Sobre os enganos e as certezas que nos separam

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Por muito tempo Renjun viu-se refém de um estranho sentimento de vazio. Talvez, sobre o ponto de vista alheio, aquele sentimento não passasse de uma frescura, algo tipicamente infantil —  Renjun sempre tivera alguém com quem contar afinal, porque haveria de se ver no direito de reclamar?  —, mas quem estivesse na posição do menino com certeza entenderia com clareza que não era tão simples assim lidar com aquele tipo de perda. Não era tão simples assim porque, diferentemente das outras crianças, Renjun não havia deixado seu amigo imaginário ir embora por conta própria.

Renjun nunca fora bom em lidar com perdas, ainda mais quando estas vinham acompanhadas por promessas quebradas. Já era grandinho, haveria de se preocupar com coisas muitíssimo mais importantes, mas nunca conseguira deixar de pensar em Nana, nunca conseguira deixar de pensar que ele havia ido embora sem se quer se despedir.

O Huang nunca se atrevera a comentar com os outros sobre tal sentimento de vazio, quanto mais deixar aparente tal desconforto. Haveria de superar aquilo sozinho, haveria de entender que era assim que o mundo funcionava. Não deveria culpa-lo, provavelmente Nana havia ido embora porque era obrigado, provavelmente ele havia ido embora porque Renjun já não era mais uma criancinha. Não era exatamente assim que as coisas deveriam ser?

E mesmo quando o superou, mesmo quando pensar em Nana já não lhe causava tanto aperto em seu coração, mesmo quando ele fingia não se lembrar de nada do que seu doce príncipe havia lhe aconselhado, ele ainda parecia preso a certos hábitos, parecia preso a certos lugares.

Depois de alguns anos o trailler já não era um destaque em meio ao ferro velho, a tinta amarela já havia perdido todo seu brilho. Ainda assim as memórias, bem como as marcas que Renjun, Nana, e até mesmo Jeno, haviam deixado ali, permaneciam vivas e vigorosas, de modo que, o Huang sempre se sentira movido a passar as tardes em que não possuía qualquer companhia, exatamente ali.

Naquela ocasião, fora por seu hábito estar se repetindo, que este tivera contato com algo que naquele momento não lhe causara nada além de arrepios, mas que carregava muito mais significado do que este haveria de suspeitar.

Era outono. As árvores alaranjadas deixavam folhas nos cabelos do pequeno garoto enquanto este caminhava despreocupado pelas ruas de Fireflies. Renjun estava sozinho, Chenle e Yangyang estavam no treino de basquete, já Mark ocupava-se com um trabalho em grupo. O plano do garoto consistia em ocupar seu tempo desenhando até que o sol se posse. Provavelmente seus pais, ou ao menos Mark, estariam de volta àquele ponto.

O garoto caminhou entre os carros com cuidado, haveria de se certificar de que não se machucaria, — sua mãe não poderia suspeitar que ele continuava se arriscando indo ao ferro velho, não haveria mais como disfarçar seus machucados, Jeno já não se preocupava mais em estocar band-aids —, então acabara ouvindo as vozes ainda de longe.

Não era novidade para o mais velho que Jeno também visitava o local com constância. Entretanto, pelo o garoto ter sumido de novo pouco tempo atrás, Renjun se vira extremamente surpreso ao notar que era o Lee que estava ali.

— Não fui eu, foi ele...mas eles não acreditam em mim Jun... Acham que eu estou mentido... — Jeno confessara ao amigo, as mãos denunciavam seu nervosismo. — Sei que ele quer me mostrar algo... Talvez, talvez ele não seja assim tão ruim... Mas ele sempre quer machucar a mamãe e o papai...às vezes até o Mark.

O Huang engolira em seco após a estranha confissão de Jeno. De quem ele estava falando? Quem queria machucar Mark?

— Eu não consigo entender muita coisa do que ele me diz...sei que ele fica bravo com isso, sei que ele fica ainda mais bravo quando eu escuto o outro menino.... Ele me disse que eu preciso encontrar o outro garoto, me disse que eu tenho que explicar a eles que por mais doa, os três tem que ficar juntos...me disse que eles estão completamente enganados sobre a nossa história e sobre ele...disse que eles não se lembram de tudo, por isso agem assim. Ele me disse que o amor dos 3 é a cura para a ferida do tempo.... Mas eu não consigo entender Jun, não consigo entender do que é que ele está falando... E se e-eu não o escuto, se e-eu não o escuto eu não tenho controle sobre mim mesmo... — Jeno sentira um amargor em sua garganta, deixando a saliva descer arranhando pelo seu esôfago. — V-você acredita em mim Jun...? Acredita que não sou eu quem faz essas coisas ruins? Acredita que existe alguém dividindo o mesmo corpo comigo?

Para onde eles vão? - Norenmim Onde histórias criam vida. Descubra agora