• nota 43

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Ela ficava andando de um lado para o outro no quarto, procurando sabe-se lá o que.

O cabelo estava bem moldado, e ela dizia que tinha aprendido um penteado novo. Os olhos eram tristes e melancólicos. Algo neles dizia que ela não estava bem. Suas mãos contornavam de leve o próprio corpo, como se ela duvidasse de sua própria pele. De repente, numa mistura de seu medo e confusão interior, parou no lugar e olhou pra mim, deitado na cama entre os lençóis.

— Já sentiu como se algo estivesse levando seu corpo embora?

— Me explique melhor.

Ela se calou e negou com a cabeça, não querendo prosseguir com o assunto. Olhou pra a porta do quarto, e olhou pra mim. Deu de ombros. Disse que não importava e que no outro dia o vento não jogaria sua voz fora. Andou três passos e se deitou na cama. Deitada de lado de corpo, mas de frente pra mim, deu um meio sorriso. Era como se ela não fosse ela. Vi os poros e umas manchinhas espalhadas pela sua face, e tentei decifrar o quanto lágrimas já rolaram pelo rosto bonito. Fechou os olhos e respirou fundo. Ela não sabia o que sentir. Talvez nada fizesse sentido dentro daquela cabecinha. E enquanto ela sorria em falso, imaginei que seu pulmão estivesse bêbado de tanto se sufocar. Mas mesmo assim, admirei os desenhos no seu corpo.

Deixei minha mão contornar seu ombro. "Você seria uma letra linda", eu disse. Ela de nada respondeu, só continuava fingindo que não estava se forçando para não morrer.

Forçar.
Forçava.
Sorria.
Chorava.
Segredava:

Espero que me mantenha viva naqueles textos que você escreve.

Segurou minha mão por cima da minha palma, chegou mais perto. Eu ouvia seu coração batendo forte. Sabia que o calor na sua pele gritava e implorava por ajuda. A garganta ardia ao segurar um choro profundo. Tem uma voracidade ardente no jeito que ela mordia os lábios, e eu sabia que nenhum de nós dois sairíamos dali vivos. Ela é tão bonita. As dores mais belas lembram ela. A destreza no arranhar, no apertar e abraçar, no grito silencioso que implorava por um beijo. Eu amava a dor, mas ela não sabia disso. Corpos grudados. A lua chorou lá fora, porque não queria ir embora.

Eu lia sua pele.

Moça bonita,

Se escreve tão bem.

Lábio rachado. Arte gritada, abraçando meu corpo durante toda madrugada. Pele gelada, corpo sem controle próprio. "Você tem é uma letra tão bonita", eu disse pra ela, outra vez. Ela de nada respondeu. Só me olhou com os olhos brilhando de um jeito curioso e beijou meu queixo com cuidado. Sussurrou que gostava de beijar minha pele. Amaldiçoada pela luz da janela, ela se achegava mais e apertava meu corpo com a força de quem precisa parar de voar. Se forçou a sentir algo bonito, e de tanto se forçar, se perdeu. Não pôde sentir mais nada. Os planetas lá em cima sabiam que uma estrela da terra havia se perdido de si. Ela foi morta. Morta por anedomia (que é a arte do cérebro de não sentir mais nada). De repente, nem a dor doía mais.

E então, de tanto querer sentir sem poder,
Se foi.

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