1992 EM DIANTE
Na primeira vez que Dotun fez sexo com minha mulher, fiquei de pé diante da porta do quarto e chorei. Foi em um sábado. Funmi tinha ido visitar parentes ou algo do gênero. Eu deveria estar no clube. Eu achava que seria capaz de jogar tênis ou beber uma cerveja enquanto meu irmão tentava engravidar Yejide. Tinha planejado tudo de maneira que,quando voltasse para casa, Dotun já teria deixado nosso quarto, Yejide teria vestido suas roupas e eu poderia agir como se não soubesse o que tinha acontecido.Mas, a caminho do clube, dei meia-volta com o carro e voltei para casa. Tinha esperança de encontrá-los na sala de estar, assistindo a algo na televisão, sentados em lados opostos.Pensava que talvez Yejide não fosse tão vulnerável quanto eu imaginava, que talvez Dotun não fosse tão persuasivo quanto eu acreditava e que eu teria a chance de dizer ao meu irmão que havia mudado de ideia. Não tinha mais certeza sobre meu plano, não conseguia mais suportar a ideia dele colocando as mãos na minha mulher.Não havia ninguém na sala de estar.Eu poderia ter dado meia-volta quando cheguei à porta do nosso quarto, quando ficou óbvio que era tarde demais para interromper o que eu tinha começado. Eu deveria ter descido as escadas e saído de casa novamente. Mas descobri que não conseguia me mover. Era como se meu corpo estivesse de repente sem ossos, prestes a desabar. Então agarrei a maçaneta de aço inoxidável com ambas as mãos, pressionando a testa contra o batente da porta. Lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto enquanto eu imaginava o que estava acontecendo do outro lado da porta.Até aquele dia, todas as lágrimas que eu derramara depois de adulto tinham sido todas por Yejide. A primeira vez foi quando ela me perguntou se eu achava que ela tinha sido responsável pela morte da mãe. Tenho certeza de que ela ainda estaria viva se não tivesse me concebido, disse ela, enrolando uma trança em torno do dedo indicador. Eu não sabia o que dizer, mas meu corpo respondeu ao completo desespero em seus olhos com a ardência de lágrimas nos meus. Ela piscou e o desespero desapareceu, simples assim. Então sorriu e me pediu para esquecer o que havia acabado de dizer. Claro que não foi minha culpa; não fui eu que criei minha cabeça, acrescentou, soltando a trança. Ela mudou de assunto enquanto eu esfregava meus olhos com o dorso das mãos. Não percebeu minhas lágrimas, e eu senti como se tivesse acabado de testemunhar uma discussão que ela estava tendo consigo mesma.Percebi que ela não tinha olhado nos meus olhos na esperança de que eu lhe desse respostas— Yejide tinha olhado na minha direção apenas porque eu estava lá.Duas semanas depois, o pai dela morreu. Diante de seu túmulo, fiquei chocado ao perceber que suas madrastas mudaram de lugar para garantir que Yejide não tivesse nem um membro da família ao seu lado. Todos passaram de um lado para o outro do túmulo, de modo que Yejide e eu ficamos sozinhos, como intrusos. Quando a cutuquei e falei para irmos para junto de seus irmãos e madrastas, ela sorriu e me disse que eles tinham mudado de lugar por causa dela e que, se fôssemos para junto deles, simplesmente mudariam de lado de novo. Yejide já havia mencionado que suas madrastas sentiam prazer em excluí-la. Mas, até aquele dia no enterro, eu não tinha pensado muito sobre como deveria ter sido para ela crescer em uma família na qual seu único aliado era o pai. Seu pai, o homem que lhe dissera mais de uma vez que o amor de sua vida poderia ter vivido para sempre se a cabeça de Yejide fosse menor quando ela nasceu, pequena o suficiente para que sua mãe pudesse colocá-la no mundo sem perder muito sangue. As lágrimas que consegui conter no funeral não eram pelo pai de Yejide — eu o encontrei apenas uma vez antes de ele morrer. As lágrimas que borraram minha visão eram pela menina solitária que se tornou a mulher cuja mão eu segurei quando ela se inclinou para jogar um punhado de terra sobre o caixão do pai.Muito antes de falar com ele, eu sabia que Dotun ia concordar em fazer sexo com a minha mulher. Eu já vinha me preparando, dando como certo que, quando acontecesse, a única coisa que eu sentiria seria compaixão por Yejide. Na presença de meu irmão, ela tentava agir como uma boa cunhada, mas eu sabia que ela o desprezava e considerava sua mulher uma pobre coitada por ter se casado com ele. Uma vez, ela deixou escapar que não conseguia acreditar que éramos irmãos. Não explicou o que quis dizer com aquilo, mas eu sabia que ela estava querendo dizer que achava que eu era Jekyll e ele era Hyde. Pensei que teria compaixão dela, pela culpa que ia carregar; compaixão por ela precisar encontrar conforto em um homem que desprezava. Não imaginava que o toque de Dotun pudesse lhe dar prazer.Mas naquele sábado, em vez de sentir alguma emoção em relação à minha mulher, chorei porque me senti humilhado, desesperado, enraivecido. Minhas lágrimas não tinham nada a ver com Yejide. Eu não dava a mínima para como ela estava se sentindo naquele dia. A raiva se enroscou em torno do meu pescoço como uma jiboia, fez meus olhos se encherem de lágrimas, provocando uma dor aguda no peito cada vez que eu respirava.As lágrimas já tinham desaparecido quando Dotun saiu do quarto — sem camisa, com gotas de suor ao redor das clavículas, como um colar que se dissolvera. Tudo o que me restava era aquela raiva que me sufocava.— Ela está no banheiro — disse ele enquanto fechava a porta. — Você disse que estava indo para o clube. Irmão mi, você está bem?Então eu me virei, desci as escadas e saí com o carro antes que Yejide percebesse que eu tinha voltado. Passei o resto do dia dirigindo pela cidade e só voltei para casa quando era quase meia-noite. Yejide ainda estava acordada quando entrei no quarto. Lembro-me de ter pensado, quando ela veio até mim e me abraçou, que pela primeira vez tive vontade de fazer mal a ela, de fazê-la sentir dor. Minhas mãos tremiam quando acariciei seu cabelo. Sempre senti que não a merecia e, naquele dia, quando abri as janelas do quarto para deixar entrar um pouco de ar fresco, soube que nunca me tornaria o tipo de homem capaz de merecê-la.Na noite seguinte, Dotun procurou Yejide novamente, conforme planejado. Eu fui para oIjexá Sports Club e tentei comer uma sopa picante de bagre. Quando voltei para casa,encontrei Yejide encolhida na cama, chorando enquanto dizia algo que eu não conseguia compreender. Tirei a camisa e a camiseta que usava por baixo e a abracei enquanto ela chorava e falava sobre como tinha certeza de que estava grávida da primeira vez. Eu senti o bebê chutar, disse. E apesar de, enquanto beijava seu rosto, não conseguir pensar em nada a não ser no fato de que Dotun estivera com ela naquela mesma cama algumas horas antes,consegui tranquilizá-la e dizer-lhe que era apenas questão de tempo para que engravidasse de verdade. Isso foi o que bastou para termos Olamide — um fim de semana. O plano era ter quatro filhos: dois meninos, duas meninas. Uma vez a cada dois anos, Dotun passaria um fim de semana conosco, engravidaria minha mulher e voltaria para Lagos. Eu sempre imaginei que eu fosse o instigador, quem decidia quando era hora de eles irem para o quarto e fazerem bebês. Depois que Yejide ficou grávida de Rotimi, decidi que seria cruel demais trazer outra criança ao mundo quando havia a possibilidade de que ele ou ela tivesse que enfrentar o mesmo tipo de dor que Sesan. Eu disse a Dotun que nosso acordo tinha terminado. E nunca imaginei que um dia voltaria para casa e o encontraria penetrando minha esposa sem minha permissão. Quando surpreendi os dois, a raiva que havia ficado enrolada em torno do meu pescoço desde aquele primeiro sábado despertou de novo, apertando com força. Meus olhos encontraram os de Yejide e senti vergonha. Os