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Quando eu era pequena, para colocar os filhos para dormir, minhas madrastas contavam histórias. Mas sempre por trás de portas fechadas e trancadas. Como eu nunca era convidada a escutar, ficava à espreita no corredor, passando por portas e janelas, na tentativa de determinar, noite após noite, qual voz estava mais alta.Eu me consolava dizendo a mim mesma que não ter mãe significava que eu podia escolher minhas próprias histórias. Se eu não gostasse da história que uma esposa estava contando aos seus filhos, podia simplesmente passar para a porta ao lado. Eu não estava aprisionada por trás de portas trancadas como meus meios-irmãos. Eu era livre, dizia a mim mesma. Às vezes, não verificava muito bem o chão antes de me acomodar e sentava em fezes de galinha ou cabra. Algumas das mulheres eram porcas; não se preocupavam em limpar sua parte do corredor antes de se recolherem para dormir.As minhas preferidas eram as adivinhações, porque eu conhecia quase todas. A fina haste que toca o céu e a terra? Chuva. Quem come com o rei, mas não toca o prato? A mosca. Eu balbuciava as respostas do meu lugar no corredor, geralmente antes de um meio-irmão gritá-la dentro do quarto. E quando os outros filhos eram encorajados a aplaudir aquele que tinha dado a resposta certa, eu sorria e corava, como se na verdade estivessem batendo palmas para mim.Eu cantava junto os refrões que surgiam no meio das histórias, mas sempre em voz baixa.Se a minha voz fosse ouvida do outro lado, se uma de minhas madrastas saíssem para verificar,eu estaria encrencada. Ela teria torcido e puxado minha orelha até ficar quente o suficiente para ferver água. Em nosso lar polígamo, ouvir atrás da porta não era apenas falta de educação, era um crime. Todos tinham segredos, segredos que estavam dispostos a proteger com a própria vida. Aprendi a pisar leve, a detectar os passos de alguém se aproximando da porta durante as histórias. Aprendi a escutar e correr para o meu quarto sem fazer barulho.Minha história favorita era a de Oluronbi e da árvore Iroko. No início, tive dificuldade para acreditar na versão que minhas madrastas contavam. Sua Oluronbi era uma mulher do mercado que prometia dar sua filha à árvore Iroko se ela a ajudasse a vender mais mercadorias do que todos os outros. No fim da história, ela perdia a filha para Iroko. Eu odiava essa versão, porque não acreditava que alguém fosse capaz de trocar um filho pelo o que quer que fosse. A narrativa de minhas madrastas não fazia sentido para mim, então decidi criar minha própria versão. Cada vez que uma de minhas madrastas a repetia, eu acrescentava novos elementos e detalhes. Depois de um tempo, sempre que elas contavam a história de Oluronbi, eu deixava de prestar atenção e me concentrava em elaborar a minha própria.Era essa versão que eu contava para minha Olamide. Comecei a contar histórias para ela depois que Moomi foi embora. Ela teria achado estranho me ver falando com um bebê que não conseguia compreender o que eu estava dizendo. Mas eu tinha esperado a vida inteira por um filho, um filho meu, uma criança para quem eu pudesse contar histórias. Não estava disposta a esperar nem mais um minuto. À tarde, quando Olamide e eu ficávamos sozinhas em casa, eu contava a ela as histórias que lembrava da minha infância e também inventava novas. Mas minha versão da fábula de Oluronbi era a que eu contava com mais frequência. E acho que Olamide gostava dela tanto quanto eu.Na minha versão, Oluronbi tinha nascido muito tempo atrás, em uma época em que os seres humanos ainda falavam a língua das árvores e dos animais. A família de Oluronbi a amava; ela era a favorita de todos. Era como água: não tinha inimigos em sua família. A mãe de Oluronbi a amava tanto que a levava para o mercado todos os dias. Foi assim que ela aprendeu a negociar muito bem, de modo que, ainda jovem, já sabia como cuidar de uma tenda. Oluronbi era uma menina obediente e muito bonita. Nunca contava mentiras, nunca roubava; nunca saía escondida à noite para conversar com meninos atrás de um muro.Oluronbi vivia feliz até um dia fatídico. Naquela ocasião, o pai dela tinha que colher uma quantidade muito grande de inhame em sua plantação, à margem da floresta. Ele então pediu à mãe de Oluronbi e a todos os filhos que fossem até a plantação com ele para ajudar.Oluronbi, no entanto, deveria ficar, para cuidar da barraca. À noite, quando voltou do mercado, ela preparou uma grande refeição para todos que tinham ido para a plantação.Então esperou e esperou que voltassem. O sol desapareceu do céu, mas eles não voltaram.Quando o sol surgiu na manhã seguinte, Oluronbi foi para o mercado. Pensou que sua família tinha decidido dormir na plantação na noite anterior. Mas, quando voltou do mercado, mais uma vez não tinha ninguém na casa. Ainda havia luz no céu, então ela correu para a floresta efoi até a plantação do pai. Não havia ninguém lá. Percorreu a plantação de cima a baixo,chamando os nomes de cada membro da família. Não houve resposta.Quando Oluronbi voltou para a aldeia, estava escuro. Ela foi para casa e, como não havia ninguém lá, começou a ir de casa em casa, perguntando se alguém tinha visto sua família.Naquela noite, enquanto o sol dormia, Oluronbi foi a todas as casas da aldeia para perguntar se alguém tinha visto seus parentes. Ninguém sabia onde eles estavam.Assim que o sol despertou para começar seu trabalho nos céus, Oluronbi foi ao palácio do rei para relatar a estranha ocorrência. O rei enviou um grupo de busca para a floresta.Oluronbi não saiu do palácio real até o grupo de busca retornar, dois dias depois. A busca tinha sido infrutífera.— Talvez sua família tenha decidido deixar nossa aldeia — disse o rei a Oluronbi. Oluronbi suplicou ao rei que enviasse os caçadores mais valentes da aldeia para que se embrenhassem nas profundezas da floresta. O rei concordou, mas, depois de cinco dias, os caçadores voltaram de mãos vazias. Nem mesmo eles conseguiram encontrar a família de Oluronbi. O rei aconselhou Oluronbi a continuar com sua vida, porque não havia mais nada a fazer.— Talvez sua família tenha decidido deixar a aldeia — repetiu ele.Oluronbi não acreditava no rei; ela sabia que sua família nunca a abandonaria. Entãodecidiu procurá-los mais uma vez. Durante uma semana, foi até a floresta todos os dias,adentrando suas profundezas e perguntando a todas as árvores se tinham visto seus parentes.Mas as árvores se recusavam a lhe dar qualquer informação.Então, um dia, ela perguntou ao rei das árvores, a árvore Iroko.— Eu sei onde sua família está — disse Iroko.— Eles estão vivos? Diga-me: eles ainda estão vivos? — perguntou Oluronbi.— Sim, eles ainda estão vivos — respondeu Iroko. — Mas não sei por quanto tempo vão resistir.— Iroko, me diga onde eles estão para que eu possa salvá-los logo! — gritou Oluronbi.— Não — respondeu Iroko.— Por favor, Iroko, diga-me onde eles estão. Farei qualquer coisa, qualquer coisa que me pedir para fazer, eu farei.— De jeito nenhum — disse Iroko.— Eu suplico, Iroko, lhe dou o que quiser, qualquer coisa que deseje, apenas me diga onde eles estão.— Qualquer coisa que eu deseje? — perguntou Iroko.— Qualquer coisa.Oluronbi estava de joelhos diante da árvore.— Eu quero seu primeiro filho — exigiu Iroko.— Mas, Iroko, eu não tenho filhos — disse Oluronbi. — Peça-me qualquer outra coisa, e eu lhe darei. Quer uma vaca?— Não — respondeu Iroko. — Eu quero seu primeiro filho.— Quer uma cabra? Eu posso arrumar uma cabra bem grande.— Não — disse Iroko. — Eu quero seu primeiro filho.— Mas eu não tenho filhos para lhe dar — disse Oluronbi. — Nem ao menos sou casada.— Você pode cumprir sua promessa quando tiver um filho — falou Iroko.Oluronbi não disse nada por um longo tempo. Ficou de joelhos diante de Iroko, pensando em sua família, seu pai, sua mãe, seus irmãos, suas irmãs... todos desaparecidos.— Tudo bem — concordou Oluronbi. — Eu lhe darei meu primeiro filho.— Você deve jurar — retrucou Iroko.— Eu juro que vou lhe dar meu primeiro filho.— Você deve jurar perante o rei da sua aldeia — ordenou Iroko. — Quando voltar, eu lhe direi onde eles estão.Oluronbi correu para a aldeia e jurou perante o rei que daria a Iroko seu primeiro filho, se a árvore revelasse onde estava sua família desaparecida.Quando Oluronbi voltou para a floresta, os membros de sua família estavam todos de pé ao lado de Iroko.Ela ficou tão feliz que abraçou todos eles.— Onde estavam? — perguntou Oluronbi. — O que aconteceu?— Não conseguimos lembrar — disseram eles.— Como você os encontrou? — perguntou Oluronbi a Iroko.— Esse é um segredo da floresta — disse Iroko. — Não posso lhe revelar.— Obrigada — falou Oluronbi.— Não se esqueça de sua promessa.— Nunca vou esquecer — prometeu Oluronbi.Oluronbi voltou para a aldeia com sua família. Sempre que se lembrava de sua promessa a Iroko, ficava com muito medo. Parou de entrar na floresta para buscar lenha; parou de ir à floresta para colher ervas para vender.Muitos anos se passaram, e Oluronbi não viu mais Iroko.No entanto, sempre que alguém da aldeia de Oluronbi entrava na floresta, Iroko perguntava sobre ela.— Como está Oluronbi?— Ela vai para casa do marido amanhã. Na verdade, estes galhos que estou recolhendo vão ser usados para cozinhar no casamento.— Como está Oluronbi? — perguntava Iroko. — Está gostando da casa do marido?— Oluronbi tem muita sorte, casou-se com o melhor homem do mundo. Já está inclusive grávida. Está muito feliz. Eu queria ter a mesma sorte que ela. Por que tinha que me casar com um homem tolo como meu marido?— Como está Oluronbi? — perguntava Iroko.— Não soube? Ela acabou de dar à luz uma menina. Chamaram a criança de Aponbiepo.— Como é Aponbiepo? — perguntava Iroko.— É a criança mais bonita da aldeia. Sua pele é muito clara, imaculada. Nunca vi nada parecido. Ninguém precisa perguntar se é filha de Oluronbi, é exatamente igual à mãe, da cabeça aos pés. Se minha filha fosse bonita como ela, que sorte eu teria!Quando cresceu, Aponbiepo foi orientada a nunca entrar na floresta. Todas as manhãs,Oluronbi alertava a filha para nunca se aproximar de lá.Mas, um dia, enquanto Aponbiepo estava brincando com os amigos, eles decidiram entrar na floresta.— Venha conosco — disseram a Aponbiepo.— Minha mãe disse para eu nunca entrar na floresta — falou Aponbiepo.— Mas há lindas árvores lá, com frutas doces.— Minha mãe disse que não devo ir lá.— Por quê? — perguntaram.— Eu não sei.As outras crianças começaram a rir.— Então você nunca entrou na floresta?— Não.— Nunca na vida?— Não — respondeu Aponbiepo.As outras crianças não paravam de rir.— Então você nunca viu a floresta?— Não.— Nunca viu o cervo?— Não.— Nunca viu o grande Iroko que é o rei de todas as árvores?— Não.— Então não viu nada; não sabe nada. Nunca viu nada na vida — disseram. — Adeus —falaram as outras crianças —, estamos indo para a floresta. Vamos procurar galhos e comer frutas doces. Vamos dizer olá a Iroko, o rei das árvores.— Eu vou, eu vou — concordou Aponbiepo. — Deixem-me ir com vocês. Quero ver o rei das árvores.As crianças foram para a floresta e aquela foi a última vez que alguém viu Aponbiepo. As outras crianças voltaram para a aldeia com os galhos. Nem sequer perceberam que Aponbiepo não estava com elas até que Oluronbi saiu de casa e perguntou:— Onde está minha filha?Eles esquadrinharam cada centímetro da aldeia em busca de Aponbiepo, mas ninguém conseguiu encontrá-la. O único lugar onde faltava procurar era a floresta.Quando Oluronbi entrou na floresta, Iroko se recusou a dirigir-lhe a palavra. Oluronbi suplicou e implorou, mas Iroko ficou calado. Oluronbi nunca mais viu sua filha e, desde então, as árvores pararam de falar com os seres humanos.As razões pelas quais fazemos as coisas que fazemos nem sempre serão lembradas. Às vezes, acho que temos filhos porque queremos deixar alguém que possa explicar ao mundo quem éramos depois que morremos. Se realmente houve um dia uma Oluronbi, não acho que ela tenha tido outros filhos depois de perder Aponbiepo. Acho que a versão da história ques sobreviveu teria sido mais generosa com Oluronbi se ela tivesse deixado para trás alguém que pudesse moldar a forma como ela seria lembrada. Contei muitas histórias a Olamide, na esperança de que, um dia, ela também contasse ao mundo a minha.

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