Abro os meus olhos e sinto cheiro de fumaça. Mesmo com a minha visão estando trêmula e um pouco desorientada, ainda consigo enxergar o céu coberto de nuvens acima de mim.
Tento levantar-me pendendo uma ou duas vezes até conseguir me manter firme para caminhar. Minha cabeça dói, dói muito! Vejo que minha testa está sangrando bem onde a dor se localiza e também sinto um gosto amargo de sangue quando engulo a saliva.
Dou uma distorcida olhada ao redor e percebo que estou em uma floresta rodeada por imensos pinheiros, não consigo entender que lugar é esse, não sei como eu vim parar aqui, só sinto que preciso de ajuda.
Talvez eu tenha sido sequestrada e me jogaram no meio do nada ou eu sou sonâmbula e caminhei até aqui. Mas com toda certeza, pela imensa dor que estou sentindo, eu bati a cabeça em algo bem duro. Deve ser por essa razão que estou vendo a luz do dia extremante azulada.
Preciso caminhar, encontrar alguém que me leve para um hospital para estancar esse sangramento. Olho por cima das árvores e consigo ver uma fumaça preta surgir por entre elas. Será que alguém está acampando? Ou serão os supostos sequestradores? Não sei! Mas eu preciso arriscar, não faço ideia de quanto tempo estou com esse ferimento, sem contar que posso levar horas para achar alguém novamente.
Sigo em direção às árvores apoiando-me em algumas delas para não ver o meu esguio corpo se estatelar no chão, pois pelo que me parece já estou bastante machucada.
O cheiro de fumaça está ficando mais forte, e o odor que ela exala me parece ser algo familiar. Era como... Gasolina. De onde estou consigo avistar um carro que está chocado com uma árvore enorme. Me aproximo e percebo que os vidros estão estilhaçados e sujos de sangue envolta do capô.
Não consigo deixar de sentir um medo profundo vendo aquela cena. Passeio os meus olhos pelo local e tomo um susto ao ver uma mulher abaixada com as mãos contra o rosto. Posso ouvir ela soluçar.
Ainda não consigo ver direito, está tudo embaçado! Limpo o meu campo de visão na esperança de enxergá-la melhor, quem sabe nós duas não possamos nos ajudar? Aperto bem os meus olhos e no instante em que os abro percebo que ela está bem diante de mim.
Não pode ser...
Ela está bem aqui! Seus verdes olhos estão encharcados de tanto chorar! Seu rosto está machucado da batida! E o meu coração está transpassado de emoção quando eu grito o mais alto que posso a palavra:
- MÃE!! - as lágrimas saltam dos meus olhos no instante que reconheço o seu rosto. É ELA! ESTÁ BEM NA MINHA FRENTE! - Eu senti tanto a sua falta! - mas quando tento abraçá-la a figura de seu corpo se torna parte de toda a fumaça que nos rodeia, fazendo-a sumir de perto de mim.
Eu apenas grito.
- Davina, ACORDA!
Abro os meus olhos novamente. Porém dessa vez, não estou mais em uma floresta e sim no meu quarto. Minha irmã está com as mãos firmes em meus braços, vestida com uma camisola verde acompanhada de uma expressão preocupada direcionada a mim.
- Esse já é o seu quinto pesadelo Davina. Vai me falar o que está acontecendo? - tenho tido pesadelos com a minha mãe quase todas as noites desde a visita a cartomante. Eles são sempre os mesmos e nunca passam do quase abraço que dou nela - Você vive presa dentro desse quarto e só sai para ir a escola. Onde está aquele menino bonito que veio aqui aquele dia? Não vi você mais com ele e a Paulina me disse que você se afastou da irmã dela, a Paola. - ela se põe de pé - Vocês não foram ao parque naquele dia? Eu achei que estivesse fazendo amigos e se libertando um pouco desse seu mundo solitário.
Ela tem razão. Já faz quase duas semanas que não falo com nenhum deles. Ainda estou chateada com a ação forçada que Iago usou em ter me beijado e decidi acabar o contato com ele. Sobre Paola e Chris, os pedi para me dar um certo espaço e tempo para alinhar os meus pensamentos.
Ainda os vejo pelos corredores da escola, Iago sozinho como sempre, Paola acenando em minha direção quase todas as vezes que me vê e Chris ao seu lado ainda agindo como amigo dela. Confesso que estou curiosa para saber o que rolou aquele noite na roda gigante. Falando sobre a tal noite, a conversa que tive com a Madame Constância me fez querer pensar sobre a minha nova vida.
- Eu estou bem, sério! - tento parecer positiva em meu tom de voz - Os vejo sempre na escola, só não estava muito afim de sair esses dias. Quanto aos pesadelos, é tudo culpa dos filmes de terror que venho assistindo. Não são nada demais. - ela me encara bem e pela expressão em seu rosto não confia muito nas minhas desculpas.
- Olha, se você quiser podemos fazer mais coisas juntas. Eu posso pegar menos turnos no trabalho para irmos ao cinema ou ao shopping. Me sinto mal por você ficar tanto tempo dentro desse quarto por mais lindo que ele esteja. - diz ela olhando para as duas baleias que Iago havia pintado acima da minha cama.
- Não precisa pegar menos turnos por mim. - penso um pouco antes de falar - Eu estou pensando em ir atrás de um emprego. Na verdade, estou decidida a ir hoje. Até vou chamar a Paola para me acompanhar. - eu não estava pensando em nada disso. Tive que inventar, não quero dar motivos para que minha irmã se preocupe demais comigo.
- Sabe que não precisa trabalhar até se formar, não é? Não quero que se sinta pressionada a fazer isso.
- Não, não é por pressão. Eu acredito que vai ser um bom jeito de me fazer ocupar a mente, e também vai acabar me tirando desse quarto. Acha que é uma boa ideia? - espero mesmo que ela esteja acreditando em cada palavra.
- Se você acha que é uma boa ideia, então tem o meu apoio. Quer que eu fale com alguém lá do hotel? Posso conseguir uma vaga como assistente ou garçonete e...
- Na verdade, eu já tenho algo em mente. - dou um salto da cama e vou em direção ao meu pequeno closet. Procuro pelo short que usei no dia que fui ao parque e o encontro bem debaixo da pilha de roupas que menos uso. Vasculho os bolsos e encontro um panfleto azul dobrado - Eu encontrei isso há uns dias atrás e pensei em ir dar uma olhada. - ela desdobra o papel e lê o anúncio.
- No Parque Marinho da cidade? - ela analisa bem o panfleto, acho que está tentando entender todas as informações - Ouvi dizer que lá paga muito bem, até porque é um lugar bem requintado. Acho que você só consegue entrar lá com uma indicação de alguém que trabalhe lá ou que seja de bastante influência. Mas como eu prometi te apoiar, vá em frente!
- Tudo bem, acho que eu conheço alguém que se encaixa nesses padrões.
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Pela Alma de Uma Baleia
ParanormalDepois do trauma de perder sua mãe, Davina Marques acaba indo morar com sua irmã perto de uma praia. Mesmo tendo prometido a si mesma que não queria ter laços com mais ninguém, ela acaba criando uma forte conexão com uma baleia no parque marinho em...