O jantar decorreu tranquilo,com a família reunida e Norma com satisfação procurou discorrer sobre assuntos alegres. Ninguém mencionou os acontecimentos da noite anterior. Vera ficou conversando com os pais. Não sabia se queria mesmo postular uma carreira como julgará anteriormente. Fazer Letras e Filosofia,como era seu desejo ,lhe tomaria anos de estudos,e ela preferia o casamento bem sucedido. Marcelinho estava apaixonado e se bacharelava no fim do ano. Já falava em casamento, logo após a colação de grau. Norma olhava a filha com ar de aprovação. Vera sempre soubera o que desejava. Um bom casamento era tudo quanto ela pretendia para a filha. Já o Clóvis era um problema. Ainda bem que não pensava nisso. Não possuía maturidade para casar. Dagoberto ouviu a exposiçaõ da filha com atenção. - Como vê, papai,mesmo que eu consiga ingressar na faculdade,não cursarei. É evidente que como esposa terei outros compromissos. - É pena - considerou Dagoberto. - O diploma universitário,a profissão liberal representam um bom investimento para o futuro. - Quem se casar com o filho do doutor Vasconcelos não precisará de mais nada. Tem imensa fortuna.Será pura perda de tempo. - A cultura cabe em qualquer lugar. - Vera tem o suficiente para uma mulher. Brilha onde aparece. - Em todo caso,eu prefiro que continue seus estudos. Não sabemos se esse casamento sai mesmo. Quando ele estiver oficialmente marcado, então você deixara o colégio. - Está bem, papai. Estou segura do que afirmo. Vera recolheu-se e Norma subiu para o quarto. Dagoberto apanhou uma revista médica e, acomodando-se em gostosa poltrona, mergulhou na leitura. Clóvis no quarto, estirado no leito,sentia-se aborrecido.Aquela inércia o angustiava. O pior é que teria de ficar em casa pelo menos alguns dias para acalmar o velho. Quanto tempo aguentaria? Dois,três dias? Não era nada fácil. Estava sendo castigado. Que remédio. Também...... se as meninas não houvessem dobrado a esquina,eles não teriam corrido tanto. Se entrassem em casa, como saber qual era? Elas eram umas gracinhas. Voltariam a vê-las? Deveriam morar por ali. Não se lembrava de tê-las encontrando antes. Fez um gesto contrariado. Que azar! Nenhum dos dois vira o homem! Olhavam para o outro lado. Também , quem mandou ele não olhar por onde ia? Que maçada! Como ocupar seu tempo ali,sozinho? Olhou a pilha de livros que deveria ler para a faculdade. - Seria me castigar duas vezes - disse com raiva. - Os professores eram loucos. Quem seria capaz de ler tudo aquilo? Depois,pra quê? O que ele queria mesmo era viver,gozar a vida,ação , movimento. Nesse instante , a porta do quarto se abriu e Juliana entrou. Clóvis fixou-a assustado. Ela estava de camisola, olhos abertos,fixos em um ponto distante. Clóvis sabia que a irmã era sonâmbula. Levantou-se. Era melhor não acorda-la. Ela aproximou-se dele,dizendo com voz suave. - Aquele homem precisa de ajuda! Não o abandone. DEUS o colocou em seu caminho para que você o ajude. Clóvis sentiu um arrepio pelo corpo. Ela continuou: - Sabe do que eu estou falando.Você mentiu. Não o abandone naquele hospital.Ajude-o. Leve Juliana até lá,e ela o auxiliará. - De que está falando? - balbuciou ele por fim. - Do homem do acidente.Se não for socorrido, morrerá. Clóvis olhava a irmã receoso. Ela estava estranha. Estaria fantasiando em torno do acidente? - Não é uma fantasia de Juliana,creia. Digo-lhe que pode e deve ajudá-lo, levando-a até a Santa Casa. Clóvis apavorou-se.Juliana responderá ao seu pensamento.Como pudera saber o que ele estava pensando? - Por quê? - perguntou,sentindo ligeiro tremor percorrer-lhe o corpo. - Porque ela pode ajudar o homem. - É loucura. Não posso voltar lá. A enfermeira disse que não era grave. - Engano dela. Ele tentou o suicídio.Atirou-se na frente do carro. - Nesse caso,não temos nenhuma culpa. - Você já se omitiu uma vez,não faça isso de novo. Pode ser muito ruim para você. - Meu pai não vai deixar. Que desculpa darei? Não quero envolver-me mais nesse assunto. - Já está envolvido. Eu posso ajudá-lo Estarei com Juliana. Se a levar até lá,poderemos curá-lo! Clóvis abanou a cabeça interdito: - Quem é você? Fala de Juliana como de outra pessoa! - Ela é outra pessoa.Eu estou com ela. - Não acredito. Isso é loucura! - Sei onde moram as meninas que vocês seguiam na hora do acidente. Posso mostrar-lhe. Clóvis tremia tanto que se deixou cair sentado na cama. - Preciso ir - tornou Juliana. - Faça o que lhe peço e tudo acabará bem. - Meu pai não consentirá que eu leve Juliana. Que desculpa darei? - Esse é um problema seu. Meu recado está dado. Juliana passou a mão pela cabeça do irmão com muito carinho. - Não tenham medo. Confiem em DEUS. Voltou as costas e saiu do quarto. Clóvis estava muito assustado. Acontecera mesmo ou teria sido vítima de uma alucinação? Levantou-se procurando não fazer ruído e foi ao quarto de Juliana. A moça dormia tranquilamente. Afastou-se cauteloso e foi até a cozinha, bebeu um copo de água.A luz da sala estava acesa. Dagoberto ainda estava lendo. - Quem está aí? - indagou. - Sou eu,papai. Estava com sede. Antes que o pai o procurasse para conversar, subiu para o quarto. Com quem falar? A luz do quarto da Vera estava apagada.Ela faria um escândalo se a acordasse.Depois, contar-lhe não adiantaria. Ele mesmo ,se alguém lhe contasse não acreditaria. Foi para seu quarto,estendeu-se no leito,mas o sono custou a chegar. Que loucura! Como Juliana pudera saber o que ele ocultara de todos? Ouvira falar em telepatia.Alguns colegas da faculdade acreditavam nisso. Juliana teria lido seu pensamento? Estava dormindo; além do mais,dissera coisas que ele próprio ignorava.Seria verdade? Teriam tanto azar que o homem escolhera o carro deles para suicidar-se? A enfermeira teria mesmo se enganado ? Sendo assim,eles não eram culpados.O homem se atirara embaixo do carro. Ele não iria mais á Santa Casa.Não via em que Juliana poderia salvá-lo. Uma menina apagada e sem grandes conhecimentos.Depois,o que lhe diria? Como levá-la até lá? Ela não iria. Clóvis revira-se no leito e,por mais que desejasse esquecer o que acontecera,as palavras de Juliana o incomodavam.Ao mesmo tempo , o rosto do homem adormecido no hospital vinha-lhe á mente.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Pelas portas do coração
SpiritualEnquanto a cabeça racionaliza,o espírito sente. A razão segue as conveniências do mundo. O espírito busca a essência daquilo que é. Quando a sensibilidade se abre,energias tumultuadas e emoções novas surgem trazendo insegurança,e é preciso estudar a...