Tudo começou com os exames de ultrassom. As máquinas diziam que não havia bebê em meu útero. A Dra. Uche foi a primeira médica a fazer o exame. Ela tinha olhos pequenos que flutuavam em uma piscina de lágrimas estagnadas que se recusavam a rolar. A luz em seus olhos cintilou quando ela me deu a notícia.— Sra. Ajayi, não há bebê nenhum.— Eu a ouvi da primeira vez, e da segunda também — falei.Ela continuou olhando para mim com seus olhos cintilantes como se esperasse que eu fizesse alguma coisa. Chorar? Gritar? Pular em cima da mesa e começar a dançar?Ela se inclinou para a frente em seu assento.— Há quanto tempo está grávida?— Achei que tinha dito que não há bebê.A Dra. Uche abriu um sorriso cauteloso. Eu já tinha visto aquele sorriso antes, no rosto de meu pai. Era um sorriso discreto, que dava a impressão de que a qualquer momento sua boca ia explodir em um potente grito por ajuda. Era o sorriso especial reservado à sua terceira esposa, aquela que certa vez foi ao mercado nua. Aquela que estava sempre conversando com pessoas que ninguém mais conseguia ver.
— Posso olhar os resultados? — pedi.
— Eu quero falar com você sobre essa gravidez — disse a médica.Ela obviamente achava que eu estava ficando louca.
— Já ouviu falar do salão de beleza Perfect Finish? — perguntei.Ela fez que sim com a cabeça.
— Conhece o Capital Bank?
— Sim, tenho conta lá.
— Eu sou a proprietária do Perfect Finish e meu marido é diretor do Capital Bank. Obtive meu diploma em Ifé. Não sou uma maluca que vive na rua. Por que quer falar sobre agravidez comigo se acabou de dizer que não há bebê?
A Dra. Uche colocou a mão na testa.
— Senhora, me desculpe se soei condescendente. Estou apenas preocupada com a sua saúde, com a sua saúde mental.Ela disse saúde mental em um tom tão sussurrado, como se tivesse medo de ouvir as próprias palavras, que eu me questionei sobre o seu próprio estado mental.
— Doutora, eu estou bem. Apenas me dê os resultados. Há muitos pacientes esperando.Ela me entregou os laudos.
— Isso acontece, esse tipo de... gravidez. Com mulheres que não podem ter... que ainda não tiveram filhos. Acontece. Os sintomas da gravidez estão lá, mas não há bebê. Estamos de acordo que você não está grávida, certo? Talvez você devesse se consultar com um ginecologista novamente para discutir o problema. Eu vi no seu histórico médico que você já fez diversos exames, mas talvez possamos fazer mais alguns.
— Vou pensar a respeito.Fui para o corredor com a mão sobre minha barriga ligeiramente inchada, sem me deixar abalar pela descrença de Akin e da médica. Eu me sentia como um balão inflado de esperança e de um bebê milagroso. Pronta para flutuar por sobre as alas do Wesley Guild Hospital.*Akin começou a rir quando eu lhe disse que Funmi queria morar conosco durante a minha gravidez. Estávamos nos preparando para dormir; eu já estava vestindo minha camisola branca, ele ainda estava despindo a roupa de trabalho.
— Aquela garota? Em todo caso, de que gravidez está falando? Eles confirmaram no hospital?Ele tirou o cinto com um puxão; o couro golpeou a cama como um chicote.
— A médica que me atendeu não sabe o que está fazendo. Ela precisa de óculos, estou lhe dizendo. Disse que não conseguiu ver meu bebê... Um bebê que já começou a chutar.
— Chutar?
— Sim, agora. Por que está balançando a cabeça? Balance mesmo, balance até ela cair do pescoço, você vai ver. — Eu me sentei na cama.
— Quando eu estiver com meu bebê nos braços, você vai ficar envergonhado, todos vocês que acham que eu não posso ter filhos. Até aquela médica idiota vai ficar envergonhada.
— Você sabe que parece uma maluca falando, não sabe?
— O que quer dizer com isso?Eu acariciei minha barriga e esperei que ele respondesse.Ele ficou apenas de cueca e se deitou ao meu lado.
— Yejide, por favor, diminua a luz do abajur.
— O que quis dizer com isso que acabou de falar?Ele se deitou de bruços e virou o rosto para o outro lado.
— Akinyele? Eu, parecendo maluca?
— Você não está grávida, e Funmi não vem morar aqui. Posso dormir agora? Ele puxou as cobertas sobre a cabeça.Suas palavras deslizaram pelo quarto e, sem que eu me desse conta, subiram pelo meu corpo, como formigas carnívoras. Então, nas primeiras horas da madrugada, quando acordei para urinar pelo que talvez tenha sido a décima vez no decorrer daquela noite, elas me picaram sem aviso prévio. Quando me sentei na cama para tomar um gole d'água da garrafa quase vazia que eu agora deixava na mesinha de cabeceira, suas palavras se repetiram em minha mente, provocando perguntas.Eu agora estava com cerca de quatro meses de gravidez e minha barriga crescia a cada dia,mas meu marido preferia acreditar em uma médica incompetente. Ele não parava de dizer que eu parecia maluca. Será que estava cego? Não conseguia enxergar minha barriga? Meu rosto inchado? Até estranhos reparavam. Em todo lugar que eu ia, as pessoas me cumprimentavam: L'ojo ikunle a gbohun Iya a gbohun omo o — que possamos ouvir a voz da mãe e a voz do bebê quando der à luz. Estranhos desejavam o meu bem, rezavam pela minha sobrevivência e pela sobrevivência do meu filho. As pessoas desciam de táxis cheios para que eu pudesse entrar; eu não ficava mais na fila do banco, todos me diziam para passar à frente. Será que Akin achava que eu era uma louca que parava as pessoas na rua para anunciar que estava grávida? Desde o dia em que nos casamos, eu nunca anunciara que estava grávida. Por que era tão difícil para ele acreditar em mim agora?Deitada na cama, coloquei as mãos sobre a barriga. Sentia pressão nas têmporas, o começo de uma enxaqueca. Ao meu lado, Akin estava inquieto e se contorcia no sono. Olhei para seu queixo sem pelos e tive que cerrar o punho para não o acariciar. Ainda o observava quando ele despertou.Akin esfregou os olhos com o dorso da mão.
— Você não dormiu?
— Por que me odeia tanto?Ele coçou o pescoço.
— Começou de novo. Durma um pouco, Yejide.
— Se eu fizer um exame e ele mostrar que estou grávida, vai acreditar em mim?Tentei ler seu rosto na luz indistinta do amanhecer. Mas não consegui.
— Yejide, você precisa dormir um pouco mais. É muito cedo para isso.*Transformei o quarto vazio ao lado da cozinha em um quarto de brincar. Criei um lugar especial onde eu pudesse passar o tempo com meu bebê, um espaço só para nós dois. Aquele quarto não foi algo planejado; eu o rearrumei porque Akin tinha parado de falar comigo e também de visitar Funmi à noite. Em vez disso, ficava na sala de estar, assistindo ao noticiário da noite e lendo os jornais, mas quase sempre sem falar comigo, mesmo que eu estivesse sentada ao seu lado. Respondia às minhas perguntas com um grunhido, aos meus insultos, com silêncio.Eu tinha desistido de tentar provocar Akin ou de persuadi-lo a conversar comigo, então ficava naquele quarto em vez de na sala de estar. Arrumei no chão os brinquedos que havia comprado para o bebê, levei para lá uma poltrona e comprei meus próprios jornais para ter algo para ler enquanto esperava o timer soar na cozinha. Naquele quarto, cercada de ursinhos de pelúcia e chocalhos coloridos, li sobre os militares que tinham sido acusados de planejar um golpe de Estado. Fui atraída pelo perfil de dois dos homens. Um deles era o tenente coronel Christian Oche, doutorando na Georgetown University, nos Estados Unidos, até ser convocado de volta pelo Comando Supremo. Eu me perguntava que curso sua vida teria tomado se ele não tivesse sido chamado de volta e tivesse conseguido concluir sua tese.Talvez tivesse lido sobre os acontecimentos no canto inferior direito de algum jornal americano. Também me perguntei se, ao embarcar no avião com destino a Lagos, ele sentira uma tristeza debilitante, ignorada até ser substituída pela emoção de voltar para casa.E havia também o homem cujo destino fascinava o país: o major-general Mamman Vatsa,ministro em exercício, poeta premiado e amigo íntimo do chefe de Estado. Vatsa e Babangida eram amigos de infância que depois foram companheiros de classe na escola;alistaram-se no Exército no mesmo dia e comandaram batalhões vizinhos na guerra civil.Babangida tinha inclusive sido padrinho de casamento de Vatsa.Naquela época, eu passava mais tempo no quarto de brincar do que em qualquer outro lugar da casa, mas no dia em que li que Vatsa, Oche e outros onze homens haviam sido condenados à morte, sentei-me com Akin na sala de estar e tentei discutir essa notícia com ele. Mas Akin continuava redirecionando a conversa para minha barriga inchada, então voltei para o quarto de brincar sem perguntar se ele achava que o encontro de Wole Soyinka,Chinua Achebe e J. P. Clark com Babangida poderia ser de alguma ajuda. O apelo dos escritores por clemência fazia sentido para mim; afinal de contas, não tinha nem mesmo havido uma tentativa de golpe de fato: os homens foram julgados por suas intenções. No dia seguinte, chorei ao ler que dez dos oficiais, incluindo Vatsa e Oche, haviam sido executados.Vatsa afirmou sua inocência até o fim, mas levaria anos para que outros militares questionassem as evidências com base nas quais ele tinha sido condenado. Na época, a Nigéria estava em plena lua de mel com Babangida, e, como a maioria das novas esposas,não fazia interrogatórios ainda.Eu não fui para a sala de estar quando o ministro da Defesa anunciou as execuções, mas ouvi do quarto de brincar porque Akin havia aumentado o volume. Eu queria ir até ele, não para falar, mas apenas para estar a seu lado e senti-lo apertar meu braço. Mas eu tinha medo que ele olhasse para minha barriga sem dizer nada, com a expressão de alguém olhando para vômito.Por fim, o silêncio gelado de Akin se derreteu em calorosas palavras sussurradas. Ele inclusive foi até o quarto de brincar algumas vezes. Suas palavras ocupavam tanto espaço naquele quarto que era difícil para mim respirar. Desde que eu lhe contara que estava grávida, ele não se referira uma vez sequer ao bebê, mas quando me visitava no quarto de brincar era a única coisa da qual queria falar. Ele queria me incutir algum juízo, mas seus sermões eram repletos de perguntas às quais logo deixei de responder. Ele me perguntava repetidas vezes se eu achava que meu filho ia salvar o mundo. Perguntava se eu tinha visões com a criança e pedia que eu descrevesse os anjos que tinha visto, mesmo depois de eu ter dito a ele que nunca vira anjo algum. Certa noite, ele me perguntou se eu achava que meu filho teria superpoderes, e foi então que eu decidi que bastava. Na manhã seguinte, fui até o salão e disse às meninas que só retornaria no outro dia. Então, dirigi até o hospital universitário de Ifé.Não havia eletricidade no hospital quando cheguei. Depois de marcar minha consulta, a enfermeira me informou que o gerador só seria ligado às duas da tarde, e, como havia pessoas na minha frente na fila, talvez eu só conseguisse me consultar com um médico às três. Eram apenas onze da manhã. Decidi ir até o mercado para comprar alguns itens para meu salão. Comprei os xampus e fixadores que costumava usar e, em seguida, parei em uma loja de presentes para comprar um vaso de flor de madeira que ficaria bonito no quarto de brincar.Estava saindo do mercado quando senti uma mão segurar meu pulso. Eu me virei e me vicara a cara com Iya Tunde, a quarta esposa de meu pai. Eu não a via desde o enterro dele.
— Yejide, então é você? Eu a vi e disse a mim mesma: não, não pode ser Yejide, Yejide não entraria neste mercado sem visitar minha tenda. Onde este mundo vai parar? Uma filha agora pode visitar o mercado sem ir até a tenda de sua mãe? — disse Iya Tunde.
— Boa tarde, Iya Tunde. — Não resisti ao ímpeto de lembrar-lhe que ela era Iya Tunde,não minha mãe. — Como vão os negócios?
— Imploramos a Deus que seja um bom dia de vendas. Em seguida agradecemos porque não estamos passando fome. Durante os primeiros meses depois de se casar com meu pai, Iya Tunde vendeu frutas em uma pequena barraca atrás de nossa casa. Quando ela engravidou, meu pai a transferiu para a tenda que tinha construído para Iya Martha no mercado e pediu que a compartilhassem porque uma mulher grávida deveria ter sombra e espaço suficientes para fazer seus negócios.Ele prometeu a Iya Martha que ia construir uma nova tenda apenas para ela, em outro lugar do mercado. Não sei como ela fez isso, mas, no fim do ano, Iya Tunde tinha tomado conta da tenda e Iya Martha estava vendendo seus produtos na barraca de madeira atrás de nossa casa.Meu pai nunca construiu outra tenda para Iya Martha.
— Cumprimente todos em casa por mim — pedi. — Eu tenho que ir.
— Espere, espere, deixe-me ficar feliz por você, vejo que agora é duas pessoas em uma.Você está grávida!
— Graças a Deus.
— Sua mãe não está dormindo no céu, ela está rezando por você. Embora ela não tivesse linhagem, ou pelo menos não uma que conhecêssemos, está claro agora que ela é uma boa mãe. Ela não podia me deixar ir sem me dar um golpe. De acordo com meu pai, minha mãe fazia parte de um grupo nômade fulani quando engravidou dele e se recusou a continuar viajando com seu povo. Mas minhas madrastas iriam para o túmulo chamando-a de uma mulher de"linhagem desconhecida".
— Eu realmente tenho que ir.
— Lembre-se de nos visitar de vez em quando, dar as caras de tempos em tempos. Afinal,aquela sempre será a casa de seu pai.Toda vez que tomava uma nova esposa, meu pai dizia a seus filhos que ter família era ter pessoas que iriam procurar por você se um dia fosse sequestrado. Em seguida acrescentavaque estava reunindo um exército para o caso de um dia um de nós ser realmente vítima de um sequestro. Era uma piada ruim, e eu era a única que ria. Eu ria de todas as suas piadas. Acho que ele acreditava na ilusão de sua grande família harmoniosa. Provavelmente achava que eu continuaria visitando minhas madrastas após sua morte.
— Adeus, Iya Tunde.
— Adeus! Cumprimente seu marido por mim.As sacolas de plástico que eu carregava me pareceram subitamente mais pesadas. Foi umalívio quando o motorista as tomou de mim para me ajudar a embarcar no ônibus. Eu tinha deixado meu carro no hospital para evitar forçar sem necessidade o velho motor. Lutei para afastar as lembranças de minha infância solitária, acariciei a barriga através das roupas e me tranquilizei. Eu não precisava ter medo. Mesmo que Funmi acabasse tirando Akin de mim,eu logo teria alguém só meu, minha própria família.Cheguei bem a tempo da consulta.Depois do ultrassom, o Dr. Junaid limpou a garganta.
— Há quanto tempo está grávida?
— Cerca de seis meses.
— Quando fez o último ultrassom?Ele escreveu algo no prontuário aberto à sua frente.
— Aos três meses, e isso já faz três meses. Fui atendida por uma jovem médica na ocasião,talvez tenha sido por isso que ela se enganou... falta de experiência.Ele parou de escrever e olhou para mim.
— Hum, você acha que ela se enganou?
— É por isso que estou aqui, para confirmar. Ela disse que não havia bebê. — Eu acariciei minha barriga proeminente. — O senhor pode ver por si mesmo, tenho certeza de que não ékwashiorkor.Eu ri. O Dr. Junaid não.
— Já consultou um especialista em fertilidade? Consultou um antes de, bem, antes de pensar que estava grávida? Fez outros exames?
— Sim, claro. Eu me consultei com um médico em Ilesa e fiz todos os exames. Eles disseram que eu estava bem.
— E seu marido, ele se consultou com um especialista?
— Sim.Certa vez, fomos juntos ao hospital. Akin respondeu à maioria das perguntas do médico, e,quando ele perguntou sobre nossa vida sexual, Akin segurou minha mão e acariciou meu polegar enquanto respondia: Nossa vida sexual é normal, absolutamente normal.O Dr. Junaid fechou o prontuário no qual estava escrevendo e se inclinou para a frente.
— Então seu marido fez os exames? Eles fizeram os exames e...?
— Sim, ele fez os exames — respondi.
— Mas, doutor, e o meu bebê?
— Senhora — disse ele, tamborilando na mesa —, não há bebê.Eu bati três vezes as mãos e comecei a rir.
— Doutor, o senhor por acaso está cego? Não quero insultá-lo, mas não consegue ver?
— Por favor, deixe-me explicar. Essas coisas acontecem às vezes. As mulheres pensam que estão grávidas, mas não estão.— Ouça o que está dizendo. Eu não acho que estou grávida. Eu sei que estou grávida. Não fico menstruada há seis meses. Olhe para a minha barriga. Já até senti o bebê chutar! Eu não acho que estou grávida, doutor. Eu estou. Não consegue ver? Eu estou grávida.
— Senhora, por favor, fique calma.
— Vou embora. Não sei se são as máquinas com as quais vocês trabalham que estão com defeito ou se são seus cérebros.E saí do consultório batendo a porta.
*Quando a gravidez se aproximou dos onze meses, decidi ir novamente à Montanha dos Milagres Espantosos. No dia em que fui até lá, Akin estava em Lagos para uma reunião de trabalho e tinha viajado com seus colegas no carro oficial do banco. Eu dirigi o carro dele até a extensão de terra plana ao pé da montanha. Quando cheguei, havia apenas um carro no local, um Volvo estacionado à sombra de uma amendoeira. Reconheci o número da placa da Sra. Adeolu.Enquanto eu subia, tudo estava quieto e silencioso. Levei mais de duas horas para chegara o topo, porque parei algumas vezes para me sentar em pedras e beber da garrafa de água que levava comigo. O sol era implacável. Suor escorria pelas minhas costas e se infiltrava no espaço entre minhas nádegas. Puxei a gola do vestido para a frente e para trás para arejar minha pele.Quando cheguei ao topo, não encontrei vivalma. Vaguei até encontrar uma placa de madeira na qual alguém tinha rabiscado: Profeta Josiah viajando. Por favo, volta no outro mês para seu milagri. Que pena para o Profeta Josiah, pensei comigo mesma, acariciando o punhado de notas de naira em meu bolso: queria dar-lhe algum dinheiro. Ele não pedira nada na primeira vez que fui até lá, e achei que um presente não faria mal. A garrafa d'água estava vazia, eu estava com sede e me sentia fraca. Com medo de desmaiar ao descer a montanha,caminhei pelo topo, esperando encontrar uma garrafa d'água esquecida, e rezando para não pegar cólera se encontrasse uma. Foi quando vi a barraca, que consistia de quatro estacas de madeira formando um retângulo com uma cobertura de folhas de palmeira.Na barraca, o Profeta Josiah e a Sra. Adeolu estavam fazendo sexo. Eu podia ver o rosto dela; tinha os olhos fechados em uma espécie de êxtase. O chapéu do Profeta estava prestes a cair e sua túnica enrolada em torno da cintura deixava expostas as nádegas em movimento.Suas pernas nuas eram muito magras.
*Fui embora antes que um dos dois me visse e passei os dois meses seguintes em casa,esperando o bebê nascer. Parei de ir ao salão e deixei que Akin lidasse com a cabeleireira chefe quando ela ia prestar contas à noite. Não cozinhava nem fazia tarefas domésticas. Akin comprava refeições de bukas na cidade e se sentava comigo no quarto de brincar para ter certeza de que eu comeria alguma coisa. Também me levava jornais, que eu não lia. Certa manhã, disse a ele que estava conservando minhas energias para conseguir fazer força quando o bebê estivesse pronto para nascer. Ele não me disse que não havia bebê, nem me perguntou por que eu não tinha feito isso quando a gravidez completou nove meses. Apenas me deu um beijo no queixo e saiu para o trabalho, mas quando voltou aquela noite me explicou que, se quisesse ser forte para o bebê, eu precisava estar ativa. Não houve menção a psiquiatras, e ele não parecia estar brincando nem sendo condescendente com uma pessoa louca. Falou comigo do jeito que eu queria que tivesse falado todo aquele tempo: como um pai ansioso. Aceitei seu conselho e no dia seguinte voltei ao trabalho.*Em uma tarde de sábado, abri a porta de minha casa e encontrei Funmi, cercada por várias caixas e malas. O táxi que a levara até lá levantava uma nuvem de poeira ao se afastar.
— Saia da frente e me deixe passar — disse ela.Fiquei parada ao lado da porta como um guarda enquanto ela entrava. Assisti quando arrastou as malas para dentro da casa uma após a outra, espalhando-as pela sala de estar. Ela usava um boubou azul-marinho e um lenço do mesmo tecido, que havia amarrado em torno do cabelo trançado como uma faixa. Sua pele clara brilhava à luz do sol que entrava pelaporta aberta.
— Onde é o meu quarto? — perguntou ela quando terminou de arrastar as malas paradentro.— Nesta casa? Você está sonhando?
— Você, mulher... já aguentei o bastante de você. Não venha mais com essas loucuras para cima de mim. Esta é a casa do meu marido também. Por que eu deveria ficar fora dela? —Ela tirou o lenço e o amarrou em torno da cintura.
— Por quê? Sua mulher perversa, eu lhe pedi apenas que chegasse para o lado para que nós duas pudéssemos nos sentar. Se não tomar cuidado, vou empurrá-la para fora do assento.
— Escute aqui: não fui eu quem se casou com você. Aquele que você chama de marido não está em casa. Quando ele chegar, pode fazer a ele essas perguntas idiotas. — Apontei para a porta. — Agora, saia da minha casa!
— Quer saber do que mais? Só consigo ver sua boca se movendo, mas não ouço uma única palavra. Preste bastante atenção: só há uma coisa capaz de me tirar desta casa, uma coisa!— Eu disse para sair!Bati com a mão na coxa ao pronunciar cada palavra.— Eu só vou deixá-la em paz se você levantar sua blusa e me deixar ver sua barriga. Já faz mais de um ano que está grávida. Deixe-me ver o que tem aí, porque o que estão dizendo porto da a cidade é que você está carregando uma cabaça por baixo das roupas. Sim, você foi desmascarada. — Ela riu. — Mas pode provar que elas estão erradas, provar que as pessoas maldosas estão erradas. Deixe-me ver sua barriga e eu a deixo em paz. Juro por Deus.Segurei o queixo com uma das mãos e coloquei a outra sobre a barriga distendida.— Não vai dizer nada? O que eu poderia dizer? Que minha gravidez era real? Eu ainda não tinha ficado menstruada e, se tivesse levantado minha blusa e desenrolado minha saia, nenhuma cabaça teria caído no chão; nenhuma almofada teria tombado aos meus pés. Ela teria visto minha barriga dura e distendida e as estrias cruzando a pele. Eu poderia ter dito que minha gravidez não era real, que ultrassom após ultrassom tinham mostrado que não havia nada lá, mesmo que os chutes do bebê me acordassem todas as noites. Que algumas das minhas cabeleireiras achavam que eu tinha ficado maluca e que o último médico com o qual me consultei tinha me encaminhado para um psiquiatra.Mas eu não consegui dizer nenhuma dessas coisas; havia apenas uma coisa a dizer. A única coisa que ela não esperava que eu dissesse. Fechei a porta e me voltei para ela.
— Venha comigo, vou lhe mostrar seu quarto.E a levei para o quarto de brincar.Eu não era idiota. Sabia que era uma questão de tempo até que Moomi aparecesse para se certificar de que Funmi estava morando em nossa casa. Se brigasse com Funmi, eu só pioraria as coisas. Moomi poderia me pedir para ir embora e, apesar de Akin continuar me dizendo o quanto me amava, eu não acreditava mais nele. Embora quisesse acreditar. Eu não tinha pai, mãe nem irmãos. Akin era a única pessoa no mundo que realmente notaria se eu desaparecesse.Hoje digo a mim mesma que foi por isso que me esforcei para aceitar cada nova humilhação: para ter alguém que procurasse por mim caso eu desaparecesse.