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- Você mentiu pra mim.

O resmungo infantil seguido do choro fez Charlotte fechar os olhos e apoiar a testa no volante do carro, estava parada em um sinal enquanto Daisy reclamava no banco de trás.

- Olha, meu amor, você sabe que eu fiz isso pro seu bem, certo? - perguntou em um tom de voz carinhoso, acelerando o carro quando o sinal abriu.

- Vacina nunca é boa. - rebateu com a voz embargada, seu pequeno rostinho banhado por lágrimas. - Dói, é triste e me deixa todinha dolorida.

- Mas te protege e te faz poder ir passar o fim de semana com a Nana Alice. - relembrou calmamente, o que a fez parar de falar, mas ainda soltar suspiros profundos e soluços leves.

Charlotte agradecia por ela não ter corrido assim que soube para onde estavam realmente indo, lembrava sem saudade dos tempos em que tinha que correr quase uma quadra inteira só para encontrar Oliver. Henry nunca a acompanhava em dia de vacina, ele chorava mais do que as crianças, então ela lidava com o choro e com a birra sozinha. Porém era ele quem ficava como voluntário nos passeios infantis e feiras de temas estranhos.

Virou o carro para a esquerda e adentrou a rua do teatro onde seu filho ensaiava para uma peça, o encontrou na entrada do local conversando com uma amiga. Estacionou na vaga disponível e o esperou entrar, mas assim que ele fechou a porta com força e prendeu o cinto de maneira brusca, a Hart soube que algo deveria ter dado errado.

- Hum, olá, querido. - tentou soar desinteressada, Oliver estava em uma fase em que tudo o que eles perguntavam ele afirmava que estava sendo um interrogatório.

- Oi. - respondeu emburrado.

Daisy olhou para o irmão com um enorme bico no rosto e afirmou magoada:

- Você não falou comigo, eu tomei vacina hoje.

- A dor no seu braço não é maior do que a da minha alma. - afirmou, virando o rosto para a janela e ignorando as duas.

Charlotte quis rir, mas sabia que isso só iria aumentar a irritação dele, então optou por ir direto ao ponto, até porque mais irritado do que ele estava talvez não fosse ficar.

- O que aconteceu, Ollie?

O Hart olhou para ela pelo retrovisor, inspirou profundamente e começar a falar sem parar.

- Pensei que nunca fosse perguntar. O Ed disse que eu não posso ser o capitão gancho porque sou muito fofo, tenho que ser um dos meninos perdidos porque até pra ser Peter pan eu aparentemente tenho que ser mais "maduro". Eu tenho onze anos, mãe, onze! Ele só tem dez e acha que sabe mais do que eu. Ce trou du cul à la tête énorme. (Aquele idiota de cabeça enorme)

- Oliver! - ralhou surpresa, o que o fez baixar a cabeça envergonhado e pedir desculpas em um sussurro.

Daisy alternava o olhar entre os dois, o rosto em uma expressão confusa. Charlotte então dirigiu até a escola de Harriet, parou em uma vaga embaixo da sombra de uma enorme árvore e esperou. A menina estava apoiando Naty que participava do período de testes das líderes de torcida, a filha de Jasper era a capitã da equipe e estava a ponto de enlouquecer a todos com sua procura pelas melhores. Mesmo sendo dois anos mais velha que Harriet, as duas cultivavam um amizade bastante sólida e que por vezes testava os nervos de seus pais.

- Onde está aquela garota? - Oliver perguntou impaciente, olhando para o lado de fora como se a qualquer momento sua irmã fosse aparecer pela força de seu pensamento.

- Deve estar com aquele garoto bonito. - Daisy disse, o que atraiu a atenção tanto de sua mãe quanto de Oliver.

- Como assim, Daisy? - Charlotte indagou confusa, retirando o cinto e virando-se para a garotinha que apertou sua boneca de pano nas mãos ao notar o que acabara de dizer.

- Nada. - respondeu rápido, os olhos arregalados em nervosismo.

- Isso está ficando bom.

- Ollie. - diante de seu olhar o garoto parou de rir, mas um sorriso divertido ainda enfeitava seu rosto. Voltou-se então para Daisy que apertou seus lábios fortemente. - O que você quis dizer, bonequinha?

A Hart mais nova somente balançou a cabeça em negação, Charlotte intensificou o olhar, se fosse Oliver, ele já teria dito tudo o que ouvira em detalhes.

- Melhor contar, fica desconfortável depois de um tempo. - aconselhou a irmã que ainda se mantinha calada.

Mas Daisy não precisou falar mais nada, Harriet abriu a porta do lado do motorista sorridente, mas o sorriso caiu para uma expressão confusa quando olhou para a sua família.

- O que houve?

Charlotte lançou um olhar de aviso para Oliver que fez um sinal de zíper em sua boca, Daisy soltou um alto suspiro de alívio e baixou o rosto para a sua boneca.

- Nada, querida. - respondeu à ela antes de colocar novamente o cinto. Ligou o carro e saiu para a rua. - Nada que eu não vá descobrir em algum momento. - sussurrou a última parte para si mesma antes de iniciar uma conversa com Harriet.

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