Capítulo X

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Enquanto eu retomava a consciência e cuspia toda a água que quase havia me afogado, percebo que há uma multidão ao meu redor tentando checar se ainda estou viva. Ainda me sinto desorientada, porém consigo me lembrar claramente da figura daquele tubarão vindo em minha direção antes do meu desmaio. E para minha sorte, ou meu azar, ainda estou viva e intacta.

- Você está bem? - meus ouvidos não acreditam quando reconhecem a voz ao meu lado - Consegue se pôr de pé?

- Iago? O que está fazendo aqui? Me seguiu de novo? - tento falar e tossir ao mesmo tempo. Percebo que seus longos cabelos estão molhados, assim como também suas roupas.

- O quê? Claro que não! Eu trabalho aqui. - o que eu teria percebido se tivesse prestado atenção no seu uniforme azul com dourado.

- De qualquer forma, agradeço por ter pulado para me salvar daquele tubarão.

- Na verdade, não é um tubarão, é uma baleia. E não fui eu quem te salvou. - olho para ele com espanto - Eu pulei sim, para tentar te resgatar por quê nesses dois dias que ela está aqui, não deixava ninguém se aproximar. Eu pensei que ela ia te agredir ou algo do tipo, mas todos ficaram surpresos com o que ela fez...

- E o que ela fez? - digo me pondo de pé tentando digerir essa história.

- Ela te trouxe até a superfície, e foi assim que conseguimos te trazer para cima. - o quê? - Foi ela quem te salvou.

Tentando entender o que aquilo queria dizer escuto os gritos de Paola vindo em minha direção com uma equipe de paramédicos e acompanhada de um homem bem vestido que aparentava ter uns quarenta anos.

- Ali está ela!! - aponta Paola.

- Eu estou bem, não foi nada demais.

- Não foi nada demais?! Você quase morreu!! E tudo culpa da falta de segurança desse lugar! Não tem uma placa se quer avisando que tem um animal extremamente perigoso bem a nossa vista!

- Senhorita Brazuella, tente manter a calma. Foi um infeliz acontecido... - o homem bem vestido tenta acalmar o furacão que é a Paola.

- Calma? Minha amiga quase morreu e você quer que eu fique calma? Sabe o que eu vou fazer? Vou ligar para o meu pai. Ele precisa saber disso!

- Paola, não precisa! Eu estou bem. Sério. Foi um descuido meu, ninguém aqui teve culpa de nada.

- Iremos providenciar roupas secas para a senhorita e pode desfrutar de qualquer produto de nossas lojas. Tem algo a mais que possamos fazer? - continua o homem tentando não se sair mal com o pai de Paola.

- Claro que tem! - antes que eu abra a boca, Paola fala por mim - Eu a trouxe aqui para conseguirmos uma vaga de emprego para ela. E eu garanto que o senhor tem algum espaço sobrando para encaixa-la, que venha com um ótimo plano de saúde, aliás.

- Certamente. Iremos providenciar a melhor das posições. - ele vira-se para mim - Com o que a senhorita se identifica?

- Eu... - quando penso em ficar nervosa, tento me apoiar no meu cordão de baleia... - O meu cordão, ele caiu na água antes deu afundar com tudo!

- Como assim? - pergunta Iago - Se ele tiver caído não tem mais como achar.

Volto desesperada em direção a ponte. Não posso perdê-lo! Tenho que recupera-lo de alguma forma.

- Davina, volte! Ficou maluca? - grita ele.

Passeio os meus olhos pela vasta quantidade de água do tanque e não avisto nada, nenhum brilho prateado do meu cordão de baleia. Aperto os meus olhos tentando enxergar melhor, tento limpar minha visão das lágrimas que começam a cair e mesmo assim não o encontro.

É isso, a única coisa que me aproximava da sensação de estar com ela novamente foi literalmente por água abaixo. Esse cordão é a minha âncora, o alicerce que me ajuda a retomar a consciência quando acho que vou me perder de vez. E agora? Se eu cair novamente em choro e desespero, o que eu vou fazer? Como vou melhorar?

Quando finalmente desisto de procurar e dou as costas para a água, escuto um barulho vindo dela. Tento ver bem o que o fazia acontecer, quando de repente a pequena baleia põe a cara para fora d'água e me encara com um lindo brilho em seus olhos.

Todos que estavam próximo ao tanque gritaram de susto e novamente insistem para que eu retorne para fora da ponte. Mas, algo me chama para perto dela. O seu brilho, o olhar penetrante, não parecem algo comum que uma baleia possui. Ela me transmite paz e plenitude só em olhar para mim.

Assim que presto bem atenção em sua grande cabeça, percebo que ela tem algo em sua boca. Me inclino para ficar mais próximo a ela, e é quando eu sinto uma imensa alegria quando consigo ver que ela está tentando me devolver o meu cordão. Eu não consigo parar de sorrir, eu não sei como uma baleia consegue fazer isso, talvez ela seja treinada ou algo do tipo, mas ela está lá, com o meu cordão na boca.

Me deito de bruços e estico o meu braço até ela, passeio minha mão do seu nariz até sua boca, e finalmente consigo pegá-lo de volta. Ela mergulha novamente bem profundo e eu retorno para onde todos estão.

- Como a senhorita fez aquilo? - pergunta o homem que acredito ser o dono do parque - Aquela baleia não aceita que ninguém se aproxime dela desde que chegou à uns dois dias.

- Verdade. Ela ainda nem comeu porque espanta todos que chegam perto do tanque. - completa Iago.

Dois dias sem comer? Ela deve estar muito fraca, e agora principalmente por ter se esforçado para me tirar da água. Ela precisa se alimentar. Vou em direção a um dos funcionários do parque e pego de sua mão um balde com alguns peixes mortos. Volto para a ponte e tento encontrar a minha querida salvadora, ela por sua vez logo põe a cabeça para fora e me encara com o que me parece ser um sorriso.

- Está com fome? - tiro um peixe do balde e balanço em sua direção - Você deve estar fraca não é amiguinha? - atiro um peixe em sua direção e ela não demora para devorá-lo.

- Senhorita? - viro minha cabeça em sua direção - Poderia vir aqui? - dou um leve aceno de adeus para a minha mais nova amiga e vou em sua direção - Está interessada em trabalhar alimentando e fazendo companhia a essa pequena baleia?

Penso bem.

- Então, eu não precisaria falar com as pessoas ou atender clientes?

- Não, somente cuidaria dela.

- Então - aperto sua mão - quando eu começo?

- Amanhã mesmo. Suponho que a senhorita tenha escola.

- Sim, tenho.

- Então após o seus afazeres no colégio, poderá iniciar. Apresente seus documentos hoje na nossa central e organizaremos o seu cadastro e - ele olha para Paola - o seu plano de saúde.

- Isso! - expressa Paola um grande entusiasmo.

- Muito obrigada! Mas eu nunca trabalhei com isso antes, não preciso de orientações?

- Sim, de certa forma. O senhor Pribiate irá se encarregar disso.

- Eu? - pergunta Iago surpreso.

- Ele?

- Até amanhã. - ele se despede e sai.

Não me preocupo muito em Iago ter sido escolhido para isso, contanto que ele me ensine a cuidar direito da minha nova amiga. Pensando nela, volto correndo para a ponte afim de alimenta-la mais um pouco. Sua companhia foi a mais agradável que eu tive desde que cheguei aqui.

- Olá, menina! Você está com fome? - ela põe sua cabeça para fora e me encara com aquela expressão serena - Você deve estar faminta. Dois dias sem comer não deve ter feito bem a você!

Atiro mais alguns peixes até não sobrar mais nenhum no balde. Espero que ela já esteja satisfeita pois com toda certeza eu tenho que aprender a entender suas expressões, preciso mesmo de treino. Não quero errar com ela. E não é somente por eu ter sido salva, mas sim porque sinto que ela merece todo carinho e cuidado que alguém pode dar. Essa minha querida e mais nova amiga.

Pela Alma de Uma BaleiaOnde histórias criam vida. Descubra agora