Capítulo 12 - Amanhã é um mistério

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O Hotel Regénce funcionava num prédio antigo bem conservado, os quatro andares cheios de eiras e beiras e sacadinhas, e a fachada anciã exibia orgulhosamente uma inscrição onde se lia "Desde 1913". Eu estava prestes a entrar de penetra numa festa num prédio de mais de 100 anos, o que poderia dar errado? 

O interior conseguia ser moderno e conservar o charme rústico ao mesmo tempo. No hall de entrada eu ouvia o barulho abafado da festa, e um funcionário de terno não muito bem humorado jogava Candy Crush atrás do balcão. 

– Boa noite – falei. – Quero comprar um ingresso pra essa festa.

– Moça, é quase uma hora da manhã e aposto que você não conhece ninguém ali – ele falou, enquanto criava um brigadeiro no jogo. Eu tinha relógio, qual era o problema das pessoas quererem me falar que era quase uma hora da manhã? E daí? 

– Como você sabe? – Perguntei, e ele apontou pro relógio na parede. Revirei os olhos: – Que eu não conheço ninguém?

– É uma festa de casamento. Se você conhecesse, não teria chegado agora. Os noivos abriram a festa para os hóspedes, mas a senhorita não está hospedada aqui… 

– Nesse caso… Tem algum quarto disponível? Quero me hospedar. 

– Não pode estar falando sério – ele até deixou o Candy Crush de lado para me encarar. 

– Estou – falei tirando o cartão de crédito e a identidade da carteira. Eu estava doida? Por que queria entrar numa festa de casamento? Uma loucura, Cecília, só uma loucura para se sentir viva, afirmei para mim mesma. Para sentir que eu existia de verdade mesmo se não usasse mais perfume, mentisse para os meus amigos, dissesse que ia sair pra correr, afinal chegaria em casa ofegante…  

– Incrível, você parece sóbria – ele disse, interrompendo meu raciocínio de autopiedade e pegando meus documentos para lançar a ficha no computador. 

– O check-out deve ser feito até amanhã ao meio dia, o café da manhã é servido das 6h às 10h30 – ele falou me entregando a chave do quarto 23. 

Nesse momento, uma mocinha que parecia ter a minha idade entrou correndo no saguão e, sem me ver, começou a falar: 

– Obrigada por cobrir pra mim, seu Carlos, não vai acontecer de novo. Essa hora não costuma aparecer ning- – ela se interrompeu quando me viu. – Ai meu Deus! Desculpa, seu Carlos. 

– Fica tranquila, Edith. Foi só um check-in. 

Era estranho ela chamar o outro funcionário de "seu", já que ele parecia ter uns 25 anos, no máximo. 

– Vou voltar pra festa, você vem, Cecília? 

– An, vou, claro. Boa noite, Edith – falei, fingindo naturalidade. Como se tivesse planejado o tempo todo me hospedar naquele hotel. 

Eu ia perguntar pra ele se ele trabalhava ali mesmo, mas para chegar até a festa era só um corredor curto e uma porta, que dava no que eu imaginei ser o restaurante, mas as mesas tinham sido arrastadas para abrir espaço para uma pista de dança. As pessoas estavam arrumadas com roupas sociais, mas até que eu me encaixava bem com minha saia preta, blusa de lantejoulas vermelhas e meu casaco de couro. Balões dourados formavam os nomes Tayná e Lúcio numa parede, e imaginei que esses fossem os noivos. Na verdade, eles estavam cumprimentando todos que iam até a mesa principal e distribuindo pedaços de bolo. Fui lá pegar um pedaço de bolo, o que mais eu poderia fazer? Não vi para onde Carlos foi, mas isso não era da minha conta. 

– Boa noite! – A noiva falou comigo, me entregando um pedaço de bolo. – Não te vi na festa antes, espero que não tenhamos te acordado! Por favor, fique a vontade. 

Illicit Affairs [Projeto Folklore] - COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora