ILESA, DEZEMBRO DE 2008
Estou cavando a sepultura do meu pai. Fazendo mais do que o meu dever porque o marido de minha irmã superestimou suas habilidades quando prometeu fazê-lo. Como primogênito, era minha obrigação dar o primeiro e o último golpes de enxada na terra, por segurança. O genro de meu pai deveria fazer o resto, ou pagar outra pessoa para executar o trabalho. Eu achei que Henry contrataria homens, pois é o que a maioria das pessoas faz hoje em dia.Yejide, você deve se lembrar de quando eu lhe disse, anos atrás, que logo essa tradição seria abandonada. Seu pai tinha acabado de morrer. Enquanto sua família organizava o funeral, você disse a eles que eu deveria me juntar à escavação da sepultura, mesmo que ainda não estivéssemos casados. Mas suas madrastas, é claro, não permitiram. E você chorou até o branco dos seus olhos ficar vermelho. Eu tentei confortá-la, dizendo que na verdade não importava, porque em alguns anos todos estariam pagando trabalhadores para cavar sepulturas de qualquer maneira. Não sei se me ouviu ou mesmo se você se importou.Naquela noite, você chorou até dormir.Eu não pude lhe dizer naquela época, mas fiquei aliviado por não ter que cavar a sepultura de seu pai. Naquele tempo eu ainda acreditava em fantasmas, e tinha pavor de cemitérios. Se suas madrastas tivessem concordado em me deixar cavar, porém, eu teria cavado apenas para agradá-la. Não importa o que pense de mim agora, deve saber que há poucas coisas que eu não faria para deixá-la feliz. Hoje tenho certeza de que não existem fantasmas, porque se existissem eu já estaria sendo assombrado. Então, aqui estou eu, em uma cova de cerca de dois metros de profundidade, ajudando Henry para que o trabalho esteja terminado quando chegar a hora de sairmos para o funeral.Henry está fazendo isso para provar algo aos meus pais. Durante três anos, eles se recusaram a dar a mão da única filha em casamento a Henry porque ele não era iorubá.Ficaram irredutíveis até que minha irmã pôs fim à discussão engravidando de Henry. Então,aquelas mesmas pessoas que tinham jurado que ele só se casaria com sua filha por cima de seu cadáver disseram a Henry que ele podia escolher qualquer data para o casamento desde que fosse realizado antes de a gravidez começar a ficar evidente. Henry agora fala iorubá com fluência e sabe mais sobre nossas tradições do que eu. E aqui estamos, trabalhando como escravos, em silêncio sob um sol escaldante, porque Henry ainda está tentando provar a meus pais que está à altura da filha deles. A julgar por sua respiração pesada, está claro que ele foi longe demais quando afirmou que era capaz de fazer tudo "como deveria ser feito".O sol está tão quente que parece que há uma fornalha em minhas costas. Meus braços doem cada vez que levanto a pá, mas eu continuo. Enquanto escavo, penso em Dotun e, pela primeira vez em todos esses anos, sinto sua falta. Se estivesse aqui, ele teria quebrado o silêncio, teria encontrado uma maneira de fazer Henry e eu rirmos. Ele me ligou esta manhã,por volta das sete. Não disse quem era, não precisava. Quando ouvi: "Bom dia, irmão Akin",reconheci sua voz. Telefonava do hotel do aeroporto; tinha recebido a carta que lhe enviei sobre os preparativos do funeral e sairia de Lagos ao meio-dia para chegar a Ilesa a tempo da cerimônia. Nossa primeira conversa em mais de uma década durou menos de um minuto.Quando desliguei o telefone, não senti nem sombra da raiva que eu esperava sentir; em vez disso, tive um súbito desejo de ficar na cama o dia inteiro, dormindo. O telefonema de Dotun fez com que eu me perguntasse se você vai honrar meu convite. Eu me pergunto se você vai aparecer, se vai concordar em se sentar ao meu lado e cantar os hinos.À medida que escavamos, a terra vai ficando mais dura. Não parece uma sepultura, apenas um longo buraco no chão. Limpo a garganta.— Eu acho melhor chamarmos alguém para terminar isso.Henry sorri e desaba contra a parede da cova, como se tivesse ficado o dia todo esperando que eu dissesse isso. Ele franze a testa.— Arinola...Espero que conclua a frase, mas ele não diz mais nada. Eu olho para sua testa franzida,tentando entender o que seu silêncio significa.— Você não quer que eu diga a ela que abandonamos o trabalho?— Ela ficou muito emocionada por eu estar cavando a sepultura.— Tudo bem, podemos dizer a ela que você cavou.É a verdade — exagerada, mas ainda verdade. Além disso, o que seria do amor sem a verdade exagerada até o limite, sem as versões melhoradas de nós mesmos que apresentamos como se fossem as únicas que existem?*Timi me disse que Moomi se recusou a descer para a cerimônia. Enquanto me pergunto o porquê, ocorre-me que minha mãe poderia estar triste pela morte de meu pai. Quase dou uma risada. Enquanto subo as escadas, dois degraus por vez, sei que o motivo deve ser outro.Acho que eles nunca foram apaixonados. Mas se toleraram até meus irmãos e eu sairmos de casa. Então Moomi parou de se dar ao trabalho de ser tolerante e libertou a raiva e o ressentimento que cultivara durante anos. Meu pai não reagia: depois de lidar com suas quatro esposas mais novas, restavam poucas energias àquele pobre homem. Agora que ele está morto, acho que Moomi vai sentir um pouco de tristeza, mas misturada a uma sensação de triunfo: ela o superou. Viro à esquerda no patamar da escada e entro na sala íntima de Moomi. A porta do quarto está escancarada. Ela está sentada na cama, vestida de branco como as outras viúvas, com os braços cruzados sobre o peito.— Moomi, Timi disse que você não quer descer. Por quê?Ela suspira.— Akinyele.Nunca é um bom sinal quando ela me chama pelo meu nome completo. Entro no quarto e me sento em uma poltrona, esperando que ela continue.— Uma mentira pode viajar por vinte anos, por cem anos, mas basta um dia... — Ela levanta a mão direita e aponta para o teto com o dedo indicador. — Basta um dia para que a verdade a alcance. A verdade alcançou você hoje, Akin. Hoje é o dia em que descobri que você tem mentido para mim a respeito de Dotun. Não me disse que ele ligou hoje de manhã?Você disse que a esta hora ele já estaria aqui. Onde ele está? Akinyele, onde está meu filho?Enfio a mão no bolso da calça, pego meu telefone, disco o número do qual Dotun me ligou pela manhã e levo o telefone à orelha.O número que você ligou no momento está fora de área. Por favor, tente mais tarde.— Está vendo? Eu acabei de ligar para ele, Ma. O número está fora de área.— Você não vai mais me enganar. Acha que vou desabar se me disser a verdade? Mesmo que a verdade acabe comigo, acha que sou jovem demais para morrer?— Você precisa acreditar em mim.Estou cansado de tentar convencê-la de que não estava mentindo, quero apenas que Dotun apareça de uma vez e ponha fim à ansiedade dela.— O que poderia realmente me matar é saber que você e seu irmão não fizeram as pazes e que Dotun foi para o túmulo sem perdoá-lo. — Moomi suspirou. — E que eu poderia ter colocado juízo na cabeça de vocês, mas não, preferiram não me dizer qual era o motivo da briga.— Vou lhe dizer mais uma vez: nós resolvemos tudo muito antes de ele ir embora.É Dotun quem precisa do meu perdão, não o contrário. Mas tenho certeza de que ele ainda acha que eu preciso me desculpar. E eu me dei conta, Yejide, que é do seu perdão que preciso. A questão de perdoar Dotun ou implorar por seu perdão se torna secundária quando Moomi derrama as primeiras lágrimas que a vi derramar desde que seu marido morreu. São lágrimas que não têm nada a ver com meu pai: são todas para Dotun, seu filho favorito.— Como você pode me dizer que meu filho está vivo se ele ainda não chegou em casa para enterrar o próprio pai, o próprio pai? Akin, você está me enganando, agora tenho certeza de que me enganou esse tempo todo.A voz de Moomi estremece, mas ela não soluça, as lágrimas simplesmente rolam.— Moomi, pare de chorar, por favor. Venha, vamos descer para que o funeral possa começar. Todos já estão sentados, são quase quatro. Tenho certeza que ele chegará durante a cerimônia.— Se você não trouxer Dotun até este quarto, eu não vou a funeral nenhum.Ela tira o lenço, dobra-o em um quadrado e coloca-o na mesa de cabeceira.— Moomi, você está nervosa à toa. Ele logo estará aqui.Ela se deita na cama e se vira para a parede.Esse atraso me faz pensar que Dotun continua o mesmo, o homem que deixou o país sem dizer nada a ninguém da família; o homem que vai chegar quando o funeral terá terminado,não vai se desculpar e vai fazer uma piada esperando que todos riam.— Moomi, por favor, pare de chorar, Dotun não está morto. — Eu olho para o relógio.Faltam cinco minutos para as quatro. — Moomi, espero que esteja me ouvindo. Às cinco em ponto, se Dotun não tiver chegado, vamos começar o velório.— Sem mim?— Vou pedir ao padre que adie por uma hora. Não posso pedir mais do que isso, Ma.— O padre não vai começar sem mim.— Eu pedirei a Timi que venha chamá-la quando faltarem alguns minutos para as cinco. —Eu me levanto. — Por favor, fique tranquila, Moomi.Desço as escadas e volto para o jardim, onde as tendas foram instaladas. Inclino-me para cumprimentar algumas pessoas enquanto atravesso a multidão ruidosa em direção à primeira fileira de cadeiras, tudo isso enquanto olho em torno à procura de seu rosto.Na frente da tenda, falo com o sacerdote, depois sussurro para minhas madrastas que a vigília começará às cinco. Vou para o fundo da tenda sem responder-lhes por que Moomi ainda não desceu. Preciso me afastar do barulho, ligar para o coveiro, confirmar que o lugar de descanso de meu pai está pronto.No momento em que saio do abrigo da tenda, um táxi amarelo e preto de Lagos estaciona.Vejo Dotun no banco de trás, sozinho. Ele sai do carro, ergue os olhos e nossos olhares se encontram. Ele está calvo também, e seu rosto é uma versão flácida daquele do qual me lembrava.Fico observando-o com as mãos nos bolsos da calça. Ele fica parado ao lado do táxi por um momento, depois vem na minha direção. E, pela primeira vez em mais de uma década,meu irmão e eu ficamos cara a cara.Tento pensar no que fazer, no que dizer. Ele se adianta e se prostra na areia vermelha. Ao se levantar, diz duas palavras:— Irmão mi.Não sei quem faz o primeiro movimento, mas não importa; nos abraçamos, rindo. Acho que um de nós tem lágrimas nos olhos.Yejide, espero que seja assim também entre nós quando você chegar. Se você vier.