Capítulo I

25 4 1
                                    

     As pessoas costumam dizer que depois que perdemos alguém, essa pessoa não se vai totalmente. Que mesmo ela não estando aqui, ainda conseguimos manter uma ligação. Dizem que conseguimos senti-la por onde quer que andemos. Foi o que mais me disseram quando minha mãe morreu e mesmo sabendo que eu nunca mais a veria de novo, eu tentei acreditar nisso. Tentei me apegar a ideia de que ela ainda estaria ao meu lado me dando conselhos e fazendo eu não me sentir sozinha no mundo.

     Mas, desde que ela se foi eu não sinto nada.

     Nada.

     Será que é algum problema que eu tenho? Será que não tínhamos uma ligação tão forte assim? E se tudo que achamos que sentimos por alguém, se essa ligação que todos dizem sentir, for apenas uma necessidade de não estar sozinho? E depois que esse alguém morre, vemos que nada foi real. Nada do que vivemos, dos momentos que compartilhamos valeu de alguma coisa.

     Para ser sincera eu estou cansada de pensar nisso o tempo todo. Não me lembro de ser tão paranoica com algo, de dar tanta importância a um pensamento tão irrelevante como esse. Minhas preocupações costumavam estar entre: comprar roupas novas e conseguir um namorado até o fim do semestre. E agora a coisa em mais penso é se ela ainda está aqui comigo. Besteira! Ela morreu. Simples assim.

     Enquanto olho o mar através da janela do meu novo quarto, percebo que Arpão Dourado não é um lugar tão horrível quanto eu pensei que fosse. Ela é uma enorme cidade costeira que possui esse nome porque o fundador, Antônio Marte de Albuquerque, era um caçador de baleias e usou um arpão dourado para pegar a maior baleia que rondava pelas redondezas, era uma grande aposta que ele havia feito com os coronéis donos de maior parte dessas terras e como conseguiu, ganhou tudo.

     Pelo menos é o que minha breve pesquisa no Google me revelou. Deve ser por isso que a minha mãe odiava esse lugar, além de ter surgido por causa de uma aposta, foi através da morte do seu animal preferido que essa vasta cidade praiana se pôs de pé.

     Ouço leves batidas na porta.

     - Posso entrar? - pergunta minha irmã mais velha.

     - Claro, eu só estava olhando pela janela e tentando decorar como é o meu bairro novo. - falo tentando não parecer que estou incomodada em estar em um lugar diferente.

     - Aqui é bem diferente de onde você e a mamãe moravam, não é? - fala ela sorrindo.

     - É, não tínhamos uma praia no quintal e ventos fortes durante a noite. - ameaço um sorriso em seguida, ainda tentando disfarçar o meu incômodo - Não sei como você se acostumou tão rápido a morar aqui sozinha.

     - Na verdade, não foi tão rápido assim. Acho que a minha vontade de sair de casa falou bem mais alto, então tive que ser forçada a me acostumar. Mas, e aí? Já decidiu a cor que quer para o quarto? - pergunta ela olhando para as paredes.

     - Eu ainda não pensei sobre isso.

     - Tudo bem. Quando decidir me avisa para eu poder comprar as tintas.

     Fazia muito tempo que eu não a via. Minha irmã nos deixou quando estava com apenas dezoito anos depois de uma serie de brigas com a minha mãe. Então, ela pegou sua parte da herança que meu avô tinha deixado para quando fossemos maiores de idade e saiu de casa.

     Minha mãe ainda tentou ir atrás dela, mas já estava decidida e por mais que eu odeie o fato de que ela tenha nos abandonado, senti muito a sua falta. Eu tinha apenas doze quando isso aconteceu e agora que se passaram quatro anos, não sei mais como é estar debaixo do mesmo teto que Diana, e por menos que eu goste de admitir, seus traços me lembram bastante a nossa mãe. Seus cabelos castanhos avermelhados, sua pele bronzeada e o seu físico encorpado não deixa nada fácil a nossa convivência.

     Ela vira-se e anda em direção a saída quando eu falo.

     - Diana?

     Ela para e me olha. Por mais que eu sinta vontade de abraça-la nesse momento e dizer que temos uma a outra, tudo o que falo é:

     - Azul... vou querer pintar o quarto de azul.

Pela Alma de Uma BaleiaOnde histórias criam vida. Descubra agora