Aguente Firme

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Lauren sentia frio, muito frio. A escuridão dominava sua mente com tanta tenacidade quanto os flocos de neve se agarravam à sua pele e cílios. Estaria morta? Lauren se perguntou, lutando contra a nuvem escura que lhe envolvia a mente. Aquela sensação assustadora e de gelar os ossos era a morte?

Um arrepio percorreu Lauren. Não sentia dor. Contudo, uma sensação de ansiedade e frio a atormentava. Por alguma razão, sempre imaginara a morte como um estado de morno vazio. Mas agora, ela se sentia fria, na verdade mais que fria...

A escuridão se dissipou ligeiramente, se dissolvendo em tons cinzentos. Estava molhada! E havia algo mais! Nos limites exteriores de sua consciência ela podia ouvir vozes. Talvez não estivesse completamente morta, ela ponderou. Quem sabe pairasse em algum meio-termo, um mundo entre a doçura da vida e o vazio da morte?

As vozes se aproximavam, e ela podia distinguir tons diferentes, alguns graves e masculinos, dois mais suaves, agradáveis, femininos. Ocorreu uma súbita mudança na bruma cinzenta que lhe entorpecia a mente, uma claridade parcial. Reunindo suas escassas forças para se concentrar, Lauren se esforçou para compreender o conteúdo e o significado daquelas vozes. Aos poucos, as palavras se tornaram distintas e lhe penetraram a consciência.

— Ela tem os olhos mais verdes e frios que já vi. — observou o patrulheiro Raymond Horsh.

Camila se arrepiou ao fitar os olhos verdes de Lauren.

— Bem, é claro que os olhos estão frios. — retrucou Cal Singer, companheiro de Raymond. — Ela está morta.

Incapaz, por alguma razão, de desviar a atenção do olhar vazio da estranha, Camila tirou as luvas e se ajoelhou na neve ao lado do corpo sem vida. Uma confusa sensação de desesperança a invadiu quando estendeu a mão na direção do pescoço dela para confirmar a ausência de pulso.

— Não estou morta.

Se misturando com o impacto dos olhos fascinantes, o som rouco e sussurrado da voz da estranha provocou um choque em Camila. Espantada, ela abriu a boca e retirou a mão. A bela mulher estava viva! Camila se levantou num pulo antes mesmo que entendesse o que estava acontecendo.

Sem pensar, ela tirou o casaco para cobri-la. Não tinha ideia de quanto tempo a mulher estava estirad ali, mas sabia que sofrera um trauma e estava em estado de choque. Sem se importar com o frio úmido lhe envolvendo o corpo, Camila se ajoelhou outra vez para prender o agasalho, e mais uma vez lhe tocou a garganta para tomar a ação do pulso. A pele estava fria ao toque, tornando a súbita carga do calor que lhe percorreu o braço até o ombro ainda mais perturbadora.

Controlando um impulso de afastar a mão outra vez, Camila se concentrou no pulso forte mas irregular na base do pescoço da mulher. Tocá-la, lhe sentir a vida pulsando contra seus dedos causou a sensação mais estranha que Camila jamais experimentara. Sua mente ficou vazia, e a boca ficou seca quando percebeu que seu pulso, até então regular, estava se modificando, se fundindo ao ritmo do dela.

O que estava acontecendo?

Paralisada por um momento, Camila fitou a mulher. Não ouviu a ambulância parar, nem a sirene. Tremendo, espantada com sua reação diante de alguém que nunca vira, a observou fechar os olhos devagar. Quando ela os abriu outra vez, instantes depois, tinham um ar confuso, mas focalizado e vibrante.

— Bem, talvez esteja morta. — Lauren não notou o som fraco e áspero de sua própria voz, nem mesmo o fato de ter falado. Toda sua atenção se concentrava no rosto que parecia flutuar acima dela. Tinha de estar morta, concluiu, entorpecida, pois aquele rosto lindo, de olhar suave e iluminado por uma aura dourada só podia ser de um anjo. — Morri e fui para o céu.

O som da voz puxou Camila de volta à realidade. O que havia com ela? Aquela mulher estava ferida, sangrando, e precisava de cuidados médicos imediatos. Piscando para quebrar o estranho encanto do olhar delae, a médica virou o rosto ao ouvir passos se aproximando. Os enfermeiros haviam chegado.

— Procurando trabalho, Dra. Cabello? — um dos enfermeiros indagou num tom brincalhão. Os dois jovens enfermeiros a conheciam, como todas as equipes de ambulância. O Conifer General era um pequeno hospital numa cidadezinha nas montanhas; quase todos os moradores se conheciam. Camila não respondeu e se levantou, recuando.

— Por favor, se apressem. — murmurou num tom autoritário. — Essa mulher foi baleada no peito e perdeu muito sangue.

Os enfermeiros agiram rápido, imobilizando a cabeça da estranha e a erguendo para acomodá-la na maca sob o olhar atento de Camila. Quando a moveram, ela soltou um gemido agudo de dor e desmaiou.

Camila se sentiu atingida por um golpe físico, a forçando a apertar os lábios para conter um suspiro. Impotente contra o turbilhão de emoções, ela ficou olhando a mulher inconsciente e indefesa.

Mesmo com a arma presa à perna, ela transmitia uma impressão pungente de vulnerabilidade.

A compaixão a dominou. A mulher não podia morrer. Não a deixaria morrer! 

Camila olhou ao redor, se espantando quando um dos homens lhe entregou o casaco. Observando em silêncio enquanto os enfermeiros cobriam o ferido e prendiam a mulher à maca, ela rezou com fervor pela estranha... e por sua perícia cirúrgica.

Vestiu o casaco enquanto caminhava ao lado da maca em direção à ambulância, sentindo um arrepio lhe percorrer a espinha. Era uma sensação de calor e segurança, como se o casaco guardasse não apenas o calor do corpo da desconhecida, mas também a radiação protetora de sua força. Entretanto, ela sabia que devia haver bem pouco calor ou força naquele corpo esgotado.

Não entendia por que reagira daquele modo diante de uma estranha de roupas tão esquisitas, mas sentia que não queria descobrir. Em todo caso, agora não havia tempo para sentimentos. Tinha trabalho para fazer. Precisava extrair uma bala do peito da desconhecida.

— Quando chegarem ao hospital, providenciem na emergência uma equipe de operação para mim. — ela anunciou, virando-se rumo a seu carro enquanto o motorista fechava a porta da ambulância. — Logo estarei atrás de vocês.

O movimento do veículo levou Lauren a um estado de semiconsciência. Se tivesse escolha, teria preferido permanecer fechada na segurança da escuridão. Não sentia tanto frio quanto antes, mas agora experimentava uma dor forte na região do peito e no ombro direito. Teria preferido a sensação de frio.

Lauren também notava um movimento para frente, e a sensação a confundiu ainda mais. O movimento era suave e uniforme demais para ser de carroça. Contudo, ela sentia estar em algum tipo de veículo. Mas que tipo de veículo seria?

A pergunta continuava a atormentando. Não conhecia nenhum veículo puxado por cavalo capaz de oferecer uma viagem tão confortável. Reunindo as limitadas forças, Lauren decidiu abrir os olhos e investigar a situação, mas logo descobriu que decidir abrir os olhos e fazê-lo eram coisas bem diferentes.

Suas pálpebras pesavam como chumbo, e ela conseguiu apenas uma pequena fenda com um esforço exaustivo, cujo resultado não valeu a pena. Podia ver pouquíssimo. Ou era noite ou se encontrava parcialmente cega. E o exercício não foi apenas cansativo, mas frustrante também.

Onde estava?

Lauren se moveu com impaciência e dor, enquanto a pergunta ecoava em sua mente confusa.

— Aguente firme, amiga, estamos quase lá.

Lauren ficou imóvel ao som da voz encorajadora. Várias perguntas, todas sem respostas visíveis, dominavam sua mente.

Estavam quase onde? E quem eram eles? Quem estava falando? Onde ela estava, afinal? Por que sentia o peito como se estivesse em chamas? A última pergunta despertou a memória de Lauren. Por um momento sentiu outra vez o frio do ar noturno, experimentando a sensação dos flocos suaves de neve contra seu rosto. Naquele instante de lucidez, ouviu o eco ressonante de uma voz gritando seu nome.

- Lauren!



Viajante - Camren GpOnde histórias criam vida. Descubra agora