GRACE EDGELL
-Por que eu lhe contaria? Sinceramente, o senhor não poderia me ajudar.
-Por que és uma boa pessoa?
-Não sou uma boa pessoa.
-Podemos fingir que sim.
Seu olhar risonho, as mãos nos quadris e o sorriso torto no rosto simplesmente impedem que meu cérebro raciocine como se deve. Os primeiros botões de sua camisa branca estão abertos e consigo ver poucos pelos dourados, as calças cor de caramelo abraçam suas pernas tão bem, juntamente com as ilustres botas pretas. E os cabelos? Bagunçados pelo vento, mas charmoso de igual forma.
-Não delatarei nada sozinha, milorde. O senhor terá que compartilhar algo também.
-Certo.
-Posso confiar? - O olho de maneira desconfiada.
-Pode, Grace.
-É senh... Esquece.
-Pode começar seu relato. - Seu sorriso aumenta e ele cruza os braços sobre o peito.
-Meu pai foi um bom médico.
-Doutor Edgell, lembro-me dele.
-Alguns anos atrás meu pai começou a jogar e beber bastante. Quando terminei meus estudos já nos encontrávamos praticamente falidos. - Respiro fundo, reunindo minha coragem para continuar - Meu pai viajou para Elbenia, pensamos que seria a trabalho, mas dessa vez ouve problemas. Meu pai foi flagrado com sua amante, a esposa de um nobre, que por consequência o desafiou a um duelo por honra. - Rio amargamente, abraçando a mim mesma em uma falha tentativa me auto-conforto e amparo, sinto meus olhos começarem a lacrimejar mesmo tentando resistir - Meu pai era médico, não um guerreiro hábil. Ele não teve a menor chance. Viramos piada entre os moradores da região, tive que assumir as responsabilidades da casa e usei nossas últimas reservas de dinheiro para sanar o restante de dívidas acumuladas pelo meu pai.
-Grace, eu realmente sinto muito. - Anthony dá dois enormes passos em minha direção e rapidamente estou envolta por seus braços em um abraço apertado. Eu mentiria se dissesse que em meio as lágrimas não me aproveitei para desfrutar da dureza de seu peito e seus músculos.
-Passei o último ano fazendo pequenos trabalhos e conseguindo dinheiro para nos manter. Agora minha mãe se casará com o padeiro da vila e não posso permitir que ela leve Mary. Sou maior de idade, mas ela é sua responsável e eu simplesmente não posso. - Um soluço forte me escapou da garganta e agarro-me ainda mais em sua blusa - Não posso.
-O há de errado?
Sei o que ele deve estar pensando. Não é certo que uma moça solteira viva sozinha, mas não ligo para o que as pessoas dizem, desde que saí da Escola de Moças minha vida mudou completamente. Meu pai não pensou em sua família, minha mãe passou a tentar instruir minha irmã enquanto eu trabalhava para nos manter. Preocupar-me com os talheres durante o jantar ou minha postura à mesa é o último dos meus problemas.
-O padeiro tem um filho, não posso permitir que Mary fique perto dele, viver na mesma casa é impensável. - Não é atitude de uma dama, mas acabei fungando em meio ao choro. Toda essa situação já é estranha e inapropriada, quem liga?
-O que quer dizer com isso, Grace? - Seu tom de voz soou mais duro, porém seus braços não me deixaram assim como seu aperto.
-Ele sempre foi conhecido por seus hábitos estranhos, sempre olhando para as crianças de maneira estranha. Há boatos ruins sobre ele, mas nunca comprovaram nada. Ele sempre foi assim, lembro-me de seus olhares esquisitos sobre mim antes de ser mandada para a escola de moças. De uns tempos para cá venho flagrado esses mesmos olhares para minha irmã e estou com tanto medo.
-Nada acontecerá a ela, Grace. - Anthony começou a nos balançar de um lado para o outro, como uma dança lenta - Eu não permitirei que nada de ruim ocorra.
-O senhor não pode me garantir isso. - Afasto-me dele, secando as lágrimas e fazendo uma careta para o estado em que deixei sua blusa. O branco havia se tornado transparente em alguns pontos e marcava seus traços físicos - Milorde não é Deus para proteger a todos.
-Me chame pelo nome, não há ninguém por perto, toda a formalidade é desnecessária. - Disse voltando para perto de mim - Não sou Deus, mas gosto de garantir a segurança dos que importam.
-Milorde mal me conhece.
-É Anthony e quem lhe garante que não a conheço? Confesso que observá-la é fascinante para mim. Gostaria de evitar, mas não consigo. Quero conhecê-la de verdade, Grace. Sejamos ao menos amigos.
-Não acredito no senhor. - Seco uma última lágrima insistente tentando recompor a postura.
-É verdade, não deveria acreditar em mim. Amigos não têm as mesmas intenções que eu, Grace.
-Como?
Suas mãos vão para meu rosto e ele se abaixa um pouco para conseguir olhar em meus olhos. Suas esmeraldas verdes parecem ainda mais brilhantes de perto causando um enfraquecimento em minhas pernas. Os lábios bem desenhados e rosados estavam entreabertos e a expressão de seu rosto causou-me um arrepio na espinha.
-Quero desesperadamente lhe beijar, Grace, mas não a atacarei como na última vez. - Seu rosto está mais próximo, sua respiração quente atingindo meu rosto - Diga-me que permite.
-Sou a preceptora. - Minha última tentativa de agarrar-me a sanidade, mas quando Anthony esfregou a ponta de seu nariz com o meu senti o juízo escorrer por meus dedos como água.
-Eu sei que é errado, mas realmente tentei ficar longe. Permita-me que te conheça, Grace.
-O senhor deve cortejar alguém da alta nobreza como o senhor é.
Meu pai foi o sexto filho de um barão e não tinha uma boa relação com sua família, assim que concluiu a faculdade de medicina e casou-se com minha mãe decidiu esquecer de seus parentes. Tecnicamente pertenço a baixa nobreza, o ramo empobrecido da família, o mais abaixo possível da hierarquia.
-Nunca pensei que de fato chegaria este dia, mas quero cortejar alguém pela primeira vez na vida. - Um enorme sorriso surge em seu rosto, fazendo minhas pernas desfalecerem um pouco mais - Quero conhecê-la melhor, Grace.
-Milorde...
-Anthony!
-Mas o senhor...
-Anthony!
-Anthony.
-Isso. - Seus polegares acariciam meu rosto e tento a todo custo lembrar-me do quanto isso é errado - Quero beijá-la Grace, me permite?
-Sim, Anthony.
Então seus lábios macios tocaram os meus e pude desfrutar do rápido sentimento de que tudo está certo com o mundo.
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Visconde Indecente - Os D'Evill 02
RomansEssa é uma história de minha autoria, ou seja, DIREITOS AUTORAIS. É sempre bom lembrar que plágio é CRIME! Ele é teimoso. Ela é irritante. Ele é o filho do marquês. Ela é a preceptora. Anthony D'Evill nunca fugiu tanto de casamento como nos últimos...