Capítulo 15 - Mudar ⊽

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LIANA

— E se a gente não quiser ficar com... — Tom coçou a nuca, colocando os olhos sobre Bem, que continuava distraído com o brinquedo do Homem-Aranha.

— Espera! — Eu o interrompi rapidamente, com medo do que pudesse falar. — Henrique. Ele fala português? — Meneei a cabeça na direção do garotinho que, naquele momento, fazia um som baixinho, murmurando uma música enquanto brincava com o boneco.

— Sim. Nasceu e cresceu em Angola. Português é a sua língua nativa. O problema é que... Não tem falado. Desde que os pais "não retornaram do trabalho". — Sinalizou as aspas, cuidadoso.

— Certo. Será que alguém poderia levá-lo para dar uma voltinha, para tomar uma água...? Para conversarmos aqui... — Apontei para Antônio. — Apenas os adultos.

Na verdade, eu tinha receio de que Tom dissesse alguma coisa que pudesse magoar o meu sobrinho. Eu poderia não ser nenhuma expert em crianças, mas sabia que elas costumavam prestar atenção em tudo, mesmo sem demonstrar abertamente.

— Pode deixar que eu o levo. — Henrique se colocou em pé. — Vamos até a cozinha, Bem? Você quer tomar um suco? — Falou simpaticamente com o menininho, que assentiu e se levantou, em silêncio. Assim que Henrique fechou a porta atrás de si, Antônio pulou para a cadeira do meu lado, com o olhar angustiado.

— Liana. Sinto muito, mas eu não tenho condições de criar um menino. — Passou as mãos pelos cabelos, aflito. — Não tenho filhos, não quero ter, e...

— Tudo bem. Não me surpreendo. — Eu o cortei, tentando manter a voz serena apesar dos meus batimentos descontrolados. — Não vou lhe forçar a nada. Fique à vontade, Antônio. Eu me viro sozinha.

— Você vai assumir a bomba sozinha?! — Quase gritou, com os olhos verdes arregalados, me enervando.

— A bomba é o meu sobrinho! Filho do meu único irmão! Que provavelmente está morto e, como último pedido, quis que eu cuidasse dele. Eu e você. Sei que não é como cuidar de um hamster, mas ainda assim não me passa pela cabeça a possibilidade de fugir à responsabilidade.

Tom apertou os lábios, com o rosto pálido, perdido.

— Além do mais... — Voltei a falar, agitada. — Se não puder ficar comigo, com quem ficaria? Você sabe muito bem que a minha mãe não tem condições de cuidar de mais ninguém. Meu pai suga todas as suas energias.

Meus pais tinham se mudado para Campos do Jordão três anos atrás, por conta de um problema respiratório, enfisema pulmonar, advindo do vício do meu pai em cigarros. A doença não tinha cura e a sua expectativa de vida foi avaliada em cinco anos.

A única coisa "boa" disso tudo é que tanto eu quanto meu irmão e Antônio desenvolvemos um verdadeiro horror a cigarros, depois de testemunhar a luta constante do meu pai para respirar, com tubos de oxigênio e tudo o mais.

— Porra... — Foi a única palavra que saiu dos seus lábios trêmulos.

— Enfim... Você não precisa ser um gênio para concluir que, sem algum responsável, Bem iria para um abrigo. O que, obviamente, está fora de cogitação. Ele vai para a minha casa.

Tom continuou me encarando com o olhar perdido, assustado. Como era capaz de ficar assim, inerte, com tanta coisa a ser decidida?

— Com licença. Preciso fazer uma ligação. — Falei, já mexendo no celular. Liguei para Carla, que me atendeu no segundo toque.

— Carlinha? Consegue ir comigo às compras na hora do almoço? Estou com uma emergência, e... Sim, sim. Te explico pessoalmente. Pode ser naquele shopping perto de casa. Ok. Combinado.

Amor Por Uma Noite [RELANÇAMENTO]Onde histórias criam vida. Descubra agora