olhos que antes me olhavam como se eu fosse tudo que ela possuía no mundo agora me encaravam com desprezo. Olhavam para mim como se eu fosse um inseto que ela desejava esmagar. Ela não fez nenhum movimento para parar Dotun, apenas virou a cabeça. Percebi que, apesar de eu achar que meu irmão e eu trocaríamos de lugar de vez em quando, a verdade era que, desde aquele primeiro sábado, ele tinha ocupado espaços dos quais eu nunca tinha nem sequer me aproximado.Esperei até que Dotun saísse de cima dela e me visse. Ele pulou da cama. Tirei meu paletó sem pressa, dobrei-o e coloquei-o sobre a cama. Não havia nenhuma arma ao meu alcance,nenhum pilão, nenhuma faca afiada à mão. Fui até Dotun, armado com as únicas armas de que realmente precisava: minha fúria e meus punhos cerrados.— Irmão Akin... espere, espere, Irmão Akin... não deixe o diabo usá-lo, Egbon mi... por favor, não seja... espere... um instrumento do diabo... — gritou Dotun, cobrindo o corpo com um lençol.Comecei a rir, e o som saiu com dificuldade, arranhando minha garganta.— Instrumento do diabo? Eu? Seu desgraçado.Desferi socos em sua boca, seu nariz, seus olhos. Senti a pele se romper, ouvi seus ossos se fraturarem e vi sangue escorrer de seu nariz. A cada soco que desferia no rosto de Dotun, o latejar em minha cabeça se intensificava. Ele desviou de mim até tropeçar no lençol que usava para se cobrir. Então caiu e bateu a cabeça na mesa de cabeceira de Yejide ao tombar,derrubando o abajur. Ele caiu de costas e o lençol se desenrolou de seu corpo.Eu me ajoelhei sobre sua barriga nua e golpeei — seu pescoço, seu peito, as mãos com as quais tentava se defender. Havia sangue em minhas mãos — seu sangue, meu sangue. O sangue escorreu para o tapete, espalhando-se em uma mancha semelhante a um mapa que nunca mais seria removida.— Eu confiei em você!Saí de cima dele e chutei seu peito até a pele abaixo de seu mamilo sangrar. Ele tossiu sangue no carpete. Sangue e um dente, que brilhou na pequena poça vermelha. Tentou dizer algo, em seguida tossiu e cuspiu mais sangue.O pênis ainda úmido e mole entre suas pernas me encolerizava. Pensei em onde ele estava havia pouco, e uma vida inteira de raiva ferveu em minha cabeça. As imagens dele com Yejide contra as quais passei minhas horas de vigília lutando durante anos, imagens que me faziam afundar em pesadelos cada vez que minha cabeça repousava sobre um travesseiro,escaparam da gaiola de negação que eu havia construído para elas.Eu me ajoelhei entre as pernas abertas de Dotun, agarrei seu pênis mole e o torci. Seu grito teria me deixado surdo se eu o tivesse ouvido, mas o som da minha mente abafava todo o resto. Senti mãos macias em meus ombros, puxando-me para trás. Eu continuava torcendo,torcendo.— Pelo amor de Deus, Akin. Não o mate, por favor. Yejide estava de joelhos ao meu lado, ainda nua.Eu tirei as mãos de Dotun.— Cale a boca, sua vagabunda.— Eu? Akin, eu... uma vagabunda? Um cachorro comerá sua boca por ter dito isso.Sua voz estava carregada de raiva, não de súplica.Peguei o abajur caído e arranquei o fio da tomada.— O que você vai fazer? — A voz de Yejide era estridente de pânico. — Akin, Akin?Ergui o abajur com ambas as mãos. Yejide colocou as mãos ao redor do meu peito e tentou me afastar de Dotun.— Akin? Akinyele, eu imploro, em nome de Deus, não permita que o diabo o use. Dotun tentou se sentar, cobrindo os olhos com as mãos. Eu o acertei no queixo com o abajur, derrubando-o no chão. Yejide disse alguma coisa, mas eu ouvia apenas o latejar em minha cabeça, o som do vidro se partindo. Golpeei sua cabeça com o abajur, quebrando os painéis de vidro da cúpula e as lâmpadas contra seu couro cabeludo até deixá-lo inconsciente.Eu me levantei, apertando o que restava do abajur contra o peito.— Você matou seu irmão — sussurrou Yejide atrás de mim. — Você matou o filho de sua própria mãe.Eu esperava que ela estivesse certa.
