Capítulo 1 - A Chegada

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Se eu soubesse o tanto de confusão que encontraria em Ciclanto, uma cidadezinha no sul do país, conhecida como a Verona brasileira, teria ficado em Minas Gerais mesmo. Ciclanto era famosa por suas vinícolas, e, mais ainda, pelas famílias que rivalizavam pelo melhor vinho da região. O ódio entre eles era tão lendário que já havia rendido um filme da Netflix, livros e, mais recentemente, um escândalo de proporções mundiais quando dois dos herdeiros decidiram jogar tudo para o alto e ficar juntos. 

Eu estava inclusive encarando uma manchete bem sensacionalista que dizia “Romeu e Julieta do século XXI: um final diferente?” enquanto esperava meu voo para Porto Alegre. De lá, seriam mais três horas de ônibus até Ciclanto. Eu estava animada pela mudança. Iria dividir um apartamento com minha prima e a amiga dela, mudaria de faculdade...

Depois de cinco períodos de Direito, eu havia finalmente admitido para mim mesma que o curso era chato demais para mim. E como queria começar do zero, mudar de curso não foi o suficiente. Decidi atravessar metade do país também, deixando tudo para trás. Eu iria sentir falta dos meus pais, mas só. As outras coisas que eu queria esquecer, eu não iria levar comigo, tanto que nem lembro mais delas, tá vendo? 

Começar de novo era revigorante. Eu estava ansiosa e com um pouco de medo, e como sempre que você quer adiar o inevitável o tempo voa, quando me dei conta meu avião já estava pousando. Eu tinha falado para minha prima que ela não precisava vir até Porto Alegre me buscar, mas lá estava Bia com uma plaquinha de boas vindas numa mão e equilibrando dois chocolates quentes na outra. O que eu não iria reclamar, pois apesar de ser dezembro, estava bem frio. 

— Cecíliaaaa! Aqui! — Bia gritou, apesar de eu já ter visto ela me esperando. Ela me abraçou, com chocolate quente, plaquinha e tudo. Me deu um dos copos e me inspecionou para ver se eu estava bem, quando se deu por satisfeita, emendou o braço no meu e me levou até a esteira de bagagens. 

— Como foi de viagem? — ela perguntou, ficando nas pontas dos pés para olhar as horas no relógio da parede. 

— Muito bem — respondi sorrindo. Eu não via minha prima há uns três anos, desde quando ela se mudou para cursar veterinária em Ciclanto, e agora iríamos morar juntas. Mas assim que a vi, foi como se nenhum tempo tivesse passado, como se fosse ontem mesmo que minha vó aparecia brava no quarto às 2h da manhã, porque ainda estávamos acordadas conversando. 

— Ótimo. Estou muito animada que você veio a tempo do ano novo! Meu namorado conseguiu colocar nossos nomes na lista da festa da Helena Martinelli, ele estuda com ela e o Ethan, sabe? — Ela tagarelou como se não fosse nada demais, enquanto íamos arrastando minhas malas até o ponto de ônibus. 

— Espera aí... Helena Martinelli? Não é a Julieta? — perguntei enquanto associava o nome com as notícias de jornal que tinha lido na última semana, estudando as fofocas da cidade para chegar bem informada. 

— Ela mesma — Bia respondeu com uma careta. — Mas não chama ela assim, não queremos ser expulsas da festa! Ai, se você soubesse a história toda... 

— Temos tempo... — falei olhando para o relógio. E naquelas três horas de ônibus Bia me contou uma história que mais parecia saída de livro, com direito a sabotagem, sequestro, polícia, incêndio. Mas estava tudo bem agora. Ethan e Helena estavam juntos apesar das notícias sensacionalistas que eram divulgadas diariamente.

Acabou que nos distraímos, e a paisagem foi mudando para vinhedos por onde a vista alcançasse. Eu sentia uma leve pressão no ouvido enquanto subíamos a serra e a temperatura caía, mas era tudo tão bonito que eu não conseguia pensar em mais nada. 

O ônibus atravessou um pórtico lindo onde se lia “Bem-vindo a Ciclanto” e parou numa rodoviária pequena. A cidade me lembrava um pouco de Belo Horizonte, apenas porque misturava elementos antigos e velhos. A diferença era que ali o estilo colonial era quem disputava com as construções modernas. 

Pegamos um uber até o apartamento de Bia, meu apartamento também, repeti para mim mesma, que ficava em um bairro afastado do centro, mas próximo da faculdade. Por insistência dela, deixei minhas malas no quarto e fui tomar um banho para conhecer um pouco da cidade. Era quase ano novo, e dessa vez as coisas pareciam estar caminhando para se ajeitar na minha vida. 

Illicit Affairs [Projeto Folklore] - COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora