Prólogo

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Enquanto minha mãe bate na porta do meu quarto, eu sinto um enorme arrependimento em ter ido dormir tarde ontem. Mas, eu precisei. Era um caso de vida ou morte quando minha melhor amiga resolve me ligar pedindo conselhos se deveria ou não, dormir com o carinha que ela estava muito afim. Mesmo tendo sido por uma boa causa, ainda estou claramente arrependida e continuo achando ser crime acordar tão cedo em pleno sábado.

Eu não devia ter prometido a minha mãe ir com ela até o alto da montanha somente para comprar uma nova estátua de baleia para a sua pequena coleção, que já chegava a trinta e cinco unidades. O engraçado é que ela só viu uma baleia apenas uma vez em toda sua vida, mas foi o suficiente para criar uma fixação por todos os tipos da espécie. Consigo perceber o nível da sua empolgação através das batidas aceleradas quase pondo minha porta à baixo.

- Acorda, Davina! Você prometeu que iria comigo! - Por que eu fui cometer esse erro?

- Já estou indo mãe, a senhora tem que entender a minha frustração de adolescente que está acordando cedo em um sábado!

- Seu drama não vai te impedir de ir comigo! Então, LEVANTA!

Que droga! Tenho que melhorar minha atuação dramática se eu quiser convencê-la a me dar um carro algum dia. Pelo visto, eu estou destinada a subir uma montanha gelada hoje só para encontrar com uma pequena baleia de porcelana que eu espero que seja pelo menos bonita.

Quando finalmente desço as escadas, de banho tomado e vestindo meu suéter rosa acompanhado de uma saia branca de babados, vejo que minha mãe está na cozinha preparando um lanche para nosso curto passeio até a loja preferida dela na Montanha dos Pinheiros.

Aproveito que ela está distraída e paro para observar o quão somos diferentes. Sobre ela ter cabelos castanhos avermelhados e os meus serem negros, sobre sua pele possuir tons levemente bronzeados e a minha ser essa palidez sem vida, e pela vantagem dela possuir os seios mais fartos e alinhados que eu já vi enquanto meu sutiã está quase vazio. A única coisa que herdei dela, pela qual tenho certeza de que posso me gabar, são os seus lindos olhos verdes, e ela se orgulha disso também.

- Olá, preguiça em forma de gente! Finalmente saiu daquela cama, estava quase tendo a certeza de que você estava se tornando o próprio lençol. - brinca ela enquanto coloca um sanduíche e algumas frutas em um recipiente de plástico.

- Ha, ha, ha! Está cheia de graça para alguém que me fez levantar as oito da manhã de um sábado. Sabia que isso poderia está afetando a minha autoestima? - eu amo um bom drama.

- E está? - ela me olha dando um pequeno sorriso.

- Não... mas poderia. E sem contar o frio que deve estar lá hoje, deveríamos desistir! - tento mais uma vez.

- Bela tentativa! Agora pega o seu casaco e vamos atrás da minha pequena beluga! - fala ela o nome de uma espécie de baleia que eu nunca vi na vida e provavelmente só irei ver em estátua de porcelana. - Se não fosse pela sua demora para levantar já estaríamos na metade do caminho.

Apesar do clima frio, decidimos fazer o percurso com as janelas abertas. Era uma coisa bem comum entre nós duas, amávamos o clima da nossa cidade e por ser perto de uma montanha acabávamos rodeadas por uma reserva de árvores, isso deixava Sombra dos Pinheiros com uma vista incrível.

Tivemos ótimas conversas durante as horas que ficamos no carro, mas felizmente conseguimos chegar bem até a Montanha dos Pinheiros, um dos nossos melhores pontos turísticos e com certeza o mais bonito. Confesso que estava desanimada antes de chegar até aqui, mas os bons momentos com a minha mãe no carro e a beleza que eu havia esquecido que esse lugar possuía, me fizeram ser capaz de me arrepender em ter pensado em não vir.

Depois de deixarmos o carro no estacionamento do restaurante principal que fica logo na entrada, caminhamos por uma estrada de pedras que nos levava a uma serie de barracas que vendiam mercadorias para presentes e lembrancinhas com pequenos pinheiros simbolizando a montanha e a cidade.

Minha mãe avista uma barraquinha azul mais à frente de onde estávamos e não demoro para perceber que se trata da razão dessa visita acontecer, e além do mais, era visível todos as estátuas de porcelana a amostra em suas bancadas. Porém, acabo me distraindo com uma pequena tenda onde tinha uma mulher indiana que aparentava ter uns quarenta anos e possuía uma trança enorme em seu cabelo. Ela estava vendendo vários artefatos, como budas e outros deuses que eu achei bem interessante, até que encontro um pequeno panfleto onde uma frase me chamava atenção: "Você acredita em reencarnação?"

Depois de passarmos a manhã toda andando, tirando fotos e admirando a pequena estátua da baleia beluga que a minha mãe havia comprado, seguimos para o carro um tanto cansadas. Foi uma manhã muito mágica para mim, a montanha não estava tão fria e a minha mãe sorria bastante, não tinha como aquele dia ficar melhor.

Assim que fechamos as portas e abaixamos os vidros ela me entrega um pacotinho embrulhado, e apesar de termos estado juntas o dia todo não a vi comprar isso. Pego e de uma forma animada abro sentindo um enorme êxtase quando vejo que é um lindo cordão com um pingente prateado de baleia. Eu simplesmente amei! E assim que ela coloca em mim um grande trovão canta no céu indicando que o dia perfeito havia acabado. Depois de agradece-la com um abraço, seguimos a estrada afim de não pegarmos uma grande chuva.

Tarde demais...

As curvas começam a se tornar perigosas, o carro começa a deslizar em alguns pontos da estrada e tudo que consigo enxergar é a neblina na rua e a água escorrendo pelo vidro. A preocupação em seus olhos era intensa e na tentativa de frearmos antes de descer uma inclinada ladeira, os pneus derrapam e acabamos sendo jogadas fora da estrada dando de frente com um grande pinheiro.

Pela Alma de Uma BaleiaOnde histórias criam vida. Descubra agora