🎶 Vai sentir falta de mim, vai sentir falta de mim, vai tentar se esconder o coração vai doer, vai sentir falta de mim… 🎶
– Cecília! Abre essa porta agora! – Bia gritou esmurrando a porta do meu quarto, até me tirar do transe em que eu tinha me enfiado sofrendo ao som de Alcione no volume máximo.
Meu plano tinha dado certo na noite anterior, eu tinha desmascarado Thiago, ele tinha levado um soco bem merecido na cara, mas eu me sentia horrível. Não sei quanto tempo chorei baixinho numa das inúmeras salas de visitas da Mansão Martinelli, até chamar um Uber e ir pra casa. Pelo menos ninguém prestou atenção em mim, felizes demais com a festa que se desenrolava ao redor.
E eu me sentia usada, descartada, esquecida, invisível. Eu achei que a vingança me faria sentir melhor, mas não fazia. Era como se eu estivesse morrendo um milhão de vezes.
– Cecília, vou chamar os bombeiros pra arrebentar essa porta! – Bia gritou.
– Calma, amor – ouvi Hugo falando. – Eu abro a porta se precisar.
No que ela respondeu com "eu estou calma!" indignado.
Mas eu mesma abri, devia estar com uma aparência péssima, a maquiagem borrada porque nem tinha lavado o rosto, e com um pijama velho furado.
– Nossa, você tá horrível! – Ela exclamou, entrando no quarto de uma vez. Então arrancou meu sonzinho pré-histórico da tomada, interrompendo Estranha Loucura da Alcione, abriu a cortina, e jogou uma toalha na minha direção. Eu não falei nada, então minha prima continuou:
– Olha só, é Carnaval! Os quatro dias do ano em que você pode ser quem você quiser, a cidade tá cheia de turistas, de festas, de bloquinhos. Toma um banho, passa um glitter e vamos sair, porque não vou deixar você sofrer nem mais um minuto por conta daquele ordinário!
E foi só então que eu reparei que ela estava linda, com uma fantasia brilhante de sereia. E respirei fundo e fui me arrumar para ficar brilhando também, pelo menos por fora. Ela tinha razão, eu não iria passar o Carnaval presa no meu quarto.
Eu acredito que precisamos sofrer. Precisamos sentir tudo em sua devida intensidade para que nosso coração possa se curar, mas eu já tinha sentido isso por dias antes de confrontar Thiago, e eu podia adiar a fossa mais um pouquinho. E tem jeito melhor de curar um coração partido do que se jogando numa festa e escapando da realidade por um tempo?
Quando eu estava apresentável, me deparei com uma mini aglomeração na nossa sala.
Gustavo e Hugo estavam preparando drinks e estocando tudo num cooler com rodinhas, enquanto Bia e Inez cochichavam baixinho no sofá. Eu nunca entendi bem a relação de Gustavo e Inez, eles estavam mais para parceiros no crime que se beijavam do que namorados, mas ao mesmo tempo faziam coisas bregas de casal. Naquele dia, usavam fantasias combinando, com estampa de manchetes de jornal. Achei pertinente.
– Vocês estavam me esperando?
– Mas é claro! – Inez falou, levantando para me dar um abraço. – Você está bem? Não devíamos ter feito o post, eu deveria saber que seria pior…
– Tá tudo bem, fica tranquila. Eu me sinto melhor sem esse segredo.
– Vai passar – ela disse, brincando com um potinho de glitter. – Da próxima vez, me manda o nome que eu investigo tudo, descubro até os antecedentes criminais, que a gente torce pra não ter…
Eu não pude evitar rir. Um riso verdadeiro, libertador.
– Pode deixar.
– Agora, tem uma pessoa querendo falar com você – ela continuou, ficando mais séria. – Ela mandou mensagem pro Ciclossip e bem… Bia acha que você não deveria ir, mas acho que você tem que escolher se conversa com ela ou não.
– Não devia mesmo, vira essa página – Bia resmungou.
– É a Eliza.
Meu sangue gelou. Ela disse que as coisas não estavam acabadas. Thiago disse que ela era louca, e apesar da palavra dele não ter muito crédito, eu não estava com cabeça para brigas nem nada do tipo. Mas era melhor arrancar o band-aid de uma vez, eu devia um pedido de desculpas.
– Vou falar com ela – decidi. Inez assentiu.
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Uma hora depois, eu estava esperando Eliza na livraria e cafeteria que ficava na rua da igreja enquanto tomava um chocolate quente. Meus amigos estavam por ali também, mas eu queria fazer isso sozinha. Eliza chegou de chapéu e óculos escuros enormes, quase disfarçada, apesar do short com cropped que usava. Ela estava sorrindo então achei que era um bom sinal.
– Oi – ela disse, puxando uma cadeira para se sentar na minha frente. A iluminação ali dentro era indireta, ela teve que tirar os óculos. E não sei o que eu esperava, mas não era uma maquiagem impecável sem nem sinal de olheiras.
– Oi…
– Olha, não quero brigar com você – ela foi direta, suspirando frustrada. – Eu sei que a responsabilidade era do Thiago. Eu só queria entender o que aconteceu, não consigo acreditar no que ele fala…
Foi como se um peso enorme tivesse sido tirado das minhas costas, apesar de a responsabilidade ser um pouco minha também, sim. E então contei tudo a ela, poupando os detalhes sórdidos. Como nos conhecemos, como continuamos saindo, o desespero na pizzaria, a desculpa do contrato…
– Eu não acredito que ele falou que ficou com ciúmes do Mark. Ele é gay!
– Sério?
– Aham. Deve estar curtindo muito com algum boy brasileiro no bloquinho neste instante.
Eu ri, mas fiquei séria e continuei:
– Eu queria te pedir desculpas também. Jamais deveria ter continuado com ele quando descobri sobre vocês.
– Não deveria – ela falou, e senti uma pontada de culpa. – Mas de alguma forma, isso tudo me ajudou a perceber que não devo mais insistir nesse relacionamento. Thiago realmente falou a verdade quando disse que eu queria um tempo longe dele quando fui para os Estados Unidos.
– Pelo menos você consegue ver um lado bom… – eu não sabia muito o que responder. – E aquele soco? Foi incrível!
– Não foi? – Ela falou rindo. – Olha, isso pode parecer estranho, e vou entender se você não quiser. Mas amanhã vou dar uma festa de Carnaval e você está convidada, pode levar seus amigos também!
Ela me entregou cinco convites. As pessoas daquela cidade amavam uma festa, parecia até uma competição de quem dava a melhor.
– Eu vou ver com eles, obrigada – aceitei os convites sem jeito. Ela tinha me desarmado totalmente. Eu não conseguia achar Eliza chata, nem maluca, talvez só um pouquinho metida, olhando com superioridade para o cardápio plastificado.
– Me desculpa mais uma vez – falei. Ela assentiu como se não fosse nada e saiu, recolocando os óculos.
Eu ainda fiquei um tempo encarando os convites na minha mão, confusa com o que tinha acontecido. Certamente não era a reação que eu esperava. A maturidade dela me impressionou.
Eu estava mais em paz, a dor física no peito diminuindo, enquanto mais alguns pedaços do meu coração se regeneravam.
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Illicit Affairs [Projeto Folklore] - COMPLETO
Lãng mạnQuando Cecília se muda para a pitoresca cidadezinha de Ciclanto, no sul do país, tudo que ela queria era recomeçar. Mas sendo essa cidade conhecida como a Verona brasileira, lar de famílias rivais e muita intriga, ela já deveria imaginar que confusõ...