Capítulo 9 - Inconsequência

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Quando eu tinha bebidoq o suficiente para conseguir rir daquilo tudo, decidi ir pra casa, ainda bem que o endereço já estava salvo no aplicativo da Uber. Ainda era cedo, umas 20h, mas parecia que uma vida inteira tinha se passado desde que eu tinha ido até a livraria esperar o horário de me encontrar com Thiago. Aquele desgraçado, ri sozinha. Como me joguei tão profundamente nessa paixão em tão pouco tempo? Eu merecia isso, merecia.

Apenas Bia estava em casa, arrumada para sair com Hugo, afinal era sexta. 

– Oi, Cecília! Chegou cedo, eu nem saí ainda – ela falou rindo. Até perceber meu estado, eu devia estar deplorável. – Ei, o que aconteceu? 

– Eu sou uma amante, Thiago é um desgraçado, você viu o Ciclossip? – perguntei meio chorando, meio rindo. 

– Respira, senta aí – ela falou, me conduzindo pro sofá e indo até a cozinha. Ouvi ela mandando um áudio pro namorado “Amor, vou ter que cancelar hoje, tudo bem? Depois eu te explico, é uma emergência feminina, fica tranquilo”. Bia me deu um copo d’água e se sentou ao meu lado no sofá. 

– Fica calma. Quer conversar sobre isso? 

– Quero – eu precisava colocar pra fora, ou iria surtar. – Você viu o último post da Inez? – Perguntei. Ela negou com a cabeça e pegou o celular para olhar.

– Ah, essa chata voltou. Ela se acha demais, sabia? Sinceramente… Mas o que isso tem a ver?

– Ela é namorada do Thiago – expliquei. E com a minha mente atordoada fui falando para minha prima todos os pontos que eu tinha ligado mais cedo, desde o ano novo, as ligações misteriosas, e por fim, a confirmação dele mais cedo de que sim, era comprometido com outra mulher.

– Que cretino! Safado, miserável, filho da p… – Bia tinha ficado muito brava, mas eu a interrompi:

– Não fala assim, eu gosto dele. E acho que eu mereço – falei, suspirando. Ela me olhou chocada.

– Como assim você merece? Do que ta falando, Cecília?

E então eu me preparei para contar a minha história, a verdadeira razão de eu ter atravessado o país. Já era hora de parar de guardar aquilo a sete chaves no meu coração.

– Lembra do Guilherme? – Perguntei.

– Seu ex? 

– Ele mesmo – respondi. Eu e Guilherme tínhamos namorado por quase dois anos, eu entrei na faculdade na mesma época em que comecei a ficar com ele. Para todos os efeitos, ele era um namorado perfeito: apaixonado, romântico, fazia tudo pra mim, a gente não brigava. Mas chegou um ponto em que eu estava cansada de viver nessa mesmice, eu queria voltar a sentir coisas por ele, a sentir aquele frio na barriga bom de quando gostamos de alguém. E eu tentei me apaixonar por ele de novo, mas quanto mais eu forçava, pior era. Contei isso pra Bia, e ela me olhou cética.

– E o que é que tem? Não é sua culpa parar de gostar dele. 

Respirei fundo antes de continuar:

– Eventualmente nós conversamos e terminamos numa boa, ficou tudo bem. Mas antes disso… Eu fui numa festa, os colegas da faculdade do meu pai se reuniram para comemorar 15 anos de formatura ou algo assim. E o Leandro tava lá, lembra dele? Ele é filho de uma das colegas do meu pai, esse mundo é pequeno…

– Claro que lembro! Tínhamos o maior crush nele na época da escola – ela falou. – Espera aí, vocês…?

– Ficamos conversando, flertando um pouquinho, mas pra mim tava tudo normal. Eu me sentia um pouco culpada de me sentir atraída por um cara que não era meu namorado, sim, mas não tinha nada de mais conversar, né? – Eu nem conseguia olhar para Bia enquanto contava, preferi encarar o teto. – Até que a irmãzinha dele me chamou num canto e disse que tava tudo bem eu ficar com o irmão dela, que eu tinha a aprovação dela. Aí ela saiu correndo e foi brincar na piscina, como se não tivesse feito nada. E eu fiquei lá, com meu copo de refri na mão, o coração acelerado, pensando se eu tinha ultrapassado algum limite.

Eu lembrava direitinho desse momento. Foi como se todas as peças do quebra-cabeça se encaixassem na minha cabeça. Eu não estava feliz, isso era um fato, mas depois de sentir toda aquela adrenalina da paquera de novo, eu entendi que meu relacionamento com Guilherme não tinha futuro nenhum. Peguei o celular pra ligar pra ele, mas a festa era num sítio e não tinha sinal, e eu também não terminaria tudo por telefone. 

O sol já estava se pondo e Leandro veio conversar comigo de novo, falamos sobre tudo, a vida, a faculdade, as estrelas, xingamos o governo. E, quando ele me beijou, eu não impedi. Eu gostei daquele beijo, muito mais do que eu deveria. Era como se eu estivesse viva pela primeira vez em meses. 

– Ai, prima… – Bia me interrompeu. – Ok, o que você fez foi errado. Mas só por isso acha que merece ser a outra numa relação? 

– Não foi só isso. Quando eu terminei com o Guilherme, não contei a ele sobre o beijo. Uns meses depois, encontrei Leandro numa festa da faculdade, e sei que iríamos ficar de novo. Até que chegou um colega inconveniente me perguntando onde estava meu namorado, eu disse que tinha terminado. Aí Leandro me perguntou se aquele dia lá no sítio eu estava namorando ainda, e eu disse que sim!

– Caramba, Cecília, mas você é burra, hein! – Bia exclamou, indignada.

– Eu sei, ta bom? Leandro nunca mais olhou na minha cara, muito menos respondeu minhas mensagens. – Suspirei dramaticamente. De todas as mentiras que eu deveria ter contado na minha vida… 

– E aí você resolveu mudar de curso, de cidade, de estado? – ela estava perplexa.

– Guilherme descobriu e minha vida virou um inferno. O que tinha sido um término pacífico se transformou numa confusão, ele ficou me mandando um monte de mensagem inapropriada, o grupinho de amigos dele espalhou várias coisas horríveis sobre mim. Eu queria começar de novo, e você sabe que sempre achei Direito chato, então mudei pra cá. 

– Meu Deus… – Bia falou. 

– Pois é. Parece que estou destinada a me meter em triângulos amorosos.

– E o que você vai fazer agora?

– Eu vou ouvir o que Thiago tem a dizer, da mesma forma que meu relacionamento estava acabado o dele pode estar também, sabe? – Mas só amanhã, pensei enquanto lia as mensagens dele pela barra de notificações. 

– Você dá muito crédito pras pessoas – ela revirou os olhos. Sim, talvez fosse verdade. 

Conversamos até de madrugada, dividimos uma pizza e eu estava me sentindo bem melhor enquanto estava na companhia de minha prima, como se estivesse tudo bem. Foi só quando me deitei para dormir que as lágrimas voltaram, opressoras. Chorei madrugada a dentro, eu realmente gostava dele e não queria que tudo terminasse ainda. Era bom sentir aquela adrenalina, aquelas faíscas, me sentir desejada e poderosa. 

Talvez eu estivesse sendo inconsequente de novo, de não terminar tudo imediatamente, mas precisava acreditar que tinha um motivo. Dormi com o pensamento de que estava no controle e poderia parar de vê-lo a hora que quisesse.

Illicit Affairs [Projeto Folklore] - COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora