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O irmão do meu marido era um daqueles tipos que ganha uma discussão porque consegue gritar mais alto e por mais tempo do que todos os outros, mesmo que seus argumentos sejam estúpidos. No calor de uma disputa, tinha um jeito de virar o pescoço quase por completo que dava a impressão de que ia estrangular a si mesmo se não lhe dessem razão. E a maioria das pessoas acabava por fazer exatamente isso. Eu sempre achei que todos deixavam que ele achasse que tinha razão e que tivesse a última palavra porque não queriam ser responsáveis por sua morte.Eu não gostava de meu cunhado, mas era casada com Akin, e Dotun fazia parte do pacote.Sempre que Dotun nos visitava, eu ficava feliz por ele morar em Lagos e suas visitas serem espaçadas o suficiente para que eu tivesse tempo para respirar. Ele estava sempre contando piadas absurdas que não faziam ninguém rir, enquanto ele mesmo ria alto, muito alto, das próprias anedotas sem graça. Era cansativo ficar perto dele: eu sempre me via obrigada a rir de coisas que não eram divertidas ao mesmo tempo que tentava descobrir qual era o momento certo, já que suas piadas não faziam o menor sentido. Ele não era um homem a ser levado a sério: em meio a todas as suas risadas, fazia muitas promessas que nunca cumpria.Certa vez, Dotun nos prometeu uma criança; ele disse que mandaria um de seus filhos para morar conosco até eu engravidar. Quando disse isso, eu fiquei de joelhos e agradeci-lhe. Meses antes, Moomi havia sugerido que eu procurasse uma criança, uma criança pequena que pudesse morar comigo até eu engravidar.Ela dizia que as crianças sabiam como chamar outras crianças para o mundo. Ter a voz de uma criança perto de mim constantemente chamaria meus próprios filhos; apressaria sua vinda ao mundo. O único problema era que eu tinha apenas meios-irmãos e meias-irmãs,com quem não falava havia anos. Não tinha nenhum parente que me confiasse um filho, de forma que não pensei mais nessa ideia até que, de alguma forma, Dotun ficou sabendo e prometeu mandar seu filho mais novo para morar conosco.Ele se chamava Layi e na época tinha dois anos. Arrumei um quarto para ele no andar decima. Comprei brinquedos, livros ilustrados, cadernos de desenho e lápis de cor. E esperei.Todos os objetos no quarto ficaram empoeirados. Eu esperava e tirava o pó de cada brinquedo e de cada livro com um pano macio. Pedi a Akin que ligasse para o irmão e pedisse notícias. Os objetos voltaram a ficar cobertos de pó, então Akin me disse que Dotun tinha mudado de ideia. Peguei todos os brinquedos e os doei.Ainda assim, fiquei feliz quando Dotun apareceu à nossa porta em um sábado de manhã,justo quando o sol estava voltando a despontar depois de um temporal. Funmi tinha viajado para visitar parentes e Akin não parava de me seguir pela casa, pedindo detalhes sobre meu tratamento no hospital. Era como se ele soubesse que ainda havia uma parte de mim que no fundo ainda achava que os médicos tinham se enganado. Naquela manhã, ele tinha conseguido fazer um interrogatório tão irritante que acabei gritando que era possível que todos estivessem errados e eu estivesse certa.— Você precisa dizer ao seu médico o que pensa de verdade — disse ele. — E não o que acha que ele quer ouvir.Fiquei feliz em ver Dotun porque achei que ele ia distrair Akin. Eles gostavam da companhia um do outro e passavam horas ao telefone discutindo sobre esportes, política e coisas sem importância. Às vezes, quando Akin pensava que eu não estava ouvindo, eu os ouvia debatendo sobre o que seria melhor: uma mulher com seios fartos ou uma com um traseiro bem redondo. Imaginei que, com Dotun por perto, Akin aliviaria a pressão que estava colocando em mim.— Estou aqui! — gritou Dotun quando abri a porta. Ele me empurrou para o lado para dar um abraço no irmão, em seguida recuou e se curvou. — Irmão mi.Akin era tão alto que tinha sempre que se curvar ao passar por uma porta. Sua pele era de um bronze acastanhado que ao sol assumia um verniz reluzente. Dotun era da mesma altura que ele, mas tinha a pele mais clara e era mais magro, com bochechas escavadas. Eu me ajoelhei para cumprimentá-lo. Nós tínhamos a mesma idade, mas como ele era parente de meu marido, esperava-se que eu o tratasse como se fosse mais velho. Eu acreditava que ele era um típico oniranu, um homem totalmente irresponsável, mas o tratava com o devido respeito toda vez que ele ia à nossa casa.— Seja bem-vindo, senhor. Espero que tenha feito uma boa viagem — falei.Dotun se acomodou em uma poltrona, apoiando as pernas estendidas sobre a mesa de centro de mogno.— Minha esposa mandou seus cumprimentos. Ela está no turno da noite este fim desemana e não consigo dar conta dos meninos sozinho; as brigas entres eles teriam me convencido a jogar o carro em uma árvore no caminho até aqui, então eles ficaram em Lagos.Como nossa mãe sobreviveu a nós dois? Estou pagando meus pecados. Os meninos estão com a tia, a irmã de minha esposa. Yejide, ouvi dizer que você se tornou dois em um; engoliu um ser humano! Venha cá, deixe-me vê-la melhor.Fiquei de pé diante de meu cunhado e dei uma volta para que ele fizesse a inspeção. O sorriso que estava estampado no rosto de meu marido desde que Dotun chegara desapareceu.— Ela não está grávida — disse Akin. — Ela está doente, está se tratando com um médico...— Mas Moomi disse... — começou Dotun.— Eu estou grávida — falei, agarrando minha barriga e desejando que o bebê chutasse naquele momento, que ele provasse a mim, a todos naquela sala, pondo fim à incredulidadede Akin de uma vez por todas.— Irmão, é a mulher quem deve dizer se está grávida — disse Dotun.— Pergunte-lhe há quanto tempo ela está grávida — falou Akin.Dotun focou o olhar em minha barriga, cerrando os olhos como se eu tivesse de alguma forma encolhido e ele precisasse se esforçar muito para me ver.— Akin, não cabe a você dizer o que estou sentindo em meu corpo.Akin se levantou e segurou meus ombros.— Você foi expulsa das aulas do curso pré-natal, Yejide. Fez cinco ultrassons, com cinco médicos diferentes, em Ilesa, Ifé e Ibadan. Você não está grávida, está delirando! — Saliva espumava nos cantos de sua boca. — Yejide, isso tem que parar. Por favor, eu imploro.Dotun, fale com ela. Eu já cansei de falar, minha boca está começando a ficar esfolada de tanto falar.Suas mãos estavam machucando meus ombros.Dotun ficou pardo, boquiaberto; ele fechou a boca e a abriu novamente. Nunca o vira sem palavras.— Do que os médicos sabem, afinal? — disse Dotun quando sua voz voltou. — É a mulher que sabe se está grávida ou não.Ele acreditava em mim. Não havia nenhuma ironia, nenhuma dúvida em seu olhar, que encontrou o meu com franqueza. Havia algo em seus olhos que eu não via nos olhos de Akin havia muito tempo, tempo demais. Confiança em mim, em minhas palavras, em minha sanidade. Eu queria abraçar Dotun com força até que sua fé em mim restaurasse minha esperança cada vez mais vacilante e afastasse o desespero que me consumia.— Seu cérebro está derretendo, Yejide. Derretendo — disse Akin. — Dotun, estou cansado de tentar colocar juízo na cabeça dessa louca.Eu vou para o clube, você vem?Ele nunca tinha falado assim comigo antes. Suas palavras iam se repetir em minha mente por semanas, fazendo-me estremecer todas as vezes. Seu cérebro está derretendo, Yejide.Derretendo, derretendo. Dotun começou a dizer algo em minha defesa, mas não esperei para ouvir. Pressionei as mãos contra a barriga e subi a escada aos tropeços, cega pelas lágrimas.Quando entrei em nosso quarto, ouvi o carro de Akin saindo do pátio da frente.Às vezes, acho que as palavras de meu marido facilitaram para que eu deixasse Dotun me consolar. Acho que elas me deixaram frágil o suficiente para que eu me apoiasse nele quando me abraçou enquanto eu chorava, quando beijou os lóbulos das minhas orelhas e tirou minhas roupas. Tudo terminou em um piscar de olhos, deixando-me com sêmen e uma dor seca entre as coxas. Senti uma forte compaixão por minha pobre cunhada. Então era isso?Tudo o que ela tinha de Dotun semana após semana? Eu esperava sentir mais, um tremor pelo menos, apesar de mim mesma, ainda que aquilo fosse contra tudo em que eu pensava acreditar — até aquele fim de semana.— Vai ser melhor da próxima vez; eu serei melhor. Você é muito bonita... você... Eu sempre achei... — disse Dotun enquanto vestia as calças apressado.E, mesmo que tentasse negar, eu sabia que haveria uma próxima vez. Havia algo diferente,mais completo, em estar com ele. Eu queria tentar novamente. Meu primeiro impulso foi contar a Akin, mas como se conta ao marido: Eu quero que você me coma como seu irmão? Fiquei no quarto o resto do fim de semana. Deixei a porta aberta para ouvir Akin e Dotun rindo ou suas vozes se elevando em uma discussão. Não ouvi nada; tudo estava quieto no andar de baixo. O silêncio foi uma presença que me golpeou com força no ventre até eu perder meu bebê milagroso em um rio de lágrimas culpadas.Quando ele se dirigiu para o quarto na noite de domingo, Akin me encontrou toda encolhida. Eu gemia meu bebê, meu bebê.Ele ficou junto à porta. Eu tinha certeza de que não ia se aproximar de mim, de que ele ia sair. Tinha certeza de que as mãos de seu irmão tinham deixado impressões na minha pele.Impressões que reluziam aos olhos de meu marido sob a luz fluorescente que iluminava nosso quarto, impressões que todos os banhos quentes que eu tinha tomado não conseguiram lavar.Akin fechou a porta, tirou a camisa e a camiseta que usava por baixo, dobrou-as com cuidado no pé da cama e deitou-se ao meu lado. Esticou meus membros, passando as pontasdos dedos sobre minha pele.— Desculpe — disse ele. — Eu sinto muito.Ele sussurrou meu nome: Yejide, Yejide. Era tão doce em seus lábios, um som exótico que era por si só uma carícia. Eu queria que ele soubesse o que eu não conseguia dizer, que meu bebê, a gravidez que eu tinha acalentado, tinha chegado ao fim. Ao fim. Eu estava vazia de novo.Ele beijou meu rosto até eu começar a gemer seu nome.Tive vontade de correr até Dotun para lhe dizer: Veja! Veja o que Akin pode me fazer sentir apenas beijando meu rosto. VEJA!Ele sussurrou meu nome, sua respiração quente contra minha pele. Eu estremeci e cobri os lábios dele com os meus. Ele começou a beijar meu pescoço, e eu fechei os olhos. Dessa vez,não consegui me entregar às sensações que a língua e os dedos dele me provocavam. O prazer estava suspenso pela minha fervorosa esperança de que tudo fosse perfeito, nas condições exatas para eu engravidar.Dotun foi embora na segunda-feira de manhã. Ao se despedir, sua mão se demorou demais em meu ombro, e tive a impressão de ver Akin cerrar a mandíbula enquanto acenávamos para o carro de Dotun que se afastava.

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