forget the horror here

305 40 445
                                    

— Lembrem-se, não podemos molhar os pés de gasolina. Muito menos as roupas. Encharquem os armários de roupa de cama, as toalhas, o piso, os livros e as camas. Lembrem-se, deixem a lata de gasolina longe dos jornais, para conseguir pegá-la depois. Vejam o fogo começar e que realmente está queimando. Depois corram. Usem a escadaria da cozinha e saiam pela porta do quartinho dos fundos. Lembrem-se, peguem a lata de gasolina e levem de volta ao ancoradouro. Vejo vocês em Cuddledown. Vamos colocar as roupas na máquina de lavar, vestir outras e ver as chamas antes de ligar para os bombeiros.

Foram as últimas palavras que eu disse a eles. Meus mentirosos.

Michael, Ashton e os gêmeos foram para os dois andares de cima de Clairmont levando latas de gasolina e sacos de jornais velhos para iniciar o fogo.

Antes de Calum descer para o porão, eu o beijei.

Vejo você em um mundo melhor — ele me disse, e eu ri.

Nos encontraríamos em um mundo sem ganância, sem preconceito, onde as pessoas se amam de verdade. Onde somos as melhores versões de nós mesmo.

Eu só não tinha ideia de que aquilo fora dito em um consenso literal. Eu realmente só me encontraria com ele em outro mundo, em outro plano.

Para começar, estávamos meio bêbados.

De início bebemos garrafas de vinho do Porto quando todos saíram da ilha e nos deixaram sozinhos. O álcool me deu uma sensação de euforia e poder, até eu me ver sozinha na cozinha. Então senti tontura e náuseas. A casa estava fria. Parecia algo que merecia ser destruído. Estava cheia de objetos pelos quais as tias brigavam. Obras de arte valiosas, porcelana, fotografias. Tudo o que abastecia a raiva da família.

Dei um soco no retrato de minha mãe, Liz e Paige quando crianças, sorrindo para a câmera. O vidro quebrou e eu caí para trás. O vinho estava embaçando minha cabeça. Eu não estava acostumada a beber.

Eu não deveria ter bebido tanto. Não, de jeito nenhum.

Com a lata de gasolina em uma mão e o saco de jornal na outra, decidi fazer aquilo o mais rápido possível. Espalhei o líquido pela cozinha primeiro, depois na despensa. Joguei na sala de jantar e estava encharcando os sofás da sala de estar quando me dei conta de que devia ter começado pela ponta mais afastada do quartinho dos fundos. Era por ele que sairíamos. Eu devia ter jogado o combustível na cozinha por último, para poder correr sem molhar meus pés com gasolina.

Burra.

A porta principal, que abria para a varanda, já estava encharcada, mas havia outra porta pequena também. Ficava perto do escritório do meu avô e dava para a passagem que levava à casa dos empregados. Eu a usaria.

Ainda daria certo, não é?

Molhei uma parte do corredor e depois a sala de artesanato, sentindo uma onda de tristeza por estragar os tecidos estampados e as linhas coloridas da minha avó. Ela teria odiado o que eu estava fazendo. Amava seus tecidos, sua antiga máquina de costura e seus lindos objetos. Espero que algum dia, de onde ela estiver, possa me perdoar por isso.

Fui burra de novo. Muito burra.

Ensopei de gasolina minhas sandálias com sola de corda.

Tudo bem. Fiquei calma. Eu as usaria até terminar e depois as jogaria no fogo, ao correr para fora.

No escritório do meu avô, subi na mesa, molhando as estantes até o teto, segurando a lata de gasolina bem longe de mim. Ainda havia uma boa quantidade de combustível e aquele era meu último cômodo, então encharquei os livros que nunca foram lidos. Depois molhei o piso, empilhei os jornais sobre ele e me afastei até um pequeno corredor que levava à porta.

we were liars - cthOnde histórias criam vida. Descubra agora