Capítulo 15 - De dentro para fora

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DE DENTRO PARA FORA





Meus passos quebram o silêncio do ambiente, fazendo todos direcionarem seus olhares para mim. Abaixo a cabeça, esmagando os dedos de Marcos, concentrando todo o nervosismo em minhas mãos.  Uma mulher de cabelos longos castanhos escuros, se inclina para frente, cruzando as pernas. Um sorriso se desenha em seu rosto ao me enxergar.

Ao me ver, um homem se levanta abrindo um sorriso. Ele olha de Marcos para mim, como se fossemos um casal apaixonado. Só de pensar nessa possiblidade, sinto o meu rosto esquentar. Nos aproximamos do círculo de pessoas, e o homem vem em nossa direção. Seus cabelos grisalhos, quase inexistentes, e seus óculos de grau dão um tom envelhecido a ele.

Marcos se desvencilha de mim, e me apresenta.

— Pai, esse aqui é o Tiago, um grande amigo.

O homem me observa como se pudesse ler, me decifrar da cabeça aos pés. Apesar de simpático, me sinto um pouco sem jeito.

— Opa... Tiago, prazer. Eu sou Jorge. — Ele aperta a minha mão, com entusiasmo. — Suponho que você seja o namorado do meu filho.

Meu rosto fervilha de vergonha, com o comentário de seu pai. Marcos solta um sorriso, meio sem jeito com a situação. Eu abaixo os olhos, coçando a nuca, me sentindo super desconfortável.

— Não, pai. Ele não é meu namorado. Nós somos apenas amigos. — Ele dá um tapa no ombro de seu pai. — O senhor anda não ouvindo muito bem. Eu te apresentei um amigo, não um namorado.

— Ah... meu filho, talvez seja a vontade de vê logo meu filho casado, antes que a morte resolva bater na minha porta. — Ruguinhas surgem em torno de seus olhos, à medida que ele sorri. — Depois dos cinquenta, tudo que temos é pressa. E você um rapaz tão bonito. Com uma alma linda... É difícil acreditar que você esteja sozinho.

Marcos revira os olhos, me puxando para duas cadeiras vazias, ao lado de um rapaz que parece ter a minha idade. Nos sentamos. Respiro fundo, direcionando o meu olhar para o seu pai . Eu esfrego uma mão na outra, buscando diminuir a tensão, que circula meus em nervos.

****

A reunião se inicia com uma oração. Em seguida nos sentamos em círculo, e o pai de Marcos começa;

— Boa tarde, a todos. Daremos início aos depoimentos. Gostaria de lembrar que ninguém é obrigado a falar. Depois de um depoimento, vem um conselho em seguida. Fiquem à vontade para começar. lembrando que tudo que é dito aqui, fica aqui. —  Sua voz é mansa.

Os minutos se passam. Ninguém parece disposto a começar, e aquilo me aflige. Uma ansiedade dispensável me consome. As palmas das minhas mãos suam, e eu as esfrego no jeans. Não quero demonstrar o desconforto, mas é visível. O estranhamento àquele silêncio, me faz levantar a mão. Todos se voltam para mim. Me observam com um traço de compaixão nos olhos. Meu reviro por dentro, mas decidido ir até o fim.

Marcos repousa sua mão em minha perna, em sinal de apoio. Me sinto menos inseguro com a situação. Solto o ar e fecho olhos, buscando coragem. Começo.

— Boa tarde a todos. Me chamo Tiago. Eu sou de Holambra, interior de São Paulo. Sou soropositivo a um ano. — Um desconforto me toma ao dizer aquelas palavras. Ainda pesa em minhas costas admitir minha sorologia. — Eu fui... — O silêncio me sufoca, como dedos em minha garganta. — Eu... — Paraliso. O ar pesa, e não consigo prosseguir. — Eu fui abu...

As lágrimas escorrem. Elas são tudo que consigo dizer. Fecho os olhos, e vejo ele diante de mim. Seus dedos finos, me puxando pelo braço. O cheiro de cigarro impregnado em seu corpo tatuado, tocando em minha pele, me causando asco. O quarto girando, a bebida revirando em meu estômago, sua mão abafando meus gritos. Todas as sensações estão vivas dentro de mim. Palpável e incurável. Estou preso naquele quarto, não importa o quanto eu tente fugir.

Um Hétero na minha camaOnde histórias criam vida. Descubra agora