" Sou parte desta natureza" pensou. " Esta força também está em mim, comandando meu destino,movimentando meu corpo,acordando- me a alma."
Levantou-se e começou a andar beirando a água,sentindo-se gostosamente o contato de seus pés na areia molhada e na água fria. Estava feliz. Naqueles momentos esquecera o tempo,a família,os amigos.
Estavam na praia havia duas semanas,e ela sempre que podia afastava-se da algazarra geral,permitindo-se momentos de satisfação interior. Filha de pais abastados,tinha dois irmãos,prestava vestibular havia dois anos sem conseguir ingressar em um nenhum curso superior. Juliana estava com dezesseis anos e ingressara no colegial. Morena,esguia,olhos amendoados e escuros,bem feita de corpo,atraía a atenção onde passava.
Vera era também muito bonita. Mais clara,traços finos,parecia-se com Norma,sua mãe. Além disso,requintada,só vestia roupas de etiquetas famosas. Gostava de estar sempre na moda e de acordo com a ocasião. Dava grande valor aos costumes e a vida social. Clóvis era apaixonado por carros e sempre dirigia em grande velocidade. O pai,de tradicional família paulista,era médico conceituado e muito rico. Gostava de evidenciar-se entre os colegas,participava de congressos no exterior dos quais possuia certificados que devidamente emoldurados,passavam para o acervo da sala de espera do seu consultório.
Possuíam uma bela casa no Guarujá onde passavam as férias de janeiro e,no meio do ano,quando não iam à Europa,procuravam as montanhas para descansar.
Juliana continuou andando,beirando a água,imersa em seu mundo interior,sem pôr atenção nas pessoas que passavam. Não gostava do bulício das ruas nem ruídos da casa onde Clóvis estava sempre cercado de amigos e de "som" que ligava em alta frequência,obrigando Norma a interferir em benefício da tranquilidade dos demais.
Vera estava sempre ocupada com compromissos socias. Juliana era diferente de todos. Muitas vezes Norma conversava com o marido sobre o estranho comportamento da filha.
- Ela parece bem - respondera Dagoberto. - Alimenta-se,dorme normalmente.
- Ainda assim,Berto,isola-se das pessoas,não tem amigas. Quando a família reúne-se não conversa. Não é próprio da sua idade.
- Ela é quieta,só isso. É questão de temperamento. Herdou de deu tio-avô. Ele era um ermitão. Acabou tornando-se padre.
- DEUS me livre! Não quero que Juliana,tão cheia de vida,vá enterrar-se num convento. E você ainda diz que ela não tem nada?
Dagoberto olhou-a pensativo,depois disse:
- Poderia manda-lá ao Bueno para uma consulta. Ele é um bom psiquiatra.
- Também não é pra tanto assim. Ela não é desequilibrada. Talvez um psicólogo. Tenho lido a respeito; eles podem ajudar muito uma pessoa.
Dagoberto olhou-a irônico:
- Acredita nisso? Não pode ser verdade! Pensa que alguém com meia duzia de palavras pode resolver um problema de temperamento,sem remédios ou conhecimentos mais profundos? O comportamento é hereditário por uma parte e,por outra,os humores e as emoções são criados pelo funcionamento metabólico. A endocrinologia nos dá a chave de tudo isso. Com o tempo poderemos curar até a loucura. A psicologia é uma panaceia que funciona pela sugestão,como os curandeiros. Não há de querer ver Juliana às voltas com esses aventureiros. Se ela precisa de tratamento,se acha que ela tem algum problema,leve-a ao Bueno.
Norma calou-se. Berto era radical e teimoso. Quando convencionava algo,não mudava e era inútil tentar mostrar-lhe o contrário. Tinha amigas que faziam análise e mostravam-se entusiastas a respeito. Mas era um tratamento longo e,segundo percebera,essas pessoas passavam por crises e ela não sabia até que ponto isso era bom.
E se Berto estivesse certo? Afinal ele era médico conceituado,livre-docente da faculdade de medicina e,além da clínica geral e cirúrgica,tinha feito especialização em endocrinologia. Ele poderia estar com a razão.
Sentia que Juliana não deveria ir ao psiquiatra,que por certo lhe daria alguns medicamentos. Ela gostaria de encontrar alguém qie conseguisse compreender o que se passava no íntimo da filha,saber por que ela era tão diferente das moças da sua idade.
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Pelas portas do coração
EspiritualEnquanto a cabeça racionaliza,o espírito sente. A razão segue as conveniências do mundo. O espírito busca a essência daquilo que é. Quando a sensibilidade se abre,energias tumultuadas e emoções novas surgem trazendo insegurança,e é preciso estudar a...