Capítulo 9 - Cada coisa em seu lugar

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CADA COISA EM SEU LUGAR


— TIRA A MÃO. SEU FALSO DO CARALHO. — Ele aperta o botão do elevador, constantemente, querendo se vê livre de tudo aquilo. As lágrimas escorrem em seu rosto. Ele as enxuga e se vira para mim. — Eu iria te pedir em namoro. Que porra de otário eu fui, em achar que queria algo sério comigo. — A porta do elevador se abre, e antes de entrar, continua. — Não parece importante para você, mas eu furei contigo, porque meu pai passou mal.— Sem me dá a chance de explicar, ele se vai.

Eu retorno para o apartamento, temendo alguém abrir a porta, e assistir esse espetáculo no corredor. Quando volto, vejo Gustavo ainda parado no mesmo lugar.

— Você não disse que estava namorando. — Franze as têmporas.

— Eu não estava namorando. Nós estávamos ficando... — Olho para cima, passando as mãos em meu cabelo. — Não era pra gente ter ficado. Agora minha vida tá uma bagunça, e eu nem sei por onde começar arrumar. — Digo, como se estivesse falando comigo mesmo.

— Posso te pedir um favor? — Abro a porta novamente, e abaixo a cabeça. — Me deixa sozinho.

   Ele confirma com um gesto, e segue em direção a saída. Ao fechar a porta atrás de mim, vou escorregando as costas, até sentar no chão. Envolvo meus joelhos, e desabo em lágrimas. Me sentindo o pior ser humano.

**** 

Fazem quatro dias, que não atendo a uma ligação da Ju. Não me sinto preparado para conversar sobre tudo o que aconteceu. Não vejo Gustavo, desde o ocorrido. Melhor assim. Tenho aproveitado esse tempo sozinho para refletir, e tentar colocar cada coisa em seu lugar.

Tenho trazido bastante serviço de meu estágio para casa. Assim, penso menos nos problemas, e me ocupo de trabalho. Coloco "Stone cold" para tocar. Minha única canção preferida da Demi Lovato. Um ícone injustiçado. Deixo a música preencher todo o espaço. Por dentro e por fora. Sento na mesa ao lado da janela, e puxo minha caneca para iniciar minhas leituras.

O telefone toca. Ao verificar, vejo a palavra "mãe" se acender na tela do celular. Meu coração, se aperta. Tudo que eu queria, era poder atende-la, e contar o que está acontecendo. Ser de fato "eu"; sem reservas, sem mentiras e sem segredos. Enxergar nela, o meu porto seguro. A pessoa que posso contar, a qualquer momento da minha vida. Mas infelizmente, não posso. Sua religião, nos afasta. Neste caso, o amor não prevalece.

— Oi, mãe. — A saudade se mistura em meu tom de voz. Ela embarga. Eu limpo a garganta. — Como está a senhora e todos por aí?

— Por aqui, está tudo bem. Estamos com saudade. Quando vem nos visitar?

— Também estou com saudade. Assim que o semestre acabar, vou para casa, mãe. — Um leve sorriso, se desenha em meu rosto, ao imaginar seu rostinho redondo.

— Que bom. Puxa... liga para gente, meu filho. Se eu não ligar, para ter notícias sua, você não nos procura. Fico preocupada.

E ela tinha razão. Quase não ligava para meus pais. Desde que contei sobre minha condição sexual, nossas relações nunca mais foram as mesmas. Houve um distanciamento. Meus pais planejaram um futuro para mim, que não deu certo. Eu não consegui me enquadrar no modelo de filho de pastor, que segue os preceitos da igreja e anda pelo caminho reto. E a sensação que tenho é, que eles se culpam, por não terem sido suficientemente bons, na minha educação. E eu me culpo por não ter sido suficientemente bom, como filho. Mas tudo bem. A vida tem dessas coisas.

— É que eu tenho tido uma vida, super corrida por aqui. Mas prometo sempre ligar.

— Tudo bem, meu filho. Olha... A mãe ama muito você. 

Sinto as lágrimas esquentarem, em meus olhos. Me seguro, para não deixar transparecer o quanto aquelas palavras me tocaram.

— Seu pai está aqui, louco para falar com você. Vou passar para ele. Fica com Deus, meu filho. — Minha mãe, passa imediatamente para meu pai, que parece estar ao lado dela.

— Tiago, tudo bem?

A frieza toma conta de todo meu corpo, ao ouvir a voz rouca e pausada de meu pai.

— Por aqui, sim. E por aí? — Pergunto, tentando não deixar a nossa conversa morrer.

— Aqui vai tudo bem. Pela a graça de Deus.

Uma longa pausa prevalece entre a gente. A falta do que falar, faz com que eu pense estar falando com um estranho.

— Que bom, pai. Olha eu tenho muito trabalho por aqui. Terei que desligar. — Tento soar atarefado, para que finalmente eu me livre daquela situação, desconfortável de estar em uma conversa, aonde eu não tenho assunto.

— Ah... Tudo bem. Eu também preciso ir. Fica com Deus, Tiago. E juízo.

O autoritarismo em sua voz, me incomoda. Pareço enxergar as linhas de sua testa se estreitarem em seu rosto sempre sério. Só de lembrar, me revira o estômago.

Ele desliga, e eu volto ao dia em que contei para meus pais, que era gay. Uma dor amarga me consome por dentro ao reviver aquelas lembranças. As palavras duras de meu pai, parecem queimar como uma marca ainda viva, dentro de mim. A partir dali nossas vidas tomaram um rumo diferente.

Me dói não ter o abraço do meu pai. Olhar para o lado e se enxergar só. Ele não consegue me vê, além da minha condição sexual. O filho integro e de bom caráter, parece não ser suficiente. A repulsa ao que eu sou, parece sempre falar mais alto. Triste.

******* 

  Volto a me concentrar nos textos, quando sou tirado de minha concentração, ao ouvir o barulho da companhia. Reviro os olhos, ao pensar que preciso me levantar, e atender a porta. Vou andando em passos demorados, na esperança de quem quer que esteja do outro lado, resolva desistir de querer ser atendido.

Ao atender a porta, tomo um susto ao ver Marcos parado. Um olhar sério, meio perdido. Com as mãos no bolso, e cabelos revoltos, formando um black meio arrumado, cheio de pequenos cachinhos.

— Posso entrar? — A voz mansa, e o olhar baixo.


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Lindezas, muito obrigado por acompanhar essa estória. Se estiverem achando o capítulo muito curto, por favor comente. Eu particularmente, não gosto de capítulos muito extensos. Me sinalizem. Fico feliz com cada mensagem, e cada voto de vocês. Aguardem os próximos !!!

Um Hétero na minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora