• nota 41

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— Tá chovendo aí também?

— Uhum. A cidade tá um frio danado.

— Pois é... — Se calou por uns segundos. — E o que você tem feito ultimamente? Escrevendo muito?

— Digamos que sim... — Batia as pontas dos dedos freneticamente na mesinha de madeira. Pude ouvir uma risada curta e sem graça do outro lado do telefone.

— Ainda falando sobre cores?

— Não, deixei isso de lado.

— E sobre o que tem falado?

Você. Sempre falo sobre você.

— Humanos. — Respondi, simplesmente. — Humanos e algum drama qualquer.

— Humanos são engraçados. — Falou, e pude ouvir o barulho de seu corpo se mexendo do sofá. — Ou são confortáveis, ou insuportáveis. Na maioria das vezes, a segunda opção. Me canso deles.

— Se cansa? — Sorri. — Você também é um humano.

— Eu sei. Mas no fundo, ainda acho que estou aprendendo essa coisa de falar e respirar.

— Você fala bonito. — Sussurrei. — Eu sinto sua falta, e, bom. Se quiser aparecer pra me falar sobre o que você tem aprendido sobre humanos, eu finjo que não sei nada sobre isso. Mas, você sabe, só se quiser.

— Ei? — Chamou.

— Oi?

— Ainda dói?

— Sim.

— Antes de ir embora, eu tinha prometido que não doeria. Me desculpe, mesmo. Eu realmente não queria que fosse assim.

— Não precisa falar disso. Eu sabia que ainda iríamos cair. Tá tudo bem.

— Não tá tudo bem. Você não tá bem.

— É que eu me confundo muito. — Disse, jogando as costas de vez na cadeira do escritório. — Tem umas vezes do dia que meu coração bate acelerado e eu sei, juro que sei, que você se foi para que nós dois pudéssemos viver. Mas às vezes eles bate devagar demais e sente tanto a sua falta, tanto...

— O que a doutora disse, Joon? — Ela perguntou.

— Que eu deveria parar de escrever sobre você.

— Você realmente parou?

— Não. Talvez seja por isso que eu esteja morrendo agora.

Por um instante, sustentamos um silêncio que, apesar de ser silêncio, gritava muito alto. Minhas mãos tremiam, e todas as vezes em que eu fechava os olhos, só conseguia pensar na possibilidade dela estar do lado de lá, pensando no que dizer, imaginando tudo o que um dia nós fomos e tudo o que nos tornamos. Não sei porquê, mas tenho impressão de que ela também esteja digerindo o fato de que merecíamos mais do que uma vida de mentira. Merecíamos mais do que éramos, e isso sufocava.

— Joon-ah? — Me chamou. — O que você tem escrito sobre mim?

— Que seu jeito de ver o mundo mata de formas bonitas demais.

Ela estalou a língua. Eu podia imaginar seus olhos piscando rápido e seus lábios abrindo e fechando na tentativa de dizer algo. Podia fechar os olhos e imaginar o contorno de sua pele, os cílios se batendo um no outro e a testa suando enquanto ela andava para cá e para lá com o telefone nas mãos.

— E isso mata você? — Ela perguntou.

— Todos os dias.

Que Seja Válido • JoonOnde histórias criam vida. Descubra agora