-Bom dia, A-Chen... - disse uma voz sonolenta adentrando a pequena cozinha. Ele estava com os curtos cabelos devidamente penteados e molhados, partidos ao meio, as duas mechas mais longas da frente estavam presas atrás das orelhas enquanto ele vestia um pijama inteiramente branco. A figura ligeiramente mais alta a sua frente parou de coar o café e se virou, levemente ruborizado. Seus cabelos eram ainda mais curtos, bem como sua franja que não ultrapassava a altura dos olhos, ele estava com uma camiseta preta de mangas curtas e uma calça de moletom da mesma cor. Ambos eram bem altos e parecidos, tanto na aura que emanavam quanto nos aspectos físicos, apesar do mais baixo ser um tom mais branco e ter feições mais delicadas.
-Ainda acho muito estranho você me chamar assim. - admitiu evitando encará-lo. O de branco sorriu docemente indo até um dos armários para pegar dois pratos. O apartamento em si era pequeno, cerca de 40m², uma cozinha integrada com a sala, um único quarto e um único banheiro. Não fazia mais de dois meses que ambos moravam juntos e eles evitavam tocar no assunto do porquê dessa decisão ter sido tomada. - Seu chá já está pronto.
-Obrigado! Você é sempre tão proativo... - comentou pegando a caneca sobre a bancada e foi a vez do outro sorrir.
-Vai pro hospital hoje?
-Sim... - suspirou cansado.
-Que estranho você reclamar de ter aula, não amava aquele lugar?
-É que hoje estou designado para a emergência e o chefe de lá é muito... Exigente... - lamentou olhando fixamente para as ondulações do líquido amarelado em sua caneca.
-Não é como se você não pudesse superar as exigências de alguém, XingChen. - disse divertido colocando os recipientes com a comida na mesa e sentando numa das duas cadeiras ao redor dela.
-Você realmente tem muita expectativa em mim. É o namorado mais babão que eu já tive. - brincou sentando-se na única cadeira que restara vazia.
-Não é como se você tivesse tido outros namorados. - respondeu em zombaria servindo seu próprio prato.
-Eu apenas não poderia ter mentido pra você todo esse tempo?
-Você não sabe mentir.
-É, tem razão. Eu não sei. - disse dando um suspiro exagerado, como se tivesse acabado de perder uma longa discussão.
A rotina deles era imutável desde que começaram a viver juntos, quem acordava primeiro adiantava o café da manhã, então comiam, Song ZiChen se arrumava para seu trabalho no setor administrativo de uma empresa não muito longe dali e Xiao XingChen para seu estágio, estava na reta final da faculdade de medicina. Passavam todo o dia fora e no início da noite se reencontravam, contavam como havia sido o dia, cozinhavam o jantar, comiam, tomavam banho e iam dormir. Apesar da renda deles não ser muito alta, não era um tipo de vida que incomodava a eles, ambos tinham muita paciência e sempre buscavam fazer tudo da melhor maneira possível. Nada da rotina mudava e eles gostavam disso.
Naquele dia, tudo foi igual, terminaram de se arrumar e saíram juntos para o ponto de ônibus.
-Tô pensando em comprar algo pra comermos mais tarde no caminho de volta, o que você acha? - perguntou ZiChen enquanto esperavam a condução um pouco mais afastados da multidão no ponto, ele evitava contato físico a todo custo.
-Excelente! Se você não trouxer trabalho pra casa hoje, podemos aproveitar pra ver um filme.
-Vamos! - respondeu com um leve sorriso se permitindo olhar por um momento o homem que estava a sua frente, comparado com toda àquela gente Xiao XingChen parecia reluzir como se tivesse um brilho próprio. Ele ficava lindo naquela camisa de gola rolê branca, seus cabelos estavam perfeitamente penteados e secos enquanto as mechas da frente descansavam atrás das orelhas, mas alguns fios ainda escapavam para adornar as curvas suaves de seu rosto. Song ZiChen não se cansava de olhar como parecia que aquele homem tinha sido esculpido por algum artista habilidoso, ele destoava com aquele cenário caótico, barulhento e poluído como se não pertencesse a ele e realmente não pertencia, mas nunca sequer reclamou de alguma coisa, ao invés disso repreendia todo e qualquer comentário negativo do parceiro tentando enxergar o lado bom de cada acontecimento ruim e o acalmando com seus doces e delicados sorrisos, não existia uma só pessoa que não gostasse dele, era impossível não se sentir confortável perto de alguém assim. ZiChen tinha certeza que faria de tudo pra fazê-lo feliz.
De repente alguém passou apressado e esbarrou no mais alto que com um reflexo o empurrou forte o suficiente para derrubá-lo, se afastando logo em seguida.
-Você está bem? - perguntou XingChen se abaixando e oferecendo a mão à pessoa caída. Era um jovem, não devia ter mais que 18 anos, era bem magro e estava um pouco sujo também - Perdoe-o... Ele é um pouco misofóbico, não gosta muito de ser tocado, mas não fez por mal. - o rapaz ficou parado por um instante observando a figura que lhe estendia a mão e como ele parecia, de alguma forma, diferente de tudo que ele já viu. Mesmo assim ele ignorou a mão estendida, se levantou rapidamente, deu ao outro um olhar frio e estreito pelo canto dos olhos e saiu correndo mais uma vez por dentro da multidão, logo em seguida outro rapaz vinha correndo atrás, esbaforido.
-Pelo amor de tudo que é mais sagrado, pare de correr! Volte já aqui! - não deu pra ver bem, mas ele parecia ser mais velho, apesar de ser mais baixo que o jovem que acabou de passar por eles, mesmo estando extremamente bem vestido, não parecia que estava perseguindo um bandido ou algo assim, mas sim alguém da família.
-Se não fosse por nossos trabalhos, eu ia sugerir que a gente se mudasse daqui o mais rápido possível... - comentou ZiChen com os braços cruzados no peito - Cada dia que passa essa cidade tá mais estranha. - XingChen deu uma rápida risada com uma das mãos fechada na frente da boca antes de responder.
-Eu gosto daqui. Não é extremamente calmo, mas também não é monótono.
-Existe algo que você não goste, XingChen?
-Hm... - ele pareceu realmente pensar sério por alguns instantes, mas foi acordado de seus pensamentos quando o ônibus chegou - Juro que vou achar uma resposta e te digo à noite! - disse animado se dirigindo até a porta do ônibus onde as pessoas se espremiam pra passar e ele sumiu no meio do emaranhado de corpos. Song ZiChen deu as costas e seguiu seu caminho até o trabalho, era apenas a algumas quadras dali, mas gostava de acompanhar o namorado até que seu ônibus chegasse. Ele próprio, por outro lado, preferia morrer a ter que entrar numa condução lotada como costumavam ser, não apenas por sua misofobia, mas ele gostava de sentir a brisa da manhã beijando seu rosto e sussurrando coisas inaudíveis em seus ouvidos, sentir o cheiro das flores pelo caminho e, é claro, ficar longe da maioria das pessoas.
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Vislumbre [concluída]
Fiksi PenggemarA vida de Xiao XingChen foi dividida entre dois momentos: a calmaria de um jovem estudante com carreira promissora e o recomeço de alguém que perdeu tudo e se viu completamente desamparado. Dois homens, em dois momentos distintos, apareceram em sua...