Capítulo 18 - Descomplicando

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Foi só quando cheguei na porta do meu apartamento que percebi que estava sem a chave. Como eu tinha saído de casa com as meninas, não tinha levado a minha! Que burra, Cecília. Pelo menos eu não estava na rua, já que nosso prédio tinha porteiro, mas ainda assim… Encostei as costas na parede e fui deslizando dramaticamente até o chão, deixando mais lágrimas escorrerem e imaginando que se minha vida fosse um filme eu deveria estar bem perto do fim, porque não era possível!

Depois de uma meia hora encarando a porta do elevador, sem conseguir falar com Bia nem Inez, e tendo que mexer o braço de tempos em tempos para a luz não ficar apagada, decidi que era Carnaval e eu não iria ficar ali, sozinha, sofrendo.

Fiquei pensando para onde ir. Até que veio uma ideia bem louca na minha cabeça. Desci correndo e ouvi o porteiro murmurar sobre esses "jovens de hoje em dia". Apesar de ter me arrumado como podia no elevador, ainda estava com os olhos um pouco inchados e com sangue respingado, mas por sorte pensariam que era parte da minha fantasia. 

No caminho, procurei Carlos no Instagram e mandei uma mensagem pra ele. Eu esperava que ele não me ignorasse. 

O Hotel Regénce estava decorado para o carnaval, apesar de nenhuma festa estar acontecendo ali, aparentemente.

– Boa noite! Tem uma reserva? – A moça na recepção me perguntou. Por coincidência, era Edith, a mesma da última vez em que estive ali. Uma sensação de dejavu percorreu todo meu corpo.

– Não… mas vou esperar, tudo bem? – Ela deu de ombros.

Peguei uma das revistas velhas da mesinha do centro e fiquei folheando, mas não conseguia me concentrar nas informações sobre vinho e turismo local.

Algum tempo depois, Carlos chegou. Uma sensação de formigamento se espalhou por todo meu corpo. Sua fantasia hoje era do Homem de Ferro, com direito a luz de led no peito e tudo.

– Você tem algo com aparecer em hotéis 1h da manhã ou algo do tipo? – Ele me perguntou.

– Boa noite pra você também – falei, me levantando sem jeito. Não sabia se deveria abraçá-lo ou algo assim. E então ele reparou na minha maquiagem borrada e no sangue espalhado pela minha roupa.

– Bela fantasia.

– Obrigada, a sua também, mas é sangue de verdade – sussurrei a última parte, como se contasse um segredo. Ele levou as mãos à cabeça, exasperado.

– Só me diz que não me quer como cúmplice de nenhum crime e vai ficar tudo bem – ele sussurrou de volta.

– Eu queria… me descomplicar. Não tinha pra onde ir – falei meio rindo, meio segurando o choro.

Ele ergueu uma sobrancelha, ainda confuso. Em seguida olhou para Edith, que fazia o máximo para nos espiar com discrição mas falhava miseravelmente nisso.

– Tá… Vamos conversar, então.

Fomos para o bar do hotel, que estava fechado, mas Carlos tinha uma chave. Quando olhei pra ele com uma interrogação nos olhos, ele me explicou que seus pais eram donos do hotel, mas que ele estava trabalhando como gerente por uns tempos, numa espécie de estágio-castigo.

– É uma longa história – ele completou.

– Temos a noite toda – falei.

– Você começa – ele respondeu, pegando várias coisas para começar a preparar um drink. Ainda bem que não me ofereceu vinho, eu não queria ver essa bebida maldita na minha frente tão cedo.

E então, entre um gole e outro de caipirinha, eu contei tudo. Como cheguei na cidade, comecei a sair com Thiago, descobri que ele tinha namorada, a mentira sobre o contrato, a armação com o Ciclossip, e nossa última conversa que resultou na minha mão cortada. No fim eu estava até com sede, e virei o resto da bebida de uma vez, o que nunca era uma boa ideia.

– Complicado é uma boa palavra pra começar a descrever – ele falou, virando sua dose de whisky também. Dei de ombros.

– Desculpa ter te enchido com isso em pleno Carnaval.

– Ainda tem mais dois dias de Carnaval. E ano que vem tem de novo, e depois de novo, e de novo… Embora, eu ainda te ache meio maluca, de sair contando sua história para um quase estranho, invadir festas e quebrar taças com a mão! – Ele falou, com um leve sorriso, se servindo de mais uma dose e fazendo outro drink pra mim.

– O Chapeleiro Maluco disse que as melhores pessoas são assim.

– É a opinião de uma pessoa que tem Maluco como sobrenome, mas se faz você se sentir melhor… – Ele comentou.

– Marvel ou DC? – Perguntei. Eu tinha reparado nas fantasias combinando. Ele ficou confuso um momento antes de ligar os pontos.

– Ah, as fantasias. Nenhuma, ou as duas.

– Não entendi – eu já estava um pouquinho alterada, não era hora para enigmas.

– Tanto o Batman quanto o Homem de Ferro se tornaram heróis pela sua inteligência, e riqueza, mas isso não vem ao caso. É mais plausível que ser picado por uma aranha radioativa, sabe? – E acho que se fosse uma conversa normal e estivéssemos sóbrios, ele não continuaria: – É como se eu pudesse ser mais como eles, e salvar um pouco do mundo também.

– Nossa…

Ficamos nos encarando por um tempo, em silêncio, mas não era um silêncio constrangedor. Era como se uma eletricidade estalasse no ar. Eu não reparei quando Carlos ligou as luzes coloridas do bar e nem quando colocou música. Mas estando ali, era como se a festa fosse só nossa. Eu estava num daqueles banquinhos altos de bar, os pés balançando, enquanto ele estava debruçado na bancada, brincando com pedrinhas de gelo.

– Se eu te perguntar uma coisa, você vai me achar estranha?

– Mais? – Ele riu, depois ficou sério. – Nessa altura, acho que nada que você disser vai me fazer sair correndo.

– Você tem namorada? Noiva? Esposa? Companheira? Ficante fixa?

Ele achou divertido, mas negou com a cabeça.

– Ótimo, porque eu quero muito que você me beije agora.

Não precisei pedir de novo, ele cobriu a distância entre nós com urgência, e aquele beijo teve sabor de recomeço.
Eu não senti fogos de artifício explodindo dentro de mim, foi mais como a chama de uma vela, que começa a queimar no centro lentamente, até derreter toda a superfície e se espalhar por cada cantinho da minha alma.

Alguma coisa sempre está prestes a terminar, mas em cada fim tem um novo começo. E, bem assim, numa madrugada de Carnaval, eu assisti a vida começar de novo.

Illicit Affairs [Projeto Folklore] - COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora