Se existe algo mais emblemático para recomeços que celebrar o início de um novo ano eu desconheço. Eu estava feliz em Ciclanto, ainda não me sentia em casa, afinal só faziam dois dias, mas naquele momento eu quase sentia que ali seria minha casa em breve.
Bia e Inez me ajudaram a arrumar o quarto, eu não tinha levado muitas coisas além de roupas, e os móveis já estavam lá, então não foi difícil. Ainda não estava bem do jeito que eu queria, mas aos poucos eu iria encher o quadro de fotos e as prateleiras de livros e CDs. Nos dias anteriores, as meninas me levaram para conhecer a cidade, e era tudo tão encantador que nem parecia uma cidade de verdade. As ruas ainda estavam enfeitadas para o Natal e eu me sentia figurante em um filme da Hallmark Channel, só faltava a neve.
Na véspera de ano novo, rodamos todas as lojinhas do centro atrás de um vestido branco, já que as meninas haviam considerado quase um crime eu não ter nada branco para usar na virada do ano. E também, segundo Inez, quem não estivesse de branco não poderia entrar na festa. Achei aquilo um pouco exagerado e Bia me disse para não levar Inez tão ao pé da letra, o que lhe rendeu um “hey!” indignado. Felizmente, achamos um vestido branco que me serviu perfeitamente, porque os seguranças poderiam até não impedir pessoas que não estivessem de branco de entrar, mas eu me sentiria super deslocada na multidão se estivesse usando meu vestido vermelho.
A casa de Helena Martinelli era linda. Parecia um castelo, com suas paredes de tijolos repousando no alto de uma colina cercada por vinhedos. Todo o caminho estava iluminado por pisca-piscas, deixando a atmosfera quase etérea.
— Se vocês me dão licença, — disse Inez pegando uma taça de vinho branco da bandeja de um garçom que passava — preciso encontrar o Gustavo.
— Quem é Gustavo? — Perguntei. Inez falava muito, e se ela tivesse mencionado o nome dele nos últimos dois dias, eu já havia esquecido. Minha prima revirou os olhos antes de responder:
— O sócio dela no Ciclossip. Acredite em mim, você não quer saber.
— Ciclossip é o instagram de fofocas que estes dois desocupados usam pra falar da vida de todo mundo aqui — Hugo, o namorado de Bia, me respondeu. E ela olhou com uma cara feia pra ele.
— A gente não espalha esse desserviço para quem está chegando agora!
— Você que mora com ela, não eu! Não acredito que você ainda não tinha avisado a sua prima sobre isso. — Ele falou indignado. — Toma cuidado com isso — ele me avisou, gentilmente. Senti um frio subir pela minha espinha. Tudo que eu não precisava eram fofocas sobre mim, de novo.
Nesse momento, um casal bonito se aproximou de nós. Eles pareciam familiares para mim, e achei interessante o modo como as pessoas pareciam abrir caminho por onde eles passavam. Talvez porque a moça usava asas de anjo como um acessório para seu vestido, e o rapaz estivesse com uma roupa que parecia uma armadura medieval.
— Romeu e Julieta? — deixei escapar, mais pensando alto do que tudo.
— Ei, cara! — Hugo falou — Esqueceu de avisar que era uma festa a fantasia?
O cavaleiro riu ao responder:
— Helena apareceu hoje cedo com essas roupas e eu não iria recusar o deboche, né? Se esses jornalistas querem nos chamar de Romeu e Julieta, pois que chamem. — Tinha carinho em suas palavras e ele abraçou a namorada ao falar isso, amassando um pouco suas asas.
E foi então que eu percebi de onde os conhecia. Das fotos que estamparam cada revista de fofoca do país nos últimos meses: Ethan De Luca e Helena Martinelli, os herdeiros das duas vinícolas rivais de Ciclanto. E estavam vestidos como Leo DiCaprio e Claire Danes no icônico baile da adaptação de 1996. Simplesmente genial, mesmo que o filme seja ruim, mas não vou entrar neste mérito.
— E pensar que até uns meses atrás eu tinha que ouvir você reclamando de como a Helena te odiava! — Hugo riu. Eu estava meio perdida na conversa, então bebi mais um gole de vinho. O gosto era diferente, eu ainda não tinha me acostumado. Mas nada de servirem uma cervejinha naquela festa!
— Está gostando de Ciclanto, Cecília? — Helena me perguntou.
— É uma cidade encantadora — respondi, bebendo mais um gole de vinho para me refrescar, o salão estava abafado. Porém, quanto mais eu bebia, mais quente ficava.
— Venha visitar a Martinelli durante o dia, fica ainda mais bonito. Gostei de você — Helena falou. — Por favor, aproveitem a festa! — Ela disse e saiu com Ethan para cumprimentarem mais pessoas. Era estranho conversar com uma subcelebridade, minha mente levemente alterada achava isso o máximo.
— Eu vou... tomar um ar — falei para Bia. Eu queria que ela curtisse um pouco com Hugo sem eu ficar segurando vela.
— Está tudo bem? — Ela me olhou preocupada.
— Está sim. Só não tenho costume de tomar vinho — falei e saí andando. Talvez eu tivesse sido insensível, ela só estava preocupada. Mas aquela festa estava mexendo com uma parte das minhas memórias que eu queria deixar bem escondida. Se eu tivesse ficado, entretanto, teria evitado muita confusão.
Eu estava tão focada em chegar na varanda que não percebi que ele estava no meu caminho até ser tarde demais. E, quando eu vi, estava encharcada de vinho.
— Mas que... — ouvi o começo de uma exclamação indignada, porém devo ter feito uma expressão tão desesperada que ele mudou a entonação no meio da frase — Está tudo bem? Veja pelo lado bom, pelo menos não era vinho tinto.
E então ele sorriu. E aquele sorriso foi o começo da minha ruína.
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Illicit Affairs [Projeto Folklore] - COMPLETO
RomanceQuando Cecília se muda para a pitoresca cidadezinha de Ciclanto, no sul do país, tudo que ela queria era recomeçar. Mas sendo essa cidade conhecida como a Verona brasileira, lar de famílias rivais e muita intriga, ela já deveria imaginar que confusõ...