Continuei rabiscando na folha um pouco amarelada, repleta de respingos das gotas de água do mar e orelhas nas bordas, por guardar as folhas de qualquer jeito na minha sacola. Minha mente viajava longe, enquanto esbossava os traços da flor que levava o nome da linda garota que vestia azul, e eu infelizmente deixei para trás. O homem que antes tinha me observado com cautela, ainda estava na sala do comandante, e o que anteriormente havia tremido de medo com a história dos fantasmas, parecia olhar ao redor desconfiado, prevendo algum fantasminha camarada tocasse seus ombros.
Estava com saudades de Eleanor, e receosa com a futura reação de Lancellot quando me visse novamente. Mas isso não poderia ter nenhum espaço na minha mente naquele momento, afinal de contas, EU era Lancellot, e qualquer distração poderia me levar a um fim não muito tolerável pelos marujos.
De repente, um vento frio soprou por dentro do chapéu que escondia meus cabelos e desceu por minha nuca. Senti meu corpo inteiro se arrepiar e olhei ao redor. O céu parecia ter perdido qualquer intusiasmo para se manter belo, e um acinzentado chumbo tomou lugar. Me levantei devagar, olhando para cima, e entrei no meu quarto, que por sinal era compartilhado. Guardei com carinho meu desenho de uma violeta, debaixo do travesseiro e, quando voltei ao deck, muitos marujos se movimentavam, ajustando a vela, recolhendo itens e outras coisas mais.
— Ande Lancellot, não fique aí parado, ajude os outros marujos a se preparar para a tempestade! — O capitão, tocou meus ombros e me deu um leve empurrão para frente, concordei com a cabeça e andei desgovernada até a vela.
— Puxa isso — Um dos marujos me entregou uma corda quando cheguei até lá. A fitei por alguns segundos e fiz o que o homem pediu. Coloquei toda minha força ao puxar a corda, e isso deve ter ficado nítido pela minha expressão facial, pois quando abri os olhos, o homem me encarava confuso
— Onde foi parar sua força? É um homem ou não? Está parecendo uma donzela — Meu sangue ferveu, mas me recompus e disse com a voz mais grossa que podia
— Estou com dor no ombro. — O homem me encarou com indiferença e chamou outro amigo para fazer o trabalho.
Enquanto me afastava, senti as primeiras gotas de água molharem minha blusa larga. Olhei para cima e percebi que alguns clarões rápidos se espalhavam por cima das nuvens, enchi meus pulmões de ar e entrei no quarto já que ninguém precisava de mim naquele momento, sentei próxima a janela, observando a água da chuva começar a respingar no vidro. Suspirei, fazendo o mesmo embaçar um pouco, passei a mão até que o homem que antes fumava e me observava, entrou no quarto:
— Você parece muito desanimado desde que chegou, Lancellot... Não gosto disso em meus marujos.
Quando ia abrir a boca para responder, uma estrondo muito forte tomou conta de todo resto, seguido de um grito desesperado e um clarão do lado de fora. O homem que estava comigo abriu a porta, e a única coisa que consegui ver, fora um vulto branco no meio da tempestade, que olhava fixamente para mim. Arregalei os olhos e o homem bateu a porta do quarto
— FICA AQUI DENTRO — Ele bateu a porta, e pude ouvir alguns gritos do lado de fora do quarto.
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Tinha deixado Lancellot no quarto, e encostei a porta. O vulto branco, que antes encarou Cassandra, tinha sumido depois de mais um clarão, e os outros homens corraim para lá e para cá, tentando manter o barco estável, ou se esconder da suposta "maldição" que eu tinha pregado neles mais cedo.
Quando vi a porta aberta, não pensei duas vezes. Peguei o lampião que estava no chão, prestes a se apagar, empurrei a porta devagar, entrei, e encostei a porta. Ali o silêncio estava agradável, então comecei a descer as escadas daquela sala do navio, com cuidado para não escorregar.Era uma sala como todas as outras, mas um pouco mais misteriosa, onde somente o capitão podia ter acesso, e agora eu, já que tinha quebrado as regras. Olhava ao redor e quando cheguei no fim das escadas, observei uma espécie de biblioteca. Sem perder tempo corri até às prateleiras, e com medo de faltar tempo, comecei a procurar a maldita carta. O "fantasma" que estava lá em cima não aguentaria por muito tempo, até os marujos descobrirem que não passava de um dos colegas se passando por tal. Ferdinando não perdia tempo quando se tratava de dinheiro, e concordou em assustar a tripulação por alguns minutos, enquanto eu ficava fora e lhe recompensava com algumas moedas de ouro depois.
Estava focado na procura, quando ouvi a porta se abrir. Tentei me esconder entre as prateleiras mas já era muito tarde, o capitão tinha me visto. Peguei uma luneta que estava em uma mesa de leitura no canto do barco e sem pensar duas vezes acertei o capitão com toda minha força. Ele caiu desacordado e sabia que aquilo me traria problemas, então abandonei a ideia de encontrar a carta e corri do lugar, voltando para a superfície. Sem sucesso, todos marujos pareciam saber de tudo. Me pegaram pelos braços e colocaram para trás, enquanto me arrastavam para uma sala vazia, e desciam para resgatar o velho que derrubei à pouco.
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A dama das flores
Historical Fiction"Nem tudo na vida são flores, mas quando for, regue!" Assim pensava Eleanor, uma jovem plebéia crescida no pequeno distrito de Valle nevado, No reino de Montesburgo. A moça fora criada por uma bondosa senhora, chamada Cida e por seu esposo Alírio...