+FORTY_TWO+ O cavalo de Troia

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Olho para a carta pousada no banco passageiro, de relance, e tento me concentrar no caminho à minha frente. Para além do alcatrão, a estrada é decorada por oliveiras e nogueiras-do-japão (ginkgo), caducifólias. Quando chego ao instituto correcional de Seoul, é tardio para uma visita, o relógio eletrônico do veículo marca as seis. Este possuía uma tonalidade escura e deprimente. O estacionamento indicado do ergástulo, disponível para qualquer cidadão comum, estava deserto e insólito. O céu, crepúsculo em poente, toma gradualmente uma cor gradiente, entre o azul negrume e fosco da dia e o escuro tenebroso da noite. Pressiono o pedal no freio, sentindo o motor desacelerar: a pulsação do óleo assemelha às batidas no meu peito, ameaçando trair a minha vontade e serenidade. 

Enquanto desligo a chave da ignição, solto um suspiro inesperado, por entre a breve quietude, antes de realizar o complexa tarefa de desapertar o cinto de segurança: os palmas das mãos soam, o corpo treme e soa, os dentes rangem, as maçãs do rosto coram e os olhos tornam-se gradualmente dilatados. O metal soa, e abro a porta por completo, sentindo o contraste entre a alta temperatura ambiente do carro, e o vento cortante do exterior, do tipo que converte a garganta humedecida em gélida ao inspirar. Os estiletes raspam do pavimento e este emitia um calor residual, como se retivesse desesperadamente os últimos vestígios de um dia ensolarado nas penumbras da manhã.

Seguro na carta como se fosse uma bomba prestes a explodir e sinto uma fraqueza abrupta, penso estar a adoecer com esta diferença de temperatura, deduzo. Os postes públicos de luz amarela acendem, gerando alguma urgência. Desloco até a entrada, onde um polícia prisional parece apreciar a sua curta pausa para fumar. Cumprimento por educação, sentindo os seus olhos seguirem o meu corpo, durante todo o processo, até chegar à recepção. O responsável pela triagem informa que visitas não são mais permitidas, o que não seria um obstáculo, chorei um pouco e, quando isso não resulta, comento casualmente que irei ligar ao Sargento Taehyung, um amigo e confidente muito próximo, informação que levou o inferior a mudar de opinião, com um pedido de desculpa formal e uma reverência de umbigo, 90 graus perfeitos. Assino os termos de visitação, e os termos de responsabilidade, que entre muitas regras e limitações regulamentares em termos de comportamento e segurança, informa que caso me torne refém de um indivíduo violento, não se responsabilizavam pelo meu resgate.

"A carta contém algum objeto ou informação que ameace e comprometa a instituição jurídica? Perdão, é uma questão protocolares. Poderia abrir a carta?" pergunta o agente, voz cada vez mais ofegante. Cruzo os braços.

"Não há confidencialidade? Esta carta é para o Sr. Jeon, do filho. Pode examinar." Estendo o braço, e em conjunto o objeto. O guarda inclina-se para trás e após apalpa a carta. Sou autorizada, agradeço cordial e simplesmente, e ouço um som estridente no momento em que as grades são destravadas. Passo por oito pontos de segurança, e por fim, chego a uma ampla sala acompanhada por um segurança, com o crachá da justiça que me faz torcer o nariz. A sala de visitação estava, como esperado, vazia, contendo apenas um homem septuagenário, corpulento de sedentarismo a par daquela velhice que atinge e aflige a todos nós, ou os que têm a sorte, ou presságio, de testemunhar. A cara do recluso se expressava comovente, como se a minha presença fosse uma dádiva vinda dos céus. A porta trancou atrás de mim e, com calma aproximo do ser, como um veado curioso mas cauteloso se aproxima de um predador saciado. As minhas mãos seguram a carta com certa força, o que resulta em amassos traçados pelos meu dedos, que parecem queimar ao toque.

- "A minha nora vem me visitar, finalmente! Estava à sua espera." -- Poderia estar preso fisicamente, mas toda a sua atividade e criminalidade continuavam, um homem perigoso.

-" Sou só o intermediário." 

-"O meu filho está bem? O filho que me colocou na prisão, desgraçado! Depois de tudo o que fiz por ele." Com um escárnio que  preferia ter omitido, solto um riso sarcástico. O homem encara e estuda o meu rosto, estalando os lábios, e por fim ajeita-se na sua cadeira, sem algemas. Sento à sua frente, numa posição que aparenta relaxamento, encostada ao móvel pouco cuidado. Uma aura de decadência o envolve como um manto de morte, e suas roupas ricas, mesmo encarcerado, são como a pele de um predador que se esconde por trás de fachadas sedutoras. Todas as suas gesticulações são calculadas e estudadas, cada movimento seu com o propósito de exercer o máximo de controlo sobre aqueles ao seu redor. Cada palavra que escapa de seus lábios carrancudos parece carregada de veneno, uma serpente astuta a traçar a sua narrativa de manipulação. "Você parece esgotada, dorme mal ou algo a preocupa? De qualquer modo, tenha calma, se quiser posso pedir um chá... Sr. Lee, traga um chá de camomila para nós, se fizer o favor."

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⏰ Última atualização: 4 days ago ⏰

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