Capítulo 17 - Cristal Quebrado

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Thiago me convidou para entrar, mas ao contrário do que minhas amigas dizem, eu ainda tenho um pouco de dignidade. Fiquei sentada na poltrona de vime perto da piscina, admirando a vista da cidade lá embaixo e me lembrando da minha primeira noite ali, quando eu estava tão embebida pela magia de La La Land que achei que minha vida pudesse ser um filme também.

Ele voltou com uma garrafa de vinho frisante e duas taças. Ele abriu na minha frente, a camisa marcando os músculos, o olho roxo lhe dando um ar quase misterioso sob a luz da lua. Me impressionei com a sua facilidade de abrir a garrafa, uma vez saí com um cara que precisou pedir a ajuda do vizinho pra abrir, foi decepcionante.
Eu não estava com ideia de beber, mas aceitei a taça mesmo assim.

Era estranha demais aquela distância entre nós. Estávamos um ao lado do outro, mas era como se um oceano inteiro nos separasse. Fiquei triste de pensar em como chegamos até ali. Lembrando de todas as promessas sussurradas à meia luz durante o verão.

– Eu não esperava que você estivesse na festa da Eliza – ele quebrou o silêncio depois de um tempo, ainda encarando a lua que refletia na piscina.

– Foi um convite estranho. Eu não deveria ter vindo.

– Você ouviu tudo… tudo que eu falei pra ela?

Confirmei com a cabeça. Com medo de falar alguma coisa e as lágrimas retornarem com a força de uma cachoeira após as chuvas de verão.

– Me desculpa. De verdade. Eu não… – ele respirou fundo, passando a mão pelo cabelo enquanto buscava as palavra. – Eu não pensei nela enquanto estava com você. Em nenhum momento. Você realmente me fez sentir mais vivo nestes meses.

Eu ri, sem graça nenhuma.

– E você espera que eu acredite? Tudo que você me falou foram mentiras. Deve ter mentido até o seu sabor de gelato favorito – brinquei, mas não consegui me divertir com minha própria piada.

– Eu posso te provar que é verdade, gata.

– Não me chama assim – falei baixinho, acho que Thiago nem me ouviu. Ele se levantou e se ajoelhou do meu lado.

– Agora que estou livre, podemos ficar juntos. Como você sempre quis. Nada nos impede agora, meu amor.

Eu apertei a taça com tanta força que o cristal quebrou, cortando minha mão, e espalhando vinho, sangue e um milhão de pedacinhos pelo piso caro. Thiago deixou sua própria taça de lado e tentou pegar minha mão, mas eu a puxei.

– Eu não vou ser a droga de uma segunda opção, Thiago!

– Você não é a segunda opção, Cecília. Agora você é a primeira, meu amor, e sempre será.

– Não me chama de amor! Olha esse papel de imbecil patética que você me fez passar! – Gritei. As lágrimas escorrendo e eu não podia nem limpar o rosto com a mão cheia de cacos de cristal e sangue. – Agora eu sou a primeira? E depois? E antes? Quando mais importava, você me deixou pagar de doida!

Meus sentimentos por ele jamais poderiam ser reorganizados, da mesma forma que aqueles cacos nunca formariam uma taça novamente.

– Eu não entendo – ele falou com a voz fria. – Não era isso que você queria?

– Não sei quem você achou que eu era, mas não vou me arruinar por você. Nunca conseguiria confiar em você de novo – falei, lavando a mão na ducha e fazendo uma bagunça maior ainda.

– Então por que veio até aqui?

– Porque eu me tornei uma bagunça ambulante, deve ser.

– Você é inacreditável, sabia? Você fez a Eliza terminar comigo e agora tá falando que não vamos ficar juntos? Você vai me deixar sozinho?

– Você vai se sair bem. Não dou uma semana pra você encontrar outra garota inocente que não sabe quem você é – ironizei.

– Com minha reputação arruinada pelo Ciclossip? Impossível.

– Bom, isso aí já não é problema meu – respondi, me dirigindo até a porta da área externa.

Ele parecia mais perplexo do que bravo, fiquei com um pouco de dó. Mas eu precisava ser forte. Tinha sido um verão maravilhoso, mas Thiago nunca foi meu de verdade, e ficar com ele seria como me jogar de um precipício. Era o tipo de queda que não valia a pena.

– Cecília, espera – ele pediu. E eu parei já com um pé pra fora da casa dele.
– Pelo menos leva isso, pra sua mão – ele pegou um cachecol velho e enrolou em volta da minha mão, que já tinha parado de jorrar sangue. O toque dele no meu braço enviou eletricidade por todo meu corpo.
Ele pousou o olhar nos meus lábios, se demorando. Meu coração acelerou, meu corpo quase me traiu. Ele iria me beijar, e por um breve instante, eu quis.

Porém, agradeci e fui embora. Antes de virar a esquina, olhei pra trás. Ele ainda estava parado na frente da casa, as mãos nos bolsos, contemplando as estrelas com uma expressão triste.
Meu coração apertou, mas continuei andando. Eu precisava seguir em frente. Precisava acreditar que merecia mais. Em momentos como aquele, com ele tão frágil e gentil, tudo parecia valer a pena. Mas eu precisava me lembrar das mentiras e farsas, e de como ele xingou Eliza, como ele a chamou de doida e vadia na frente de todos. Eu não seria a próxima.

O porteiro do condomínio olhou com curiosidade para minha mão enfaixada, mas não falou nada até meu Uber chegar.

E eu fui pra casa. Com um sentimento de vazio, não de tristeza. Era mais como uma sensação de alívio. Quando você chora tudo que precisa chorar, e se sente até mais leve, limpa. Eu estava livre.

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