Capítulo 4 - Ligação

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Nós nos beijamos até bem depois de os fogos cessarem. Meus lábios formigavam quando paramos para respirar, e eu sentia como se eletricidade corresse pelas minhas veias. Eu queria muito ir até o fim, ao mesmo tempo que uma voz no fundo da minha consciência me dizia para ir com calma. Mandei ela calar a boca. Thiago sorriu para mim, suas mãos ainda ao redor da minha cintura, e eu vi em seus olhos que ele queria mais também. Se tivéssemos continuado, talvez fosse acabar ali, numa das minhas melhores noites, com certeza. Mas não seria assim tão simples, seria? 

Neste momento, o celular dele tocou e sua expressão mudou completamente. Pensei ouvir um "mas que droga". 

– Preciso atender, se importa? – Ele falou, relutantemente me soltando para alcançar o celular no bolso. Fiz com a cabeça que não. 

Me debrucei na sacada para lhe dar um pouco de privacidade e fiquei observando o vale lá embaixo. Eu nunca conseguiria absorver completamente o quanto era lindo. Algumas pessoas estavam espalhadas pelo jardim, se beijando, conversando, bebendo. Tinha um casal sentado em um dos bancos olhando as estrelas. Não pude conter um sorriso. 

Por mais que eu tentasse não ouvir a ligação de Thiago, era quase impossível. "Eu esqueci, me desculpa". Estranho, quem tem algum compromisso na madrugada da virada do ano? Enfim, não era da minha conta. "Fique tranquila, antes do relógio bater quatro horas eu te ligo". Ele ficou em silêncio uns segundos e depois suspirou. "Não vamos discutir… Você que insistiu em ir antes da data". Mais silêncio. Eu observava o casal sentado no banco, que agora se beijava. "Sim, eu sei que prometi, me desculpa. Feliz ano novo no Brasil, tá bom? Não vamos começar o ano discutindo, não faz bem". Lá embaixo, alguém pulou na piscina, espirrando água para todo lado. "Também te amo, beijo. Até mais." 

Conversa estranha… Não era da minha conta. Ou era? Eu deveria ter percebido. 

– O que você está olhando? – Thiago falou se aproximando e me abraçando por trás. 

– Parece que a festa é na piscina agora – comentei. 

– Meu deus, minha prima quer mesmo recriar aquele filme chato – só então percebi que entre as pessoas na piscina estavam Helena e Ethan, era fácil notar por causa das fantasias. 

– Desde que o final seja diferente… – falei. Um silêncio estranho ficou no ar. Parece que eu me dei conta de que estava numa cidade nova, do outro lado do país, na varanda de uma casa que não era minha, abraçada com um cara que eu mal conhecia. Meu corpo tinha esfriado, mas não o bastante pra eu querer sair dos braços dele. 

– Minha mãe me ligou – as palavras de Thiago pareciam cortar o ar frio da noite, ecoando por cima do barulho da festa lá embaixo. 

– Você não tem que me explicar… – comecei. 

– Eu sei, mas eu quero. Sempre viramos o ano juntos, em família, mas desde que ela se separou do meu pai as coisas têm sido difíceis. Está fazendo um cruzeiro com as amigas pela Califórnia, mas combinamos de passar as viradas juntos – ele falou super naturalmente. Parecia a coisa mais provável do mundo. 

– Mas você se distraiu – observei com um sorrisinho. 

– Eu me distraí – ele concordou, beijando meu pescoço. Suspirei. Eu queria muito continuar, mas tinha medo que talvez acabasse ali, e eu queria mais. Por alguma razão, eu precisava de mais. 

– Eu acho que vou desejar feliz ano novo pros meus pais também – usei como desculpa para me afastar, pegando o celular para ligar pra eles de verdade. Aposto que o churrasco da família estava a todo vapor. De repente, senti saudades de casa. 

Assustei quando vi 13 mensagens e 5 ligações perdidas da Bia no meu celular. Eu tinha sumido e deixado ela preocupada, meu coração se apertou de culpa. Engoli em seco e respondi que estava bem, minha prima ficou online na mesma hora e começou a digitar. Suspirei, andando em direção a escada que me levaria de volta para o salão de festas. 

– Espera! Você não pode dar uma de Cinderela e desaparecer – Thiago falou, andando até mim. 

– Essa foi muito ruim – falei rindo, – e já não é meia noite mais, logo, estou atrasada… 

– Posso? – Ele sorriu e apontou para meu celular. Fiz que sim. Talvez eu devesse ter esperado ele ditar pra mim, mas lhe entreguei o celular. Eu estava meio idiota naquela noite, talvez ainda atordoada pela embriaguez do vinho e dos beijos. Thiago abriu o Instagram e se seguiu, me devolvendo o aparelho logo em seguida. 

Fiquei na ponta dos pés e o beijei de novo, de leve, de despedida.

– Vou avisar minha prima que estou bem, antes que ela chame a polícia – falei. Tinha mais um monte de mensagens não lidas, dava pra sentir o desespero aumentando a cada "a" que Bia acrescentava no final do meu nome. Fiz uma careta e respondi que já estava indo. Pensei em convidar Thiago para ir comigo, poderíamos continuar o que tínhamos começado, mas antes que eu pudesse sugerir isso, ele falou: 

– Eu vou só resolver umas coisas e já volto para a festa também. Espero te ver de novo – e me beijou mais uma vez, se afastando com o celular na mão. 

Antes de descer as escadas, pude vê-lo gesticulando ao telefone. Parecia um pedido de desculpas. Decidi que já tinha ouvido demais e voltei para o salão, os lábios ainda formigando e o coração leve como uma nuvem.

Illicit Affairs [Projeto Folklore] - COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora