Quando finalmente chegaram, os assaltantes pareciam apenas homens que tinham se perdido e entraram em nossa sala de estar para pedir informações. Falando um inglês impecável,sentaram-se nas poltronas como visitantes e pediram algo para beber (nada de álcool durante o serviço, obrigado). Então, apontaram uma arma para a cabeça de cada um de nós e pediram para embalar todos os nossos aparelhos eletrônicos.De início, pareceu mais uma visita do que um ataque. Um dos homens chegou até mesmo a agradecer quando terminou de beber a garrafa de Limca. Então, alguns minutos depois que Akin, Funmi e eu voltamos para a casa após termos colocado nossos aparelhos eletrônicos na van, ouvimos um tiro, depois um grito que perfurou a noite silenciosa. Outros disparos se seguiram, deixando ecos que por meses despertariam, com o rosto coberto de suor e a boca seca, todos os moradores do complexo.Akin me empurrou para o chão depois do primeiro disparo e jogou o corpo sobre o meu.Ficamos assim, nos esforçando ao máximo para não respirar alto. Eu sabia que Funmi também estava em algum lugar na sala de estar; ela não parava de gemer, até que Akin lhe disse para ficar calada. Ficamos no chão até o amanhecer; Akin não moveu um músculo, nem mesmo quando Funmi perguntou se ele não se preocupava em protegê-la também.Quando nos levantamos de manhã, Funmi começou a soluçar.— Você não me ama — disse ela a Akin. — Não se importa nem um pouco comigo.Akin não respondeu. Ele me perguntou se eu estava bem e saiu para ver como estavam nossos vizinhos. Subi as escadas, deixando Funmi sozinha na sala de estar.Descobrimos que todos os disparos tinham acertado móveis, paredes e janelas de carros.Ninguém tinha ficado ferido; embora o Sr. Fatola tivesse desmaiado no momento em que os assaltantes entraram em sua casa. Ele recobrou os sentidos depois que os ladrões foram embora e sua esposa jogou um copo de água gelada em seu rosto. Depois do assalto, o comitê do complexo escreveu uma petição à delegacia de polícia em Ayeso: os caçadores contratados nos informaram que nenhum dos policiais tinha aparecido para trabalhar no dia do crime. Depois dessa notícia, a Sra. Ojo anunciou com seu sotaque britânico que um dos policiais estava entre os ladrões. Ninguém lhe deu atenção. Era óbvio que a polícia estava envolvida de alguma forma, mas seriam eles capazes de empunharem armas contra nós? Não achávamos que as coisas tivessem chegado a esse ponto ainda.*Enquanto Iya Bolu se preocupava com os assaltantes, eu tinha coisas melhores em que pensar. Dentro da minha barriga, um bebê estava crescendo — dessa vez até mesmo as máquinas de ultrassom confirmaram. Prendi o reluzente resultado do ultrassom sob a moldura de madeira do meu espelho, no canto superior, onde podia vê-lo todas as manhãs enquanto penteava o cabelo. Eu comia muitas frutas e Akin preparava legumes ensopados para mim todas as noites. No meio, quase sempre havia pedrinhas, mas eu não reclamava. Eu me recusava a mudar meu guarda-roupa, de forma que a gravidez esticou ainda mais minhas roupas já apertadas. Mantive essa decisão até que um domingo, no meio da missa, quando me levantei para me juntar à congregação no hino de graças, meu vestido se rasgou da axila até o joelho.Fiquei conhecida como "a mulher grávida com o vestido rasgado", mesmo depois do nascimento do bebê. Mas eu não me importava que as pessoas apontassem para mim na igreja e escondessem o riso com as mãos durante um hino ou o Credo Niceno. Eu tinha me tornado imortal, parte do ciclo infinito da vida. Um novo ser chutava dentro de mim e logo eu teria alguém a quem poderia chamar de meu. Não uma madrasta ou meio-irmão. Não um pai compartilhado com duas dúzias de outras crianças ou um marido compartilhado com Funmi, mas um bebê, meu filho.Esses pensamentos me encheram de tanta felicidade que passei a ter medo. Parecia demais para mim que um ser humano pudesse ser tão feliz e afortunado. Nos primeiros meses de gravidez, mais de uma vez tirei as mãos do volante enquanto dirigia e as coloquei sobre meu ventre, esticando-as para cobrir a barriga ao máximo. Tentava manter o bebê lá dentro, com medo de que, em uma onda de desgraças que minha infinita alegria daqueles meses tivesse represado, o bebê irrompesse no chão do meu Fusca, rasgando meu ventre.As buzinas e os xingamentos dos outros motoristas me lembraram de que um acidente seria uma maneira mais segura de perdê-lo. Para minha surpresa, nunca me envolvi em um acidente durante os momentos em que segurava a barriga. Isso reafirmava minha crença de que a má sorte logo bateria à minha porta, de que minha vida feliz era muito boa para ser verdade e logo tudo desabaria sobre a minha cabeça. Comecei a tentar bloquear todas as vias possíveis para a má sorte. Passei a ser gentil com Funmi, a compartilhar dicas sobre Akin: de sua cor preferida de batom — um vermelho brilhante que ficaria berrante demais nela — à maneira como ele gostava de feijão — aguado e com muita pimenta. Eu estava disposta a compartilhar. Um homem não é algo que você possa guardar apenas para si, ele pode ter muitas esposas, mas uma criança tem apenas uma mãe verdadeira. Uma.Contrariando minhas piores fantasias, a gravidez foi tranquila. Os médicos ficavam satisfeitos toda vez que eu ia fazer exames. No terceiro trimestre minha ansiedade desapareceu e comecei a desfrutar daquele estado. Adorava as dores nas costas. Me vangloriava do tamanho de meus pés e me queixava incessantemente sobre quão difícil era encontrar uma posição para dormir. Foi a melhor época da minha vida.