Capítulo 13 - Caixa de Pandora

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Quando acordei, demorei um pouco para me lembrar de onde estava

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Quando acordei, demorei um pouco para me lembrar de onde estava. Minha cabeça parecia que ia explodir, e alguns flashes de memórias foram voltando. Dançando com Carlos, depois correndo no trenzinho que os padrinhos puxaram, virando shots de tequila no bar, o que era sempre uma péssima ideia, e ainda Tayná, a noiva, gritando que escolheu se casar numa quarta-feira, porque ela viu o amor começar de novo numa quarta-feira, antes de jogar o buquê. A tequila explicava o porquê do latejar constante na minha cabeça, pelo menos. 

Desisti de responder as mensagens que tinha recebido, juntei minhas coisas e fui aproveitar o café da manhã antes do check-out. Era um dos melhores bufês que eu já tinha visto, talvez para comemorar o casamento na noite anterior, mas o saguão estava vazio. Nem sinal dos noivos, dos convidados, muito menos de Carlos. Era quase como se a noite anterior tivesse sido um sonho. Eu tinha gostado de dançar com ele, apesar de ser tudo o que tínhamos feito. Ele teria me beijado, se eu permitisse, mas com toda a ironia da situação eu não conseguia deixar de pensar que estaria traindo Thiago. E eu gostava dele, aquele desgraçado… Mas aquela pergunta de Carlos ficava ecoando na minha cabeça "quem é você, Cecília?". 

Quem sou eu? Eu só tinha uma certeza: não seria mais amante de ninguém. 

Depois de um café da manhã divino, fui para casa. Só queria me fechar no meu quarto escuro e chorar até desidratar, dormir até meu corpo me expulsar da cama, não necessariamente nessa ordem. Thiago tinha mentido pra mim. 

Quando o Uber me deixou na frente do meu prédio, vi o carro vermelho dele estacionado ali. Só me faltava essa. Eu quis entrar e fingir que não tinha visto, mas ele foi mais rápido. Desceu correndo e veio até mim, com uma caixa dourada enorme nos braços.

– Pelo amor de Deus, Cecília, onde você esteve? Não me atende, não responde, quando as meninas saíram para a aula me falaram que você não voltou pra casa… Inclusive achei que sua prima iria me bater – ele estava falando muito rápido. Era desesperador. 

– Será que você pode falar menos? Minha cabeça vai explodir – pedi. – E bom dia pra você também. 

E foi só então que ele reparou em mim. Na cara lavada, porque no hotel eu só consegui tirar a maquiagem, mas não tinha nem um protetor solar pra passar. Na mesma roupa da noite anterior. No meu cabelo que pedia socorro preso num coque. 

– Onde você estava? Você foi encontrar outra pessoa? 

Eu não pude evitar rir. 

– Eu não acredito que você tem a coragem de me perguntar isso! Sério, Thiago? Você passou a noite com a sua namorada – e não me orgulho, mas pronunciei namorada como se fosse a pior palavra do mundo – e esperava que eu fizesse o que? Ficasse em casa chorando? – Ele não respondeu. – E não que seja da sua conta, mas não fiquei com ninguém, porque não quero nunca mais ficar com duas pessoas ao mesmo tempo! 

Eu não estava gritando, mas falava mais alto que o normal. O bastante para chamar a atenção de Seu Antenor, o porteiro de plantão. Fiz um sinal positivo para ele de que estava tudo bem. Thiago teve a decência de parecer envergonhado. 

– Certo, me desculpe. Me desculpe também pela Eliza, por ela ter estragado a nossa noite. 

Assenti para esse pedido patético e perguntei: 

– Esse contrato dela com a Martinelli termina quando mesmo? 

– No meio do ano, na festa da colheita. Eu conferi. 

– Entendi… Queria ter certeza que você olhou direitinho sobre o contrato – falei. Contendo a ironia na minha voz. Com uma esperança ridícula de que ele admitisse. 

– Olhei sim, meu amor. Em breve estaremos livres. 

O observei sem falar nada. Meu coração se partindo, mais uma vez, e eu nem sabia que ainda tinha uma parte inteira para quebrar. Mas amores ilícitos são assim, não é? Experimentamos a verdade uma vez, e depois a mentira um milhão de pequenas vezes. 

– Eu trouxe isso pra você – ele falou me entregando a caixa. Era mais leve do que parecia. – Sei que está brava comigo, não tiro sua razão, mas pensa com carinho? Por mim, gata? 

– Claro – falei me dirigindo para o portão. Seu Antenor abriu sem eu nem pedir. Fiquei parada encarando Thiago. Ele era lindo, a camisa social marcando os músculos do braço. Acho que ele esperava que eu o chamasse para entrar, mas eventualmente percebeu que isso não iria acontecer. 

– Eu preciso ir trabalhar… – ele falou sem graça, me dando um selinho. Nos despedimos e tive força o suficiente para não chorar até estar segura dentro de casa. 

Horas depois, nem um bom banho e o cabelo lavado me faziam sentir melhor. Eu tinha decidido que merecia faltar o resto das aulas do dia. Ainda estava encarando a caixa fechada no meu colo, sentada no sofá, quando Bia e Inez chegaram, conversando felizes. 

– Cecília! Onde você estava? Você me deu um susto! – Bia gritou, correndo até mim. – Eu quase liguei pra tia Eleanor, acredita? Mas ela ia ficar desesperada e pegar o próximo avião pra Porto Alegre. 

– Estou bem – falei, sem forças. Ela ergueu uma sobrancelha pra mim, sem acreditar. 

– Na verdade… eu queria sua ajuda – admiti. E Inez foi saindo, para nos dar privacidade. Eu me senti mal, tinha sido uma péssima colega de apartamento pra ela, por culpa de Thiago. – A sua também, Inez, fica por favor. 

E então eu contei tudo pra elas. Desde o início, pra contextualizar Inez, passando pela minha descoberta da noite anterior, até o encontro dessa manhã. Quando terminei, Inez falou:

– Isso explica tudo. 

– Me desculpa? Eu não deveria ter te evitado por quase dois meses. 

– Mas é claro! – Ela correu pra me abraçar, me fazendo derramar umas lágrimas. Droga de ressaca que me deixava emotiva. 

– Vai abrir a caixa? – Bia perguntou. Por um momento eu tinha até esquecido. Finalmente desfiz o laço.

Um bilhete repousava sobre papel de seda dourado: "Eu sei que a música não é bem assim, mas comprei esse vestido na esperança de poder tirar depois. Vem comigo secretamente pra festa de Carnaval da Helena? Beijo, T."

Ele queria mesmo que eu fosse uma acompanhante extra na festa? Até uns dias atrás, a ideia seria o suficiente para me excitar com uma carga absurda de adrenalina, mas agora que aquela droga estava perdendo o efeito eu só sentia raiva.  

Desdobrei o papel e embrulhado nele estava um dos vestidos mais lindos que eu já tinha visto. Era curto, de alcinha, tubinho, com o veludo todo cravejado de pedrinhas. Devia ser mais caro que meu guarda-roupa inteiro. 

– Até onde você está disposta a ir? – Inez me perguntou, segurando o bilhete. 

– Até o fim – respondi, abraçando o vestido. 

Illicit Affairs [Projeto Folklore] - COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora