Correndo com lobos

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  Abri os olhos sentindo o sol cobrir todo o meu corpo. Olhei para o céu azul claro, brilhante, límpido, sem nada entre mim e ele... Onde eu estava?

— Não olhe diretamente para o céu, pode macular seus olhos.

  A voz gutural, mas baixa alcançou meu ouvido e então eu me virei, percebendo que estava deitado em uma enorme pedra achatada em uma clareira rodeada por grama alta e flores branquinhas que esvoaçavam na brisa fresca.  Era outro lobo, um negro, imenso, maior que os que me pegaram na floresta... O que tinha acontecido?

— Você dormiu, os betas te trouxeram para a toca ontem à noite e hoje pela manhã te colocaram aqui para tomar um pouco de sol. Você dormiu toda a noite até agora – O lobo embora assustador à primeira vista, falava comigo de forma baixa e calma — Humanos não são admitidos aqui, aliás nunca chegam até aqui então suponho que foi traído por alguém e levado para morrer na trilha das fadas. Eu lhe perguntaria, mas você não fala, verdade? Isso é bom, se falasse provavelmente o nosso líder não o deixaria ficar – E eu recebi um olhar estranho, fixo, manso e então ele repetiu aquilo de uma forma ainda mais estranha — Continue silencioso assim, é o melhor por enquanto.

  E eu me dei conta, dei conta que ele sabia que eu falava. De alguma forma ele sabia... E aquilo era mais estranho que todas as outras coisas estranhas...

— Você está fora dos muros humanos, suricato, e aqui, nessa região o topo da cadeia alimentar somos nós, os lycans. Essa noite começa a lua nova ou seja, voltaremos para nossa forma humana. Isso deve ajudá-lo a perder o medo da nossa matilha, e é melhor que perca antes da lua crescente porque nela, nós nos transformamos em lycans, metade homens, metade lobos, maiores do que essa forma que me vê agora e então na lua cheia voltamos a ser lobos completos até o fim da minguante. Quando começa tudo outra vez. Essa é a principal coisa que precisa saber sobre nós para se manter protegido aqui. Os meninos gostaram de você, querem ficar com você e o líder aceitou apenas porque para ele é um humano fraco e sem fala. Você faz parte da nossa matilha agora, e precisa aprender como as coisas são.

  Eu queria gritar que não podia, que tinha que ir até as fadas, que tinha um dever, mas ele rosnou baixinho e eu me calei, ainda que nas expressões do meu rosto. Ele podia me ler claro como um livro ainda que eu não dissesse uma palavra, como era possível?

— Sou o mais velho de toda a matilha, mas não sou um ancião porque ainda assim sou jovem demais para sê-lo. Mas já vi muitas coisas nesse mundo, suricato e sei quando estou olhando para um protegido da velha árvore branca. É só por isso que irei compactuar com sua permanência entre nós. Não sei o que faz perdido tão distante de Nova Xangai, porém se jurar ser fiel ao meu líder e não trair nenhum dos lobos da minha matilha, eu farei olhos cegos, e o manterei protegido e alimentado. Acredito que seja uma boa troca, não é? Sozinho irá morrer em horas, seja de fome, picado por algo peçonhento, devorado por animais famintos, ou coisa pior.

  Sim, era uma boa troca nas atuais circunstâncias, e ele conhecia a árvore... Conhecia...

  O olhei curioso e ele se aproximou de mim até ter seu focinho próximo do meu rosto:

— Sim, eu sei quem ela é, sei das histórias, sei que surgiu no meio do solo destruído pelas armas humanas que a tudo mata e corrói e ali ela fez crescer uma frondosa floresta cheia de animais mágicos ao seu redor.  Sei que os humanos de Nova Xangai a temem e a respeitam e sei que um dia ela foi uma bruxa poderosa, uma bruxa que protegeu esse mundo até o fim mesmo que ele não merecesse, ela... Ela é a terra... Os mais velhos contavam essas histórias ouvidas de seus ancestrais e de antes deles... Mas o homem em sua ambição arruinou e ignorou toda as boas intenções dela que mesmo ao morrer longe, nas estrelas dizem, ainda assim renasceu aqui em forma de árvore branca. A única do mundo, eles contavam...

DominumOnde histórias criam vida. Descubra agora