Capítulo 15

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GRACE EDGELL

-Grace, pare de fazer isso.

-Não estou fazendo nada.

-Sim, está. - Charlie coloca o pequeno vaso de flores em seu devido lugar - Você está olhando-me de maneira estranha.

-É preocupação contigo.

-Não há necessidade. - Solta uma bufada de ar e revira os olhos - Estou perfeitamente bem.

-Eu sei que não está, seu nariz está vermelho e tudo em seu rosto prova que andou chorando bastante.

-Todo mundo chora, Grace.

-Você é uma criança.

-E o conde é meu avô. O mundo é injusto, não?

-Não fale assim, Charlie. - Sento-me ao seu lado - Deve haver algo que possamos fazer. Detesto vê-la assim.

-Eu quero passar o dia com Anthony. - Seus dedos começam a remexer-se em seu colo e a pequena mantém seu rosto abaixado - Queria abraçar meu irmão pelo resto do dia, mas preciso ter minhas aulas.

-Podemos tê-las outro dia.

Mentira, tecnicamente já estamos bem atrasadas no cronograma e mais um dia perdido seria um completo caos, mas Charlotte está sofrendo. É justo que passe um tempo com o irmão, não duvido que consiga, Anthony faria qualquer coisa pelos irmãos.

-Não, se eu perder muitas aulas mamãe ficará chateada. Logo minhas irmãs estarão aqui e tudo ficará bem.

-Tens certeza?

-Sim, vamos continuar. Estávamos iniciando as lições de francês.

Sem outra escolha, concordo e demos continuidade às lições. Consigo compreender melhor toda a proteção de Anthony para com sua família, eles são assustadoramente próximos e parecem importar-se verdadeiramente uns com os outros. É algo um tanto inusitado, levando em conta que são todos da alta nobreza.

Um marquês, um visconde e um futuro conde na mesma casa, uma das irmãs casou-se com um duque e as outras duas estão em fase de estudos ainda. Se ambas encontrarem maridos com grandes títulos também, os D'Evill serão a família mais desprezada e respeitada do país. Desprezada por suas peculiaridades e respeitada por sua influência.

O dia seguiu-se de maneira arrastada, Charlie aparentou certo desinteresse e quem poderia culpá-la? Em momentos difíceis preferimos um momento de paz e solidão, não conjugar verbos e recitar literatura. Em uma tentativa de animá-la começamos a passear pela casa para praticar seu francês, apontando para móveis, criando problemas e incentivando-a a encontrar soluções e respondê-las no idioma.

No piso inferior paramos diante de imensas portas duplas de madeira escura, a estrutura da casa é um tanto distinta e projetada com um pé direito bem elevado, consequentemente as portas acompanham a altura, mas estas parecem mais intimidantes que o normal.

-O que há aqui?

-A galeria. Nunca a visitou?

-Costumo passar meu tempo na casa ao seu lado, se você não visita eu também não.

-Não seja por isso. Venha, vou lhe mostrar.

As portas foram abertas e um enorme salão surgiu diante dos meus olhos. Tapetes certamente importados enfeitam o piso, quadros dos mais diversos tamanhos enfeitam as paredes e a luz no sol invade o ambiente pelas janelas estreitas. As pinturas são uma verdadeira linha temporal da família e sinto-me extasiada com tamanha beleza. A aparência dos D'Evill remete a certo padrão, como se firmasse sua legitimidade.

-É lindo. - Observo o primeiro quadro. Um cavaleiro loiro está montado sobre o cavalo branco em uma formosa armadura brilhante, os olhos verdes e sombrios encaram o espectador com certo ar de desdém, como se não nos achasse dignos de sua presença.

O pequeno retângulo de ouro logo abaixo da pintura indica seu nomenclatura e exibe com louvor do dizeres "Callum Finley D'Evill - Marquês de Brightdown".

-O título do papai é muito antigo, da Idade Média. - Charlie responde, parecendo um pouco mais animada.

-Sério? Eu sempre soube que era antigo, mas não tinha noção do quanto.

-Foi um período de muitas batalhas por conquistas territoriais, meu antepassado destacou-se na cavalaria pela bravura e as habilidades em manusear a espada montado. Quando vencemos o rei presenteou os guerreiros mais valentes com títulos de nobreza e criou os marqueses, bravos guerreiros que agora eram responsáveis pelas terras de fronteira do país. Pois isso somos vizinhos do marquês de Zidenville.

-Sua família tem uma história bem interessante.

-Precisa ouvir papai contando. Ele disse que devemos ter orgulho de nossa família e que o senhor Callum foi muito valente para nos presentear com a honraria do título. Quando Tony herdar o título ele será o décimo quinto marquês.

-Décimo quinto?

Charlie aponta para o outro lado da galeria e meus olhos fixam nos quadros ali, o marquês parece olhar sério para o pintor enquanto aquela obra fora feita. Os cabelos elegantemente penteados para trás, trajes negros simples destacam o porte atlético e sua beleza natural. O quadro ao lado era o da marquesa, os cabelos negros presos em um coque, vestes claras e simples de baile, um colar de diamantes no pescoço com uma enorme esmeralda envolta por eles. A julgar pela aparência dos dois, eu diria que os quadros foram pintados logo no início do casamento.

E um dia o quadro de Anthony estampará essa parede, bem ao lado dos seus pais. Seria realmente isso que desejo para a minha vida? Eles são da alta nobreza, vidas dependem deles. O marquês e a marquesa são os intermediários entre o povo da região e o rei, o parlamento. Céus, tudo o que desejava era um emprego, como posso ter aceitado o cortejo de um visconde? Um futuro marquês! Lady Olívia é filha de um conde e eu? Meu pai fora um ótimo médico, viciado em trabalho, jogatina e prostitutas que morreu em um duelo estúpido por se envolver com uma nobre casada.

É isso que as futuras gerações veriam ao passar por aqui? Ter um retrato meu nessas paredes e pregar para seus filhos terem orgulho de quem são e da família que pertencem? Se orgulhar de uma marquesa com essa história?

-Dizem que mamãe e papai se casaram por obrigação. - Charlie olha encantada para os retratos dos pais - Eu sinceramente duvido, veja como são felizes. Victoria costumava me contar histórias de aventuras da família antes do meu nascimento.

-Houveram muitas?

-Tony, o mais velho de todos os filhos, tem catorze anos a mais que eu e Lilibeth, a mais nova depois de mim, tem seis. Mamãe deseja ver todos os filhos casados e felizes como ela e papai são. Primeiro foi Vic, logo será Tony e assim por diante. Verei cada um deles se casando e indo para longe enquanto eu permaneço aqui.

-Você se casará um dia também, Charlie.

-Acreditas mesmo nisso? Eu não acho que alguém vá me querer, não sou uma dama convencional e ainda que queiram, eu não teria forças de ir para longe e ficar afastada dos meus pais. Vovô está morrendo e o simples pensamentos de um dia isso acontecer com meus pais e eu estar longe me causa pânico. Vovô está morrendo e eu não estou lá.

Visconde Indecente - Os D'Evill 02Onde histórias criam vida. Descubra agora