eu digo, ainda correndo.

- Eu já estou indo. – diz Kim, descansando a toalha no ombro. – Dimitri me convidou para lancharmos juntos.

- É impressão minha ou vou ver um novo casal?

Kim ri, umedecendo os lábios.

- Eu não sei. Estamos tão próximos ultimamente que tenho medo de confundir amizade com outra coisa.

- Na minha opinião, você deveria ir em frente. – eu digo, diminuindo um pouco a velocidade da esteira.

- Você acha?

Concordo com um aceno, o que faz Kim sorrir. Ela se despede e aos poucos a vejo encontrar Dimitri durante uma série de levantamento de pesos. Reduzo a corrida para uma caminhada. Brendolf ocupa a esteira de Kim, porém ignoro sua existência, ou pelo menos tento ignorar.

- Você é rápida, não é? – ele diz, rindo. – O que houve? O elevador não foi com a sua cara?

Respiro fundo e paro a esteira.

- Ah, é? – eu digo, minha respiração ainda falha. – E onde você estava quando eu caí?

- É impressão minha ou você está insinuando que eu sabotei aquele elevador? – ele diz, sua expressão parecendo confusa enquanto corre. – Não tenho culpa se você não olha por onde anda.

- Sim, estou insinuando. – eu revido, impaciente. Mantenha o controle, repito para mim mesma, como uma espécie de mantra ou sei lá o quê.

- Deveria tomar cuidado. – a voz de Brendolf é desafiadora. – Incidentes assim costumam se tornar muito mais estranhos quando começam a acontecer mais vezes.

Raiva preenche meu corpo e ajo sem pensar. Puxo sua chave de segurança, interrompendo a esteira subitamente. Brendolf é arremessado da esteira, batendo com as costas na parede. Não preciso de nenhum comentário para intimidá-lo, pois os risos que preenchem a academia já falam por si só.

Brendolf pragueja até que Talula corta a multidão frenética:

- O que está havendo aqui?

Nenhuma resposta a não ser o silêncio. Brendolf levanta, passando a mão na nuca. Agi impensadamente, mas por fim não me arrependo do que fiz.

- Essa... Ela – Brendolf acena. – tirou a chave de segurança da minha esteira.

- Isso é verdade, Drummond? – a voz de Talula é fria. Ela não acredita que eu fui capaz disso.

- Sim. – eu digo, impaciente. – Mas não fiz à toa. Brendolf sempre me provoca. Sente raiva porque ganhei o desafio do Pentágono.

- Não tenho medo de garotas. – diz Brendolf. – Não tenho inveja de você.

- Já chega! – a voz de Talula corta o ar. – Drummond e Brendolf, aqui no centro.

Não entendo aonde a mentora quer chegar com isso, mas obedeço. Brendolf caminha até o centro com uma série de vaias provenientes dos demais Híbridos. Ele está um pouco manco, mas nada impede que seu olhar continue maligno.

- Drummond, mostre que é mais forte que Brendolf. – diz Talula. – Brendolf, mostre que é mais forte que Drummond.

- Vai querer que a gente lute? – pergunta Brendolf.

- Está com medo? – eu desafio.

- Silêncio! ­– grita Talula. – Drummond, eu quero cinquenta flexões agora. Com Brendolf em suas costas.

Há um murmúrio entre os Híbridos, mas Kol continua calado. Noto seu olhar de estímulo para provar que sou capaz disso. E eu realmente sou. Agacho-me, colocando o peso de meu corpo sobre as mãos. A mentora acena para que Brendolf deite sobre minhas costas e é o que ele faz.

Seu peso é incômodo no começo, mas sou forte o bastante para continuar. Após cerca de vinte flexões, percebo que Brendolf está depositando ainda mais seu peso em minhas costas, o que reduz minha velocidade. Ele sussurra piadas em meu ouvido, mas não dá para escutar direito devido aos gritos de incentivo dos demais.

Ultrapasso o limite, causando um silêncio mortal na academia. Gemo quando acho que vou desabar, mas o suor que cai sobre o chão serve como incentivo para continuar. A dor faz com que eu perca as contas. Não suporto e jogo Brendolf para o lado, despencando no chão.

Todos ao meu redor me fitam com um olhar atônito, como se eu estivesse morta. Mas Kol ainda sorri e é esse o motivo para que eu apenas abaixe a cabeça e reflita comigo mesma. Eu consegui.

- Drummond... – Talula sussurra ao meu ouvido. – Parabéns, garota. Vocêconseguiu mais que o dobro do limite estipulado.

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