Quando cheguei, Yejide estava sentada no corredor. Não em um dos bancos, mas no chão de cimento. Eu a vi assim que saí do estacionamento do hospital. A princípio, não tive certeza de que fosse ela porque estava sem sapatos. Deveria ter percebido logo, ao ver seus pés descalços, que algo de muito grave havia acontecido.Eu me agachei ao lado dela, coloquei meu braço ao redor de seu ombro, e até acenei para uma enfermeira que reconheci.— Levante-se — falei. — Tenho certeza de que ela ficará bem. O que o médico disse?Imaginei que Olamide tinha dado entrada no hospital, achei que talvez já tivessem descoberto a causa do que quer que houvesse de errado com ela e tivessem informado a Yejide antes da minha chegada.— Preciso pagar por alguma coisa? Yejide, por favor, levante-se. Não precisa se sentar no chão. Relaxe, ela vai ficar bem. Você sabe que as crianças se recuperam rápido. Oya,levante-se.Ela olhou para mim, os olhos arregalados e a boca aberta.— Yejide?Piscou e engoliu em seco.Eu a sacudi um pouco porque percebi que ela não estava presente de todo. Seus cabelos estavam desgrenhados, então coloquei a mão em sua cabeça, empurrando suas tranças para trás.—O que eles disseram que aconteceu? Você falou com algum dos médicos?— Eles levaram Olamide para o necrotério.Minha mão caiu de seu ombro e eu caí de joelhos ao lado dela.— O que você quer dizer com "necrotério"?— Me desculpe — disse Yejide, segurando a cabeça entre as mãos como se ela tivesse de repente se tornado muito pesada para seu pescoço magro. — Akin, eu sinto muito. Eu não me demorei. Estava com fome. Só queria preparar algo para comer. Eu não sabia. Eu sinto muito.— Não — falei, certo de que não estava processando o que ela dissera muito bem. Não fazia sentido que ela mencionasse Olamide e o necrotério na mesma frase. — Espere, espere.Fique calma, por favor. Olamide, onde está Olamide?Ela passou as mãos pelos cabelos, deu um tapa na testa depois abriu os braços.— Eles a levaram para o necrotério, Akin. Disseram que ela está morta. Disseram que minha filha está morta. Disseram que Olamide está morta. Disseram...Eu me levantei e esfreguei os olhos com o dorso da mão, porque tinha a sensação de ver tudo inclinado. Saí andando pelo corredor para me afastar dela, parando apenas quando não conseguia mais ouvir sua voz, depois voltei a olhar para ela. Continuava a dar tapas na testa,mas não havia lágrimas. Ela não gritava, continuava apenas a bater em si mesma, nos seios,na coxa, no rosto.Não sei por quanto tempo fiquei no fim do corredor, observando-a, tentando de alguma forma absorver o fato de que, depois de tudo que Yejide e eu fizemos para ter um filho,tínhamos, sem aviso, perdido Olamide. Eu não achava que fosse possível o mundo mudar assim tão de repente. Estava consciente de outras pessoas andando de um lado para o outro do corredor: ouvia os ruídos dos sapatos e das vozes, percebia alguns corpos esbarrando no meu. Mas me sentia completamente sozinho, como se no espaço de tempo que Yejide tinha levado para dizer "eles a levaram para o necrotério" eu tivesse sido transportado para um planeta sem vida humana.Por fim, voltei para perto de Yejide, segurei suas mãos enquanto ela se levantava, levei-a até o carro e a ajudei a se sentar no banco do carona.Ainda hoje não sei de onde tirei forças para entrar no pronto-socorro. Só sei que me vidiante da enfermeira-chefe de plantão.— Eu sou o Sr. Ajayi — falei. — Minha filha foi trazida há algumas horas: Olamide.Ela me levou para uma pequena sala e me ofereceu uma cadeira enquanto abria algumas gavetas. Colocou alguns documentos diante de mim e me perguntou se eu queria ver o corpo antes de assinar. Levei alguns minutos para compreender que com "o corpo" ela queria dizer Olamide. Como não conseguia falar, balancei a cabeça e comecei a assinar os documentos.Não li uma palavra do texto, simplesmente procurei o local indicado em cada página e assinei.A enfermeira-chefe ofereceu suas condolências quando me levantei para sair, assegurando-me de que os médicos tinham feito todo o possível, mas o bebê já chegara morto. Apertei a mão dela, agradeci e disse que apreciava seus esforços.Quando voltei para o carro, encontrei Yejide imóvel como uma pedra; só tive certeza deque estava viva quando ela piscou. Eu deveria oferecer a ela palavras de conforto, dizer-lhe algo que amenizasse sua dor. Tinha feito isso antes em visitas de condolências a colegas que perderam cônjuges ou parentes, e encontrara as palavras para dizer-lhes que, de alguma forma, tudo ia ficar bem.Coloquei a chave na ignição, agarrei o volante e observei através do para-brisas as pessoas que caminhavam pelo estacionamento ensolarado como se fosse um dia qualquer. Esforcei-me ao máximo para pensar em algo para dizer à minha esposa, encontrei até palavras suficientes para formar uma frase ou duas. E como queria que minhas palavras tivessem o máximo impacto, para dar conforto ao que eu ainda não compreendia completamente, virei-me para olhá-la nos olhos.E foi então que notei a mancha de leite materno na frente de sua blusa verde. Dava para ver que ela não estava usando sutiã, e a mancha ficava bem na frente do seio direito. Era uma mancha fresca, pequena, mais ou menos do tamanho da mão de um bebê, da mão de Olamide. Esqueci o que quer que fosse que pretendia dizer. Enquanto observava a mancha de leite se espalhar, me dei conta de que o chão sob nossos pés tinha desaparecido, estávamos suspensos no ar, e minhas palavras não iam impedir que caíssemos no abismo que se abrira debaixo de nós.
