Fim do Mundo

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Narrador: Jão

Aquela noite cinzenta correndo pelas ruas desertas de São Paulo na madrugada me lembravam a razão de eu gostar tanto de Pedro: ele simplesmente me entendia e aceitava as minhas loucuras - ainda que fosse sair correndo sem rumo.

- Acho que se existir um fim do mundo ele vai ser assim - Pedro falou quando finalmente decidimos sentar em um meio fio qualquer.

- Assim como? Escuro? - eu perguntei olhando para o céu, eu já sentia saudades de ver as estrelas no céu, o menino do interior que morava dentro de mim não se acostumava com aquele céu cinzento.

- Calmo - ele falou e me abriu aquele sorriso lindo.

- Eu posso te levar para o fim do mundo - eu comecei.

- Como? Com suas músicas? - o sorriso dele se desmanchou naquela cara séria e entediada de sempre (que eu detestava mais que tudo)- eu escutei sem querer no seu computador VSF. Aquilo foi para mim?

- É só uma música, esquece isso - eu desviei o olhar.

- Nunca é só uma música para você, João Vitor. Me diz. Foi para mim? - ele saiu do meio fio e parou na minha frente, me obrigando a encarar seus olhos.

- O álbum já está quase pronto, não é hora de implicar com as minhas músicas - eu levantei e puxei a minha jaqueta para fechar melhor, de repente todo o frio da noite me atingiu.

- Você não é o meu amor de fim de festa - aquilo era tudo que eu queria ouvir, mas ele disse com tanta raiva no olhar que eu não acreditava mais no significado delas.

- Não, eu acho que nem para isso mais eu sirvo, não é mesmo? - eu levantei quase o derrubando.

Ele suspirou.

-Você é dramático de mais - ele revirou os olhos.

- Ao menos eu não tenho vergonha de dizer o que eu sinto - eu não desviei o olhar dessa vez, eu não era o único errado ali.

- Foi só uma festa - ele quase gritou.

- É sempre só uma festa, só uma bebida, só um amigo, nada é importante para você - eu virei as costas e comecei a correr.

A saudade dos meus gatos, da minha casa e da minha vida tranquila apertava o meu peito na mesma proporção em que a vontade de mostrar ao mundo as minhas músicas surgia em minha mente.

Eu não podia desistir daquele álbum.

Pedro teria que entender, aquilo era muito maior que a gente, ninguém ia deixar voltarmos atrás, não com tantas músicas prontas. Com tanto trabalho para preparar a próxima turnê.

Olhei para trás para ver se ele já tinha me alcançado.

Ele nem havia saído do lugar.

Ele nem havia saído do lugar

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Narradora: Mari

Não, não passamos para a próxima fase do concurso de kpop, já vou logo dizendo antes que me pergunte. E ainda que fingíssemos não estarmos desanimadas, nem os comentários hilários da We levantaram o nosso astral no último ensaio.

E para piorar aqui estou eu no meio de uma entrevista que sei que não vou passar.

E não escrevo isso por ser pessimista não, é só a verdade. Eu posso provar:

- Você é chorona? - a dona da empresa perguntou, devo ter feito uma cara estranha por que ela continuou - eu sempre pergunto desde que contratei uma estagiária que não sabia trabalhar sob pressão e só chorava. Você é chorona?

Aquela era a minha segunda entrevista naquela empresa, tinham gostado do meu currículo original (ponto para mim) e a menina do RH gostou de mim. E agora eu estava ali sentada sem entender aquela pergunta depois de um teste de matemática, um de física e uma chuva de perguntas aleatórias.

- Eu não sou chorona - eu comecei a falar enquanto olhava para o cachorro que não parava de fazer barulho, andando para lá e para cá - eu não chorei nem quando assisti Marley e Eu.

Que raios de resposta era aquela? Ela me olhou estranho.

- Huum- ela anotou algo no papel - era só isso, obrigada por vir, quando saírem os resultados da seleção de estagiários entraremos em contato.

Eu já sabia o resultado daquilo. Era mais uma forma enrolada de dizer que eu não tinha passado.

Agradeci a oportunidade e sai dali digitando cada detalhe daquela entrevista maluca, onde tinham me perguntado até em quem eu havia a votado para presidente na última eleição (eles nem podiam perguntar isso, podiam?). Enviei cada mensagem para o menino de Portugal e ele concordou comigo: eu não tinha chances mais ali.

Não depois do Marley e Eu.

Eu já não aguentava mais aquelas entrevistas, eram sempre as mesmas coisas; falar os meus defeitos, minhas qualidades, meus planos para o futuro, provas de matemática, português, inglês, excel, por que escolhi o meu curso, por que deveriam me escolher, por que eu seria melhor que os outros candidatos, se tinha filhos, com quem eu morava.

É tudo sempre a mesma coisa.

E ninguém me quer.

Ninguém.

Eu choro baixinho no ônibus indo para a faculdade para ninguém saber o fracasso que sou. Perdi mais uma aula e dessa vez não tenho nem esperanças de conseguir a vaga.

Aquela já era a minha trigésima terceira entrevista nesse semestre (eu não conseguia me impedir de contar).

Na maior parte das empresas eu nem tinha sido chamada para entrevista, ou sequer recebido uma resposta.

Eu não aguentava mais ouvir um não.

Cada resultado de processos seletivos me faziam sentir cada vez pior.

Por que eu tinha que ser um fracasso total? Eu era assim tão incompetente que não servia nem para ser a estagiária que servia café?

O que eu estava fazendo errado?

Meu currículo era alegre demais?

Eu era sincera demais?

Eu só queria saber o que tinha feito de errado para não o passar em nenhum lugar.

Nenhum.

Nem umzinho.

Era masoquismo da minha parte, mas tinha até criado uma pasta especial no meu e-mail: REJEIÇÕES.

E cada dia ela ficava mais cheia.

245. Era a quanto de currículos que eu havia enviado- isso só contando os online.

Limpei meus olhos borrados de rímel e fui assistir minha aula. Ninguém ali precisava saber o fracasso que eu era, coloquei meu melhor sorriso no rosto e corri para sentar perto das minhas amigas.

O primeiro passo para sorrir é fingir que está sorrindo.

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Qual é a sua dica para sorrir?
